Em 1º de abril, o governo do Panamá anunciou que uma das medidas que o país adotaria para conter a propagação do coronavírus seria restringir a circulação de pessoas de acordo com o sexo, em dias alternados. Mulheres podem sair segundas, quartas e sextas, enquanto homens podem circular às terças, quintas, e sábado. Todos ficam em casa no domingo. Dois dias depois, o Peru anunciou ação idêntica, trocando apenas os dias designados para cada gênero. Para as pessoas transexuais de ambos os países, entretanto, isso tem gerado dúvidas e temores por sua segurança.

No primeiro dia em que a medida foi implementada no Panamá, a polícia deteve Bárbara Delgado, uma mulher trans, acusando-a de ser homem. Ela saiu de casa e foi abordada por dois agentes, mantida sob custódia por mais de três horas com base no marcador de sexo masculino em seu documento de identidade. Para os policiais, Bárbara tinha saído de casa “no dia errado”.

Bárbara Delgado foi detida no Panamá por ter saído de casa "no dia errado" (Foto: Reprodução)
Bárbara Delgado foi detida no Panamá por ter saído de casa “no dia errado” (Foto: Reprodução)

Nas redes sociais, há diversos relatos similares que narram abordagens violentas dos agentes de segurança contra a população trans no Peru. Ao anunciar que adotaria esse tipo de quarentena, o presidente Martín Vizcarra afirmou: “Quando falamos em homens e mulheres, sabemos que há cidadãos que se encontram em outro tipo do seu sentimento. As Forças Armadas e a Polícia têm instruções para evitar atitudes homofóbicas. Nosso governo é inclusivo”.

A realidade, entretanto, é outra. Travestis e transexuais têm sido submetidas a humilhações, com registros em vídeo e divulgação em redes sociais, como é possível ver abaixo. Lá, mulheres trans estão sendo presas por circularem no dia destinado às mulheres, como se não fizessem parte deste grupo.

Em ambos os países, é permitida e reconhecida a possibilidade da mudança de nome, mas não de sexo – que ainda depende de um processo burocrático ou perícia médica e exame corporal, muitas vezes exigindo cirurgia de redesignação sexual para a mudança. Essa prática, é importante frisar, viola tratados internacionais sobre os direitos das pessoas trans e fere as deliberações da Corte Interamericana de Direitos humanos (CIDH).

E isso implica que pessoas trans AMAB* (travestis e mulheres trans), continuam com o sexo masculino na identidade, assim como pessoas AFAB** (homens trans e transmasculines) seguem com o feminino em seus registros.

Por conta deste critério, pessoas trans têm sido perseguidas tanto pela polícia quanto pela sociedade civil, que denuncia mulheres transexuais como homens e que, por isso, não poderiam sair no dia destinado às mulheres. Tal violação da quarentena pode inclusive render prisão e, no Panamá, o presidente já avisou que os policiais tinha carta branca para atirar e matar quem infringisse o decreto.

Em sua conta oficial no Twitter, a Polícia Nacional do Peru pediu desculpas pelo ocorrido em uma das situações e afirmou que a ordem do Ministério do Interior e do Comando da Polícia é de que o reconhecimento das pessoas trans seja feito visualmente e não com base em documento. Ainda assim, as ocorrências persistem.

A ativista peruana Gahela Cari Contreras denuncia que ”as abordagens extrapolam a autoridade policial e têm desrespeitado a identidade de gênero de mulheres trans que têm sido levadas junto de homens e obrigadas a fazer exercícios físicos no intuito de humilhá-las”. Contreras se refere ao vídeo abaixo, no qual é possível ver três travestis que são obrigadas por um policial a agacharem repetidamente e dizerem que “desejam ser homens”, enquanto os colegas da frota riem.

Tais medidas impedem as pessoas trans de saírem de casam, fazendo com que dependam de amigos ou conhecidos para pagar contas ou faze compras, além de qualquer outra necessidade básica que possam ter. A sensação é de uma restrição às suas liberdades de ir e vir.

Associações nacionais e internacionais estão mobilizando campanhas em prol do reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans, independente do sexo registral, para que elas possam circular e terem seus direitos resguardados de acordo com o gênero que se identificam. Já foram feitas denúncias formais ao governo de ambos os países e à relatoria LGBTI da CIDH, que ainda não se pronunciou, mas está ciente de tais violações.

Seguiremos acompanhando e desejamos força à população trans de ambos os países, torcendo para que esta situação seja resolvida o mais rápido possível e que os direitos dessas pessoas sejam resguardados.

No Brasil, desde 2018 pessoas trans podem retificar seu nome e/ou gênero nos registros civis independente de cirurgia ou modificação corporal, apenas por autodeclaração no cartórios.

*AMAB: “Assigned Male at Birthday”; ou, em português, Designado Masculino ao Nascer
**AFAB: “Assigned Female at Birthday”; ou, em português, Designado Feminino ao Nascer