Na première de “Me chame pelo seu nome” (“Call me by your name”, Luca Guadagnino), uma das sessões mais badaladas e aguardadas do Festival do Rio, a Híbrida se encontrou com Vik Muniz pelo tapete vermelho do Cine Odeon. Em tempos nos quais a arte vem sendo reprimida pelos quatro cantos do Brasil sob o pretexto da “moral” e dos “bons costumes”, batemos um papo com o artista plástico que, acompanhado da esposa Malu Barreto, não hesitou ao afirmar sobre a atual onda de censura a performances e exposições no país: “Quem adere a esse tipo de prática sempre esteve do lado errado da história”.

Vik se refere à cruzada ideológica armada contra a exposição “Queermuseu”, no Santander Cultural de Porto Alegre, que parece não dar sinais de diminuição. Ainda essa semana, o MAR – Museu de Arte do Rio revogou a sua decisão de trazê-la para capital fluminense, apesar de ter declarado em comunicado oficial que era a favor da mostra. Em um português bem claro: o conteúdo exposto foi censurado publicamente pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB) que, após soltar um vídeo no mínimo constrangedor em suas redes sociais (“Só se for ao fundo do mar rs”), usou arbitrariamente o seu poder de veto no Conmar – Conselho Municipal do Museu de Arte do Rio.

Vik Muniz sobre censura: “Quem adere a esse tipo de prática sempre esteve do lado errado da história” (Foto: Barney Kulok | Reprodução)

“Eu não vi a exposição e nem a performance, então não posso falar especificamente sobre elas. Mas se estão realmente querendo promover uma guerra contra a pornografia e a pedofilia, basta pensar que não precisa ir a um museu ou a um teatro para isso. É só olhar para o seu bolso, para a sua casa, para uma escola ou para a internet”, afirma Vik. A performance à qual ele se refere é a “La Bête”, encenada pelo coreógrafo Wagner Schwartz, no Masp – Museu de Arte de São Paulo, na qual ele fica completamente nu, deixando que os visitantes manipulem seu corpo. Nesta semana, um vídeo divulgado pelo MBL – Movimento Brasil Livre, de caráter no mínimo tendencioso, mostrava uma criança interagindo com o artista, o que ajudou a inflamar ainda mais as alegações vazias de “pedofilia” feitas pelo grupo. Para eles, não importou que houvesse uma classificação indicativa no museu ou que a menina em questão estivesse acompanhada da mãe e autorizada pela mesma.

“A sexualização e prostituição infantis são os temas reais com os quais as pessoas querem lidar. Elas estão em busca de polêmica e de levar o debate moral estrategicamente ao eleitorado. É muito triste ver o que o MBL está fazendo. Pegar artistas e falar que eles são pedófilos?”, questiona Vik, relembrando que o vídeo divulgado pelo grupo da extrema-direita não foi criado nem pelo artista em questão e nem veiculado por alguma instituição cultural. “As pessoas estão loucas e com raiva por causa de uma exposição que elas não visitaram e uma performance a que elas não assistiram. A única coisa que elas viram é um vídeo disseminado por um grupo de interesse político. A pergunta é: como você se protege desse tipo de coisa, sem botar mais lenha na fogueira? Porque é exatamente isso que eles estão querendo”, completa.

 

A arte é sempre o alvo mais fácil.

Vik, que com um documentário sobre seu trabalho já levou troféus nos Festivais de Berlim e de Sundance, além de ter acervos e exposições nos principais museus do mundo, reafirma que essa volta do conservadorismo não tem base no bem-estar social, mas sim em interesses políticos específicos. “As pessoas tentam preencher isso com o discurso cultural e essa ideia de moralidade. Mas essa polêmica é fruto de um moralismo que não é ético ou idealista, e sim estratégico e pernicioso. Isso funciona como uma cortina de fumaça para distrair o eleitorado de coisas mais importantes. Quem faz isso, está realmente tentando enganar uma parte da população. É o mesmo que fizeram no Stanilismo, no Fascismo e no Nazismo e estão fazendo agora no Talibã: criam uma guerra ideológica para evitarem outro tipo de agenda”, exemplifica.

Para o artista, a verdadeira obscenidade está na política brasileira e na forma como o debate está sendo levantado. “Você tem que lutar contra a pornografia que chega até você, mas isso é algo que esses caras não estão interessados. O interesse deles não é proteger crianças, é criar uma briga que possa trazer vantagens políticas para eles. Até porque a pornografia está na Câmara dos Deputados, inclusive. É só olhar para aquele pilantra do João Rodrigues (PSD – SC), que ainda tem a coragem de criticar alguém que foi ver uma performance no museu”, diz sobre o deputado que, durante a votação da reforma política, em 2015, foi flagrado assistindo vídeos pornográficos em seu celular e compartilhando o conteúdo com seus amigos da Câmara. Esta semana, aparentemente esquecendo de olhar para  o próprio umbigo, João fez um discurso inflamado no plenário, alegando que quem defendesse a performance ou a exposição mencionadas acima era “tarado” e precisava “tomar porrada”.

De acordo com Vik, pai de Gaspar (21), Mina Rosa (6) e da bebê Dora (sete meses), a maneira com que o debate está sendo articulado abre precedentes perigosos: “Eu não levaria meus filhos a uma exposição se achasse que é algo impróprio e acredito que nenhum artista faria algo desse tipo. Agora, equalizar a figura do artista como pedófilo é algo muito grave e muito feio. A função dele é a de criar relações entre as pessoas e o mundo, não de destruir. É um campo vasto e experimental, que precisa de espaço e liberdade para criar. E ninguém é obrigado a levar o fiilho ao museu para ver homem nu ou exposições problemáticas”.