“Pode escrever sobre o que você quiser!”. Quando o João Maravilhoso Ker me convidou para criar uma coluna para essa revista linda e me disse que eu teria a liberdade para falar sobre qualquer assunto, meus olhos marejaram de emoção e um filme com todas as mil possibilidades de temas passou na minha tela mental.

Liberdade para escrever e se expressar é algo tão importante para qualquer pessoa nesse planeta e, ao mesmo tempo, tornou-se algo raro. Há uma normatização muito intensa das condutas e qualquer forma de expressão que fuja do formato esperado causa desconforto, estranhamento e rechaço. As criações têm acontecido de uma forma tão mecânica e automática, seguindo normas, padrões e prazos, que, aos poucos, estão matando nosso espírito criativo, nossa espontaneidade e a livre expressão do nosso ser.

Percebo muito isso na escrita acadêmica. Eu, que sou uma bruxa dentro da academia, procurando romper com os paradigmas e limites da ciência ocidental, vivo ainda a velha cobrança pela objetividade e imparcialidade na pesquisa, pois segundo os Xs Doutores só assim é que se faz ciência de verdade.

Como estou pouco preocupada em me enquadrar nessa imagem convencional de Doutora e cientista, pego meu caldeirão de ideias, faço uma alquimia louca, misturo sangue, magia, ciência, feminismo, corpo, política, sexualidade, arte, epistemologia, antropologia, ginecologia autônoma e até farmacopornobiopoder, termo apresentado por Paul B. Preciado para definir o tipo de poder exercido, atualmente, pelas indústrias farmacêuticas e pornográficas. Tudo isso pra sacudir mesmo a cuca das pessoas.

Há uma normatização muito intensa das condutas e qualquer forma de expressão que fuja do formato esperado causa desconforto, estranhamento e rechaço (Foto: Rupi Kaur | Reprodução)
Há uma normatização muito intensa das condutas e qualquer forma de expressão que fuja do formato esperado causa desconforto, estranhamento e rechaço (Foto: Rupi Kaur | Reprodução)

Objetividade x subjetividade; natureza x cultura; mulher x homem; indivíduo x sociedade; liberdade x controle; sol x lua; animalidade x humanidade. Quando iremos romper com todas essas dicotomias e outras tantas que nos aprisionam de formas que sequer nos damos conta? Quando vamos entender essas dualidades como algo além de metades divididas, separadas e apartadas, para aceitarmos que somos seres híbridxs?

É exatamente na interseção entre duas realidades distintas que reside o poder. Os contrastes são o que tornam a vida pura magia e é essa pureza que deixaremos fluir nessa coluna.

(E)mana! é um espaço para expressar ideias, sentimentos, sensações e desejos, por vezes contraditórios, mas que nos dão energia para refletir e questionar domínios tidos como verdades universais e irrefutáveis. Certezas e incertezas, alegrias e angústias, prazeres e desamores de corpos que permitem a livre expressão da potência orgásmica que é viver em constante transmutação.

O título (E)mana! foi sugerido por uma amiga querida, repórter da revista, Ludimilla Fonseca, que capturou muito bem a essência do que queríamos trazer para cá. É daquelas sugestões enviadas pelo astral e que quando é recebida sabe-se que é certeira!

O nome faz referência a várias coisas. Mana é um conceito polinésio, que aparece na obra “O ensaio sobre a dádiva”, do antropólogo francês Marcell Mauss, remetendo à energia de troca entre os polinésios, capaz de criar o vínculo social entre eles. Também é, comumente, entendida como a energia vital que todos os seres possuem – não só os humanos, mas animais, objetos, plantas e etc.

(E)mana! é um espaço para expressar ideias, sentimentos, sensações e desejos, por vezes contraditórios, mas que nos dão energia para refletir e questionar domínios tidos como verdades universais e irrefutáveis (Foto: Poppy Jackson | Reprodução)
(E)mana! é um espaço para expressar ideias, sentimentos, sensações e desejos, por vezes contraditórios, mas que nos dão energia para refletir e questionar domínios tidos como verdades universais e irrefutáveis (Foto: Poppy Jackson | Reprodução)

Existem vários conceitos análogos ao de Mana, em diferentes culturas, como o chi, na filosofia taoísta; éter, na filosofia grega; prana, na filosofia indiana; e o reiki, na filosofia japonesa. Até no universo fictício da saga Star Wars temos “a força” como um conceito semelhante. Ou seja, a ideia de energia vital circula por diversos universos e por aqui também.

Como pretendemos emanar essa energia, fazê-la circular, abordando diversos temas como sexualidade, saúde, ciência, arte, estética, política, corpo, espiritualidade e suas interseções com gênero, sempre convidando uma Mana para escrever e pensar junto a construção desta coluna, não teve nome melhor do que (E)mana! para traduzir os nossos anseios para esse espaço que será co-criado/vivido/sentido.

Quinzenalmente, estaremos aqui procurando discutir temas que nos façam refletir sobre a nossa realidade e nós mesmxs, buscando romper com os limites de corpo/tempo/espaço, que essa sociedade cisheterofarmacopornográfica nos impõe.

De que maneira a medicalização e mercantilização dos corpos acontece e em que medida influencia as nossas narrativas e práticas? Como as práticas espirituais e terapêuticas estão sendo utilizadas atualmente e como têm articulado as ideias de corpo, mente e cura? A arte pode ser capaz de modificar a forma na qual a sociedade percebe temas tabus, tais como a menstruação e o sexo?

Se você se identificou com o que foi dito aqui e se sente preparadx para ser levadx a uma viagem profunda dentro de si, faça suas malinhas, pois o barquinho psicodélico está zarpando, cheinho de medicinas da floresta, músicas latinas, quitutes mineiros, arte menstrual, seres místicos e pessoas bem loucas dançando, cantando, gozando e vivendo plenamente. Partiu?