09 maio 2024
Petrick Garcia conta os bastidores da cena pornô mais comentada do ano

PETRICK GARCIA, 28 ATIVOS E OS BASTIDORES DA CENA PORNÔ MAIS FALADA DO ANO

O ATOR E PRODUTOR DE CONTEÚDOS ADULTOS GAY CONTA COMO SE PREPAROU PARA A CENA DE GANGBANG, QUAL O FEEDBACK RECEBIDO E O ÚNICO PEDIDO QUE FEZ AO ELENCO: “ERA MINHA FANTASIA”

por JULIANO DIP

“Eu beijei tremendo, com muito medo, sabe, aquela sensação de que eu estava fazendo algo errado, que minha mãe podia chegar e ver, aquela coisa mais estranha.” O medo que o adolescente de 14 anos teve ao beijar o primeiro homem definitivamente ficou para trás. Quem vê a tranquilidade que o ator e produtor de conteúdo adulto gay Petrick Garcia, agora com 34 anos, transmite ao transar com 28 homens ativos em cena, não imagina que, assim como a maioria dos de nós, ele enfrentou tabus comuns ao início de nossas vidas sexuais. 

“A representação é uma consequência da inspiração que você recebe da vida”, dizia o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, que acaba de nos deixar. Sem prever,  ele resumiu bem o que move Petrick Garcia. Desde a sua primeira transa, aos 16 anos, ele conta que não conseguiu mais tirar o sexo da cabeça. 

Apesar de ter parado no tribunal da internet com o lançamento de seu novo gangbang, sem camisinha, com direito a leitadas, palmadas e muita safadeza, a cena do gangbang, gravada em comemoração aos 25 anos da produtora Tim Porn. “Também era uma fantasia minha”, confessa Petrick, que não titubeou diante das críticas e acabou aplaudido por muitos.

“Meu medo era os meninos ficarem tão à vontade que iam querer enfiar com tudo, pra mostrar aquela pegada de dominador ali, e me machucar. Enfiar de uma vez, seco. Essa era a minha preocupação maior”, conta Petrick, que teve um único pedido para os seus colegas de elenco antes das filmagens: “Podem ficar à vontade, mete, cospe, fode, põe pra mamar, faz engasgar, não precisa ter nenhuma preocupação. Mas simplesmente lubrifiquem antes de enfiar. Cospe, passa gel… Só me ajudem nisso, porque assim eu vou aguentar.”

Hoje, ele se considera um “versátil mais passivo” na vida pessoal, transa de três a quatro vezes por semana por causa do trabalho e, fora dele, apenas com o namorado, que é “bem fora do meio”. “Meu sexo fora do trabalho é só com ele”, afirma. 

O mineiro é nascido em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, e diz que teve uma infância humilde, regada ao moralismo que o interior reserva para pessoas LGBTQIA+. Na entrevista abaixo, ele conta como superou isso, comenta a relação com a família, lembra o início da carreira como garoto de programa e por que topou fazer a cena de gangbang mais discutida do ano.




HÍBRIDA: Como ficou sua segurança? Você sabe se os atores foram testados para alguma IST, se tomaram PrEP ou estão indetectáveis?

 

PETRICK GARCIA: A gente tem um infectologista que tá sempre conversando com todo mundo, em todas as cenas antes da gravação, sobre acolhimento, testagem, se a pessoa já faz acompanhamento, se está se curando de alguma coisa recentemente. Mas até onde eu conheço, quem trabalhou na produção já faz uso de medicamentos. Como a gente tá sempre em ato sexual (principalmente sem preservativo), se contrair alguma coisa aparece de imediato. As pessoas sempre têm autotestes, preocupações, tratamentos… Querendo ou não, acho que todo mundo quer viver e ter saúde nesse trabalho. Então, cabe também não só uma responsabilidade da produtora, mas cada um ter a responsabilidade de cuidar de si. 

H: Isso pode eliminar alguém ali na hora? Já aconteceu?

 

PG: Não, mas já vi pessoas que não aceitaram algumas cenas porque estavam em tratamento com penicilina ou tinham descoberto uma gonorreia há pouco tempo. Quem trabalha com isso, falo até por mim, nunca se entrega para o trabalho quando acontece (de estar doente). A pessoa se preocupa até por causa da estética e dos órgãos genitais. Ninguém quer pegar nada porque ninguém quer viver tomando nada. Querendo ou não, é um risco que esse trabalho oferece, principalmente para a gente, que faz sem preservativo. Mas também não é só um preservativo no cu, né? Chupar um pau sem camisinha, tomar um leite na cara, beijar na boca também têm seus riscos. Não tem como falar que o perigo tá só ali.

H: Acho que você acabou ensinando como liberar o sexo anal para muita gente que tem trava, né? Como que você fez 28 penetrações numa boa? Mesmo sendo experiente, em nenhum momento você pensou ‘será que vai ser de boa’? Ou não tem isso?

 

PG: Pensei. Eu recebi a proposta em novembro, a gente gravou a cena em março, mas ela só foi lançada agora porque é o verão lá nos Estados Unidos, quando saem todas as cenas de gangbang que a gente faz no Brasil pra eles. Quando me fizeram o convite, eu aceitei porque é algo que eu queria fazer. Pensei “Uau, que cena maravilhosa! Uau, que delícia também, né?” Mas quando a data estava se aproximando, eu fiquei pensando “Será que vou sair machucado? Será que eles vão…” Porque a produtora tem uma pegada muito “à vontade”, ela exige que todos os atores fiquem muito assim mesmo. Você pode fumar enquanto fode, pode beber. Tudo continua filmando. Então, meu medo era mais de os meninos ficarem tão à vontade que iam querer enfiar com tudo, pra mostrar aquela pegada de dominador ali, e me machucar. Enfiar de uma vez, seco. 

Essa era a minha preocupação maior. Até falei com eles antes da cena, “Podem ficar à vontade, mete, cospe, fode, põe pra mamar, faz engasgar, não precisa ter nenhuma preocupação. Mas simplesmente lubrifiquem antes de enfiar. Cospe, passa gel… Só me ajudem nisso, porque assim eu vou aguentar.”  

Uma técnica que eu tenho é que quanto mais lubrificação, menos desconforto eu sinto durante e, principalmente, depois. Eu penso muito no pós, né? Mas no momento eu estava calmo o suficiente para aguentar as 28 rolas. O processo que eu fiz é o mesmo que toda gay faz para dar o cu, mas fiz para dar pra 28. Evitei ficar nervoso pra minha musculatura não contrair, evitei ficar apertando, porque sei que eram vários tamanhos, formatos, grossuras.

H: E você ficou quanto tempo sem transar?

 

PG: Um dia antes eu estava gravando. 

H: E você teve dor?

 

PG: Nenhuma, cara. Graças a Deus, não tive nenhuma. Porque eu também tomei Floratil, seis cápsulas. Comecei a tomar três dias antes e tomei três dias depois. Consumi muita água, usei muito gel, muito mesmo. Enfiava gel pra dentro com a seringa por causa da chuca, senão fica ressecado. Depois que finalizamos, fui comer tudo. Apenas passei pomada Nistatina, que é um creme vaginal para fungos, e outra daquelas rosas para fissuras e hemorróidas.

H: Você transa quantas vezes na semana por causa do trabalho?

 

PG: Três, quatro.

H: E mais quantas sem trabalhar?

 

PG: Na verdade, só com o meu namorado. Sempre que eu namoro, meu sexo fora do trabalho é só com ele. 

H: Ele é ator também?

 

PG: Não, ele não é do meio… Bem fora do meio. 

H: Você teve que consultá-lo? Ou pensou em como ele iria reagir?

 

PG: Eu pensei, mas no fundo do coração sem me importar muito com o que ele ia pensar. Ele já sabia onde estava entrando.

H: Literalmente.




H: A resposta do público tem sido mais positiva ou mais negativa?

 

PG: Muito mais positiva. O  negativo já é algo esperado, já convivo com ele, então o engajamento positivo da galera me surpreendeu bastante. Não achei que fosse repercutir tanto. Para muitos, poderia ser uma cena “comum” porque gangbang é um tipo de fetiche que você vê muito em produções americanas, mas foi com os brasileiros fazendo. Mas foi muito positiva a explosão dele, o feedback. O negativo faz parte, você já vê pelas palavras todo um despeito, uma fúria muito desnecessária. Porque é um trabalho. Se a gente está aqui nessa terra é porque nasceu de uma gozada interna. 

H: Pelas críticas negativas, você acha que mexeu com o desejo das pessoas? Tem algo a ver com isso?

 

PG: Eu vejo muita positividade de quem fala “Queria estar no seu lugar”, “Qual passivo nunca sonhou em ter várias rolas”. Mas nem todos são passivos né, isso vem da pessoa, de fetiche, de fantasia. Porque também era uma fantasia minha que foi realizada no trabalho. A minha cabeça fica muito fértil para tentar entender a negatividade devido a esse trabalho. Será que já dei um fora nessa pessoa? Será que essa pessoa só quer minha atenção e chama dessa forma agressiva, que condena o meu ato, meu trabalho? Porque eu não sou nenhuma pessoa importante para estar tão errado fazendo o que eu já faço, né? Aquilo que eu assumi que faço. Acho que esses comentários vêm de despeito, de querer fazer e não poder, querer estar no lugar e não ter oportunidade. Os comentários são de pessoas assim. É todo um despeito geral.

H: Então era uma fantasia sua?

 

PG: Era. Porque trabalhei com show de sexo ao vivo, não só visto, mas interativo. A gente tinha um relacionamento com mais pessoas. Então tive essa vontade de querer desafiar, de sentir tudo ao mesmo tempo, de saber até onde posso ir, ter vários paus só pra mim, sabe? Aquela coisa de carne mesmo, de fantasia sexual. E então já tenho isso dentro de mim. Sou desinibido com câmera, de ver outras pessoas me olhando. Tudo isso acrescentou pra esse trabalho, foi uma dedicação bem grande mesmo. Quando recebi a proposta, na hora veio aquela vontade carnal de realizar a fantasia dentro do trabalho. Pra mim foi perfeito, porque aí eu poderia me entregar e fazer com vontade. 

H: Agora, essa vontade vem depois que você virou um ator ou, na verdade, você foi trabalhar com sexo porque você já tinha esses desejos antes?

 

PG: Sim, o de superar veio por causa do trabalho, né? Entendi que precisava de superações pra mostrar que não sou só mais um, pra surpreender as pessoas. Mas, antes mesmo do trabalho, eu já tive essas vontades sexuais, do descobrimento de sabores, coisas, pessoas diferentes. Isso já me aguçava, porque antes do pornô eu fazia programa. E, antes do programa, eu não fazia nada sexual. A a vontade veio por isso, por não importar tanto com o que meu olho visse. 

H: Mas com que idade essa vontade? Que memória você tem? Sei lá, adolescente, desejar os colegas e falar, ‘pô, eu queria transar com dois, três ao mesmo tempo’? Ou mais jovem? Ou mais velho?

 

PG: Ai, cara, o meu primeiro relacionamento sexual foi com 16 anos, assim, penetrado.

H: Não foi tão cedo para os padrões homossexuais?

 

PG: Não. Sempre tive comportamentos de gay, daquele criança que você falava “Esse cara vai ser viado quando crescer”. Já era algo muito natural, que eu não entendia o porquê. Tenho um episódio muito nítido na minha mente. Eu sentado no passeio de casa com meus colegas, acho que com uns 12 anos, e passou uma menina com aqueles shorts da bad boy, que a Anitta até usou em um clipe recentemente. Aí passou um casal de patins, uma mulher e um homem, e meu amigo falou “Nossa, que mulher gostosa”. Aí eu, na minha mente, pensei “Nossa, que cara gostoso”. Tipo, por que eles viam ela tão bonita, gostosa, carnalmente, e eu via um homem? Minhas lembranças vêm a partir daí. Mas essa coisa de dividir, querer sexo demais, acho que veio conforme o tempo foi passando. 

H: Você disse que teve a primeira relação com o homem com 16. Nós estamos falando isso de que cidade do Brasil, como é que era isso por lá?

 

PG: Então, eu sou mineiro. Nasci em Contagem, mas fui criado em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte. Um bairro muito humilde, família muito humilde, preconceituosa, vizinhos preconceituosos também. Na época, era muito moralismo, muita dificuldade. Meu primeiro relacionamento, eu estava numa balada com uma amiga, que já sabia que eu era gay, com 14 anos. Beijei tremendo, com muito medo, aquela sensação de que eu estava fazendo algo errado, que minha mãe podia chegar e ver, aquela coisa mais estranha. 

H: E como é hoje com a família?

 

PG: Meu relacionamento pessoal com minha família sempre foi muito bom. Sempre fui muito paciente, na minha, de relevar as coisas e não se importar com o que as pessoas falam. Meu comportamento com os meus pais é maravilhoso.

H: Eles sabem do sucesso que você está fazendo?

 

PG: Nesse exato momento, já não sei. Mas as pessoas fazem questão de falar, de alfinetar. Com certeza, coisas podem ter chegado até o ouvido deles. Meus pais são separados. A pessoa que mais me preocupa é sempre minha mãe. Ela sabe o que eu faço, antes do meu início, da minha decisão de largar a minha cidade e ir para São Paulo. Quando decidi, deixei tudo para trás por ter a certeza que era aquilo que eu queria. E minha mãe sempre esteve do meu lado. 

H: Aquilo que você queria quando fala que veio para São Paulo? Você já veio para fazer programa?

 

PG: Na verdade, eu já fazia programa desde 2013. Em BH, eu trabalhava na rua. 

H: O que você foi fazer em BH?

 

PG: De Betim, fui morar em BH, na casa de cafetina, onde moravam pessoas que trabalhavam com sexo. Antes, eu trabalhava na rua, ali no Barro Preto, uma parte com garoto de programa. Comecei meu programa lá. Depois quis sair pela violência, pelas coisas que aconteciam na rua, bem desagradável, e fui para site. Nessa época eu acordava 8h, 7h, ia para o site e ficava até 18h, porque às 20h eu já trabalhava num restaurante de fast food mexicana na Savassi. Fiquei em BH até 2015. Conheci uma pessoa, fui morar com ele, e voltei para a minha cidade. Fiz faculdade de Educação Física e tive que dar uma distanciada do programa, tal.

H: Aí você fez faculdade, concluiu e você estava trabalhando na área?

 

PG: Concluí. Já estava trabalhando na área e fiquei um ano fazendo pornô profissional antes de me assumir. Eu precisava saber se era isso que eu queria. Em 2018, comecei no pornô e voltei pro programa. 

H: Quando você faz pornô, o seu preço valoriza também no programa?

 

PG: Sim. Depois que parei de trabalhar na rua, continuei em sites. As pessoas começaram a procurar mais o Petrick pela visibilidade do vídeo, por conhecer o ato sexual e saber como era, o que queriam.

H: Eu imagino que depois desse filme agora você tem recebido novos convites?

 

PG: Sim, recebi convites. Não trabalho mais com programa já faz um ano, mas eu tive sim propostas de novas produtoras e de pessoas conhecidas na área. Também repercutiu bastante em outros países, porque ela é uma produtora americana que já está há 25 anos no mercado. Inclusive, o vídeo é para comemorar os 25 anos da produtora.

H: E qual o seu desejo agora?

 

PG: Que eu continue sendo a pessoa que sou, focada no trabalho, querendo empreender muito para os meus assinantes, as pessoas que gostam muito do que eu faço. Porque eu não faço só pelo ato sexual, mas também porque sobrevivo disso e quero dar excelência no trabalho. Sou diretor e produtor também. 

H: E qual o seu desejo agora?

 

PG: Que eu continue sendo a pessoa que sou, focada no trabalho, querendo empreender muito para os meus assinantes, as pessoas que gostam muito do que eu faço. Porque eu não faço só pelo ato sexual, mas também porque sobrevivo disso e quero dar excelência no trabalho. Sou diretor e produtor também. 

H: E qual o seu desejo agora?

 

PG: Não. Acho que trabalhar para eles me abriu muito a mente de como produzir, porque não posso ser só o modelo. Tem que saber enquadrar, sobre luz, entender que uma boa filmagem faz com que uma foda fique gostosa.

H: Eu achei que quando perguntasse do seu desejo, você fosse me responder que fosse gravar fora do Brasil, participar de grandes produções… Você não tem essa vontade de crescer na indústria pornô?

 

PG: Eu consegui gravar com produtoras internacionais sem precisar sair do país. Hoje, as produtoras não se limitam a estar só em um país, elas viajam. Igual a nossa aqui, que não está só no Brasil ou nos Estados Unidos, mas em seis países.

JULIANO DIP

Juliano Dip é mais um latino-americano vindo do interior, Bauru, centro-oeste de São Paulo, onde se formou em jornalismo e começou a trabalhar também com teatro. Há vinte anos se divide entre as duas carreiras. Na rádio CBN apresentou o CBN Mix Brasil, um dos primeiros programas de rádio voltado o público Lgbt. Na Band passou pelo CQC, Bandnewstv e há sete anos é repórter do Jornal da Band. Por lá também apresenta o podcast Toda Gente, sobre diversidade.