Miss Biá, artista pioneira na cena nacional, morreu nesta quarta-feira (3) aos 81 anos após ter sido internada com sintomas do novo coronavírus. Considerada a primeira drag queen de São Paulo, ela começou a se montar por volta de 1958 e enfrentou o período da ditadura militar em cima do palco, quando chegava a fazer cinco apresentações por noite.

Eduardo Albarella, nome de registro da Miss Biá, nasceu em 1939 e começou a se montar inspirada pelo teatro de revista da época, que também gerou outros ícones como Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Marquesa e Brigitte de Búzios. Sua experiência nos palcos lhe rendeu o posto de figurinista e estilista, mesmo sem nunca ter estudado formalmente em um curso de corte e costura. Ao longo dos anos, chegou inclusive a ser maquiadora e figurinista da apresentadora Hebe Camargo, trabalho que realizou ao longo de 30 anos.

A relação com Hebe fez com que, inevitavelmente, Miss Biá começasse a interpretar a apresentadora durante seus próprios shows na boate Nostro Mundo, no bairro da Consolação. Em seu próprio sofá, ela entrevistou nomes como Ney Matogrosso, Paulo Autran, Wanderléa, Zezé Motta e Cláudia Raia.

“Onde eu estiver, a mais velha sempre sou eu. Porque não tem ninguém antes de mim. E ainda na ativa”, declarou Biá em uma entrevista concedida ao portal G1, em 2017. Na mesma ocasião, ela contou como decidiu se montar de drag queen pela primeira vez, após assistir a um show de cabaré quando ainda trabalhava como office boy. “Não existia show de transformistas, mas eu fiquei encantado. Aí falei: ‘eu também quero fazer’.”

Miss Biá permaneceu trabalhando como drag queen por mais de 60 anos (Foto: Pedro Stephan | Reprodução)
Miss Biá permaneceu trabalhando como drag queen por mais de 60 anos (Foto: Pedro Stephan | Reprodução)

O nome de Miss Biá foi inspirado em um apelido que ela tinha antes de se montar e derivado de uma música de Carmen Miranda. Já o visual veio da sua admiração pela atriz italiana Gina Lollobrigida. Sua primeiro apresentação foi na extinta boate hétero La Vie en Rose, na região conhecida como Boca do Lixo, no centro paulistano, ocasião em que cantou uma música de sua própria autoria no primeiro show de “transformistas” do estabelecimento.

“Quando comecei não existia dublagem. Então tinha que cantar. Tinha shows montados com músicas especialmente para a gente. Depois o investimento financeiro das casas foi escasseando e a gente foi mudando a maneira de se apresentar”, relatou ao G1.

Acho que a vida tem uma determinação, talvez não seja nem da gente. Você nasce para algo sem saber o porquê. Eu nasci com essa missão

Em entrevista concedia ao Estadão, em 2010, Miss Biá falou sobre a nova geração da cena drag que começava a despontar no cenário nacional. “É uma coisa feita assim: ‘ai, quero me vestir de drag’, aí vai lá, se veste e pronto. Na minha época, não era assim. Se a gente fosse fazer a Carmen Miranda, por exemplo, ou as grandes estrelas de Hollywood, pesquisávamos em cima da personagem, nos preparávamos para interpretá-las e fazermos algo marcante. Hoje, não é mais algo marcante.”

Anos mais tarde, ela elogiaria o sucesso de drags cantoras como Pabllo Vittar e Gloria Groove, afirmando: “[Elas são] maravilhosas, essas vão para frente. Elas são drag, mas não têm comportamento de quem faz uma coisinha aqui e outra lá. Elas se preocupam com uma produção boa, com bom cachê para se apresentar. Você tem que valorizar o que você faz”.

A morte de Miss Biá foi lamentada por vários membros da comunidade LGBTQ, que postaram homenagens nas redes sociais. “Muito triste, amigos, essa notícia. Minha grande referência, descanse em paz. Não vou mentir, estou sem chão”, escreveu Silvetty Montilla, outro ícone da cena drag nacional.