27 abr 2024

WALLACE FERREIRA, DA DANÇA À VIDA NA HOUSE OF MAMBA NEGRA

NASCIDO EM VIGÁRIO GERAL, BAILARINO E ARTISTA CONTA COMO HERDOU A PAIXÃO PELA ARTE DO PAI

Em comemoração aos 30 anos do lançamento de Paris is Burning, filme que documenta a cena de ballroom de New York na década de 1980, nos cinemas dos EUA, nossa coluna #BichaPreta convida um participante dessa cena que, hoje, é global e também brasileira. Nosso convidado é Wallace Ferreira, conhecido como PatFudyda.

Nascido em Vigário Geral, subúrbio do Rio de Janeiro, ele foi criado por seu pai e irmã mais velha. Com 28 anos, é artista da dança, performer e artista visual. Desde muito cedo, tem suas maiores referências
artísticas dentro da própria casa, onde sempre observou a presença da dança.

“Cresci vendo meu pai dançar nas festas de quintal, nos sambas, nos bailes. Isso construiu no meu inconsciente a imagem de que meu corpo poderia se expressar de diversas formas”, conta Wallace.

Ainda criança, ele foi matriculado pelo pai em uma escola de dança no bairro vizinho, que o levava todo dia ao Jardim América pai, até que pudesse ir sozinho, então desde muito cedo teve a sorte de ter esse impulso em seus sonhos. Algo raro e precioso quando falamos de homens negros

Wallace seguiu no caminho fazendo teatro e cursos de interpretação, até decidir que queria isso para sua vida profissional. Então, estudou dança na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formou em 2018. Ali, na faculdade, teve contato com outras formas de se comunicar, como o audiovisual, o que lhe possibilitou ampliar seus horizontes no meio artístico e ter mais oportunidades de criar.

Como bailarino, Wallace tem apresentado seus trabalhos em galerias de arte, festivais
nacionais e internacionais desde 2017, passando pelo Pivô Satélite, Festival Panorama, ArtRio, Exposição Presença, HOA ART e Artfizz.

Entre seus trabalhos mais recentes, destacam-se a trilogia “Repertório”, em parceria com o artista Davi Pontes, exibida na Galeria Vermelho; no Valongo Festival Internacional da Imagem, em São Paulo; na Segunda Preta, em Belo Horizonte; e na Anita Schwartz Galeria de Arte, no Rio de Janeiro.

Já na cena ballroom, Wallace faz parte da House of Mamba Negra, uma “casa” original de Brasília (Distrito Federal), com uma unidade na capital fluminense. Abaixo, ele fala sobre todas essas experiências:




HÍBRIDA: Como parte da cena Ballroom aqui no Rio de Janeiro, como você poderia descrever o movimento e o seu papel para a comunidade LGBTQIA +?

WALLACE FEEREIRA: Mais que um movimento em si, é uma comunidade com acolhimento, respeito e trocas. Ter esse respeito e respaldo de uma família que a gente escolhe, que a gente se aproxima de alguma forma, é uma das coisas super importantes nesse momento em que vivemos e para pessoas como nós.

A minha existência já é um papel e me comprometer de alguma forma com tudo o que faço, a forma que me coloco no mundo e como a minha imagem reflete, é o meu compromisso comigo, com os meus próximos e com a minha comunidade. Esse guarda chuva LGBTQIA+ abrange muitas coisas, boas e nem tão boas assim. Não me comprometo a representar tudo, mas me importo em ser algo e representar algo para as pessoas que estão comigo construindo algo ao meu redor.

A ballroom tem um papel muito importante na minha vida e toda forma que ela constrói. É uma cultura originalmente formada, construída e santificada por travestis, principalmente por travestis pretas e racializadas. Foi um lugar onde pude entender que existem outras formas de existir e de vida, produzir vidas para essas pessoas e fazer arte ao mesmo tempo.

H: A cena de ballroom tem um papel muito importante mesmo, principalmente pelo fator de acolher as pessoas. Você acha que essa cultura vai se propagar durante as gerações e como movimento político, pode influenciar a comunidade LGBTQIA + em mudanças e luta por direitos ?

WF: Acho que a Comunidade Ballroom já tem esse lugar de atravessar gerações com o acolhimento. Se formos parar para pensar numa cultura, uma comunidade que já existe nesse formato desde os anos 1970, acho que ela já conseguiu se perpetuar por gerações. É um círculo e um vínculo sólido, o que muda é a forma como as pessoas e a mídia vão acessar esse lugar.

Houve esse boom com a Madonna e a ballroom foi esquecida pela mídia um pouco depois, mas a cultura continuou aí, acontecendo, pulsando e passando de geração em geração. Ela sempre estará lá e sempre vão encontrá-la. Aqui foi em 2013, mas para alguns foi esse ano e então puderam reconhecer que é um local de acolhimento. No Rio, existem pessoas que estão conhecendo a Ballroom pela primeira vez, e se percebendo e se reconhecendo. Isso é muito bonito. Ali é um lugar possível, muitas amigas já transicionaram [de gênero] após esse contato. Quando a gente se sente acolhida, nos sentimos prontos para ser quem a gente é. Acho muito importante o que ela fez e faz.




H: Você atualmente produziu um filme com Davi Pontes chamado Delirar Racial que fala sobre movimento e coreografia sem tempo, poderia contar um pouco sobre essa produção?

WF: Esse filme dá mais imagens às questões que a gente vem trazendo desde 2018, quando iniciamos essa parceria com nosso primeiro trabalho, Repertório nº1. Pensado nessa ideia de construir uma coreografia fora do tempo, dialogando com as ideias da filósofa Denise Ferreira da Silva. Ela vem pensando a modernidade e identifica que o corpo negro sempre esteve fora da linha do tempo considerada pela filosofia como modernidade.

A gente vem pensar artisticamente como seria uma coreografia fora da linha do tempo, dessa sequencialidade que uma coisa acontece, tem meio e fim, que as coisas se constroem dessa maneira linear, e pensar as diferentes formas que o corpo negro pode se colocar enquanto propositor de uma nova realidade. A partir disso, a gente constrói no filme algumas situações provisórias no espaço que demandam algum tipo de escuta e relação com o tempo.

H: Qual seria o cenário que tem idealizado para o futuro, tendo em mente que estamos vivendo momentos difíceis de crise sanitária e política. O que deseja para a nossa comunidade e sociedade?

WF: Nossa, muito difícil, porque imaginar um cenário no Brasil na realidade que a gente vive… Acho que viver no Brasil é viver o inimaginável e a gente estica cada vez mais a possibilidade disso. O que eu projeto pro futuro é que, enquanto bichas pretas, enquanto comunidade ballroom, enquanto comunidade LGBTQIA+, é que a gente consiga ter a malícia e a sagacidade dos nossos antepassados de programar golpes e escapar vivas.

Raphael Fonseca

TIAGO BASTOS

Carioca, Tiago tem 26 anos e atua como produtor de conteúdos e eventos, além de ser graduando em Publicidade. É também Diretor do Voz das Comunidades, produtor da 4:24 e do projeto de arte e tecnologia Pipas Labs.

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