O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro é a maior celebração da produção cinematográfica nacional. E, na noite de sua 17° edição, o clima era de festa na Cidade das Artes, mas o tom político não deixou de permear as falas de indicadxs e convidadxs, desde o tapete vermelho até os discursos de agradecimento. O próprio presidente da Academia Brasileira de Cinema, Jorge Peregrino, abriu a cerimônia situando o cinema nacional “entre o entretenimento e a resistência”.

Nos discursos de agradecimento, o desmonte à cultura e os índices de violência contra a população LGBT foram lembrados, assim como a execução de Marielle Franco. A hashtag #EleNão, lançada por grupos de mulheres contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), foi o hino da noite, repetindo o efeito viral criado nos últimos dias pelas redes sociais.

Em entrevista exclusiva à Revista Híbrida, o ator Jesuíta Barbosa, indicado ao prêmio de Melhor Ator pelo filme “Malasartes e o Duelo com a Morte”, relaciona o cinema com as questões políticas: “Entretenimento existe para escapar e há muitos filmes disponíveis por aí para nos fazer rir. O difícil é fazer um filme com viés político e questões que podemos discutir”, comenta, citando como exemplo“O Grande Circo Místico”, longa indicado para representar o Brasil no Oscar 2019 no qual ele também participa do elenco.

Jesuíta Barbosa em cena de "Malasartes e o Duelo com a Morte" (Foto: Divulgação)
Jesuíta Barbosa em cena de “Malasartes e o Duelo com a Morte” (Foto: Divulgação)

Quem também falou sobre a força do cinema foi Dira Paes, que, por sinal, viverá a mãe de Jesuíta na próxima trama das 19h da Rede Globo: “Nós somos guerreiros e fortes. O cinema brasileiro tem uma tradição de décadas, que sempre promoveu grandes prêmios para a cultura brasileira. E, apesar de todas as demandas que temos como cinéfilos e cineastas, como diversidade dos temas, dos estados e das falas, precisamos ter muito orgulho desse cinema”.

E realmente não faltou força e presença feminina no Grande Prêmio. Vale destacar que, dos cinco indicados para Melhor Direção, três eram mulheres. E uma delas levou o grande prêmio: Laís Bodansky, por “Como nossos pais”. Já em Melhor Roteiro, haviam sete indicadas. É um começo: a presença feminina no cinema nacional, finalmente, ganhando mais espaço.

Falando na presença de mulheres poderosas, Carolina Ferraz, que concorria ao prêmio de Melhor Atriz interpretando uma personagem trans em “A Glória e a Graça”, também conversou com a Híbrida e comentou o convite para a produção: “Mikael Albuquerque (roteirista), há 10 anos, pensou em mim para essa personagem. Na época, ele não tinha sugerido qual personagem eu deveria fazer, mas na hora eu disse que queria, mas só se fizesse a Glória”, conta a atriz sobre a predileção pela personagem trans.

Em tempos de discussões acaloradas (e necessárias) sobre representatividade trans e transfake, Carolina explica que fez uma extensa pesquisa antes de calçar os saltos de Glória: “Foi um processo muito longo. Antes de chegar ao final, eu entrevistei cerca de 63 transexuais, fui para a noite, me montei e, então, dei uma pausa no laboratório. Fiquei uns cinco anos sem mexer nisso e, quando retomamos as filmagens, resgatei tudo aquilo. Tive muita preocupação em retratar com dignidade, respeito, carinho e cuidado que a personagem precisa”.

Carolina Ferraz sobre interpretar uma personagem trans: "Quis mostrar a alma da pessoa, sem nada caricato" (Foto: Ludimilla Fonseca | Revista Híbrida)
Carolina Ferraz sobre interpretar uma personagem trans: “Quis mostrar a alma da pessoa, sem nada caricato” (Foto: Ludimilla Fonseca | Revista Híbrida)

Ela reforça ainda a urgência de abordar o tema nas telas: “A questão precisa ser tratada, em função de todo o preconceito e estigma que ela carrega. Quis construir um ser humano e contar a história de uma pessoa pela qual eu me apaixonei desde a primeira vez que eu li. Quis mostrar a alma da pessoa, sem nada caricato ou algo do gênero”.

Como  esperado, o grande premiado da noite foi “Bingo: O Rei das Manhãs”, indicado em 15 categorias e vencedor de oito prêmios, entre eles o de Melhor Longa de Ficção, pela academia e também pelo voto popular, além de render o Troféu Grande Otelo de Melhor Ator para Vladimir Brichta. Ao final do seu discurso ele bradou: “Bingo, sim. Bozo, sim. Bozonaro, não!”.

Ao receber o prêmio de Melhor Ator por "Bingo", Vladimir Brichta disse: "Bingo si. Bozo sim. Bolsonaro não!". Na imagem, ele aparece no tapete vermelho ao lado da esposa Adriana Esteves (Foto: Ludimilla Fonseca | Revista Híbrida)
Ao receber o prêmio de Melhor Ator por “Bingo”, Vladimir Brichta disse: “Bingo si. Bozo sim. Bolsonaro não!”. Na imagem, ele aparece no tapete vermelho ao lado da esposa Adriana Esteves (Foto: Ludimilla Fonseca | Revista Híbrida)

Antes de ter subido ao palco, o ator comentou com a Híbrida sobre a necessidade de estarmos atentos neste momento de neofascismos: “Precisamos ter muito cuidado com nossas certezas absolutas. A arte nos dá possibilidade de cultivar um senso crítico de dizer ‘calma, essa é a sua verdade, mas não é A verdade'”.

Sem dúvidas, o momento mais emocionante foi a homenagem a Fernanda Montenegro. Após a exibição da cena final de “Central do Brasil”, o ator Vinícius de Oliveira, que contracenou com a atriz ainda criança, leu um cordel antes de chamá-la ao palco. Muito emocionada, a Dama da Arte finalizou a noite com chave de ouro: “No subúrbio onde nasci, as mães iam ao cinema com os filhos mamando. Estamos vivendo um momento em que precisamos de confraternização, de nos acalmarmos, raciocinar e ter uma emoção humanizada”.

 

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Os filmes com temáticas, histórias e personagens LGBTs estavam presentes e a Híbrida preparou uma lista especial só com os ganhadores que nos representam!

Confere aí:
“Vênus: Filó, a Fadinha Lésbica”, Sávio Leite – Melhor Curta de Animação dirigido por Sávio Leite

“Divinas Divas”, Leandra Leal – Melhor Longa Documentário e Melhor Montagem de Documentário (Natara Ney)

Uma Mulher Fantástica”, Sebastian Lelio – Melhor Filme Estrangeiro

“A Glória e a Graça”, Flávio Ramos Tambellini – Melhor Atriz Coadjuvante (Sandra Corveloni) e Melhor Roteiro Original (Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre)