Há dois anos, o Brasil ficou devastado quando Lady Gaga cancelou de véspera a sua aguardada apresentação no primeiro dia daquele Rock In Rio. Enquanto a Mother Monster era (mal) substituída por Maroon 5 e nunca mais pisou por aqui, a V de Viadão tem aproveitado a data para “celebrar” o cancelamento e consolar os fãs com a VDV – Marry The Night, que terá sua edição deste ano no próximo sábado (21), no Galpão Gamboa, na zona portuária do Rio.

De ‘Born This Way’ ao “ARTPOP”,  passando por performances no VMA até, bem, qualquer um dos milhares de looks icônicos vestidos por Gaga ao longo dos anos, o que não falta na VDV são drag queens montadas com inspiração na próxima EGOT da nossa geração. No som, uma seleção com os hinos que atingiram #1 na Billboard, os injustiçados e até aquelas músicas esquecidas no forninho da Joanne Trattoria.

Momento "Applause" na pista da VDV - Marry The Night do ano passado (Foto: Victor Curi | Reprodução)
Momento “Applause” na pista da VDV – Marry The Night do ano passado (Foto: Victor Curi | Reprodução)

A primeira edição da festa, ainda em 2017, foi feita às pressas para acontecer no mesmo final de semana “Alguns temas são muito especiais, como o especial Lady Gaga que surgiu quando ela cancelou o show e nos viramos de um dia para o outro para atender essa demanda do público – acabamos repetindo todo ano”.

Foi também no Galpão Gamboa que, no último agosto, a V comemorou seu 6º aniversário de “música, amor, dança e sodomia”. Idealizada pelo produtor e designer gráfico Eduardo Castelo, a festa conseguiu se firmar na noite carioca ao longo desse tempo, tonando-se sinônimo de irreverência e resistência, desde que começou a encher a pista da La Cueva, em Copacabana.

“Eu já conhecia lá de nome e de fama”, lembra Edu. Desde a primeira edição, numa quinta-feira, 15 de agosto de 2013, ele manteve contato com o dono do local, o xará Sr. Eduardo, e começou a construir a V em uma das pistas mais importantes na cena carioca, desde os anos 1960. Na estreia, a festa atraiu cerca de 100 pessoas logo de cara. “[A fase na La Cueva] Foi muito importante, porque além de ser um lugar bacana e com personalidade, ele também abriu as portas pra mim, um produtor novo.”

Eduardo Castelo tocando na Glam POP Gala de 6 anos da VDV (Foto: Victor Curi | Reprodução)
Eduardo Castelo tocando na Glam POP Gala de 6 anos da VDV (Foto: Victor Curi | Reprodução)

Apoiado por Fiu Carvalho, seu braço direito; Malu Vianna, DJ desde o início e produtora ocasional; e Barbara de Oliveira, a Barbie 2k, que comanda as picapes desde o início, Eduardo atravessou a onda de pessimismo do Rio e cativou um público fiel, que acompanha a V dos casarões da Gávea aos clubes do centro. “Todo mundo sempre foi muito consciente do que o nome significava – não deixa dúvidas que é uma festa LGBT, sem algo ‘friendly’ genérico pra disfarçar. A gente reapropriou esse termo ao nosso favor e criou um espaço seguro na noite”, explica.

Fiu Carvalho, um dos nomes por trás da V, durante o aniversário de 6 anos da festa (Foto: Victor Curi | Reprodução)
Fiu Carvalho, um dos nomes por trás da V, durante o aniversário de 6 anos da festa (Foto: Victor Curi | Reprodução)

A festa também foi umapeça importante do renascimento na cena drag do Rio de Janeiro, abrindo espaço para essa arte muito antes de Pabllo Vittar surgir ou da febre de RuPaul’s Drag Race. Ali, nomes como Maria Paju, Aurora  Black, Ravena Creole, Chloe Van Damme e a Haus of Khaleesi começavam a despontar. “Na época, veio toda essa nova geração de drag queens na noite do Rio, então a festa abriu espaço para elas se apresentarem”, relembra Edu, que fez questão de sempre manter essa liberdade de expressão da V. “É para reunir essas pessoas e ter essa sensação de comunidade que eu faço a  festa.”

O sucesso foi tanto que, ao longo do caminho, a V de Viadão acabou “parindo” duas filhas: a M de Melancolia, dedicada exclusivamente às músicas de fossa que os DJs normalmente tocam “para expulsar as pessoas da pista”, como explica Edu; e a Haus of Viadão, edição mais eletrônica, com influências do house e da era disco no som.

Catarse performática durante a última edição da VDV - Marry The Night (Foto: Victor Curi | Reprodução)
Catarse performática durante a última edição da VDV – Marry The Night (Foto: Victor Curi | Reprodução)

“A cena do Rio passou por vários momentos, como o boom do techno e da eletrônica. Obviamente, muito mudou pra pior. As pessoas tão saindo menos e abaladas com o governo. Houve uma estagnação do Rio – muita gente foi pra São Paulo etc., e isso dá uma enfraquecida”, avalia o produtor sobre os últimos seis anos da noite carioca.

Ainda assim, a V chegou até aqui, sem o menor sinal de que pretende parar. E, se depender de Eduardo, não vai: “Eu tenho que me dar um tapinha nas costas nesses seis anos. Apesar dos momentos ruins, fiz certo em persistir e insistir, sem abandonar essa ideia. Nosso público merece a dedicação que temos fazendo nossa festa”.