A sigla LGBT (e Q, I, A, S, P etc.) é uma generosa máquina de descrever gêneros. Recusa as dicotomias e binarismos com alfabetos de possibilidades, orientações, desejos, visibilidades. Se há um desejo solitário por aí, dicionarizaremos mais uma expressão de identidade, até que existam tantas quanto quem reivindicá-las. Ou mais, para os que não admitem só um rótulo.

No limite, serão tantas expressões que nenhuma delas significará coisa alguma, e as pessoas poderão transpirar sexualidade e visibilidade, sem as obrigações de uma rigidez rotulada. Ainda assim, a palavra protagonista do dialeto LGBT não poderia ser mais transparente na sua afronta diária por dignidade: “orgulho”.

Essa é a palavra que lidera as paradas de diversidade ao redor do mundo, que transforma constantemente vulnerabilidades em visibilidades, e não sem razão. Não há nada mais subversivo, mais ideológico, nada mais político do que uma afirmação de autoestima, de presença, de vaidosa identidade, de orgulho.

Mas orgulho de quê? Rigorosamente falando, não há mérito em ser gay, lésbica, transexual, bissexual ou qualquer outra identidade. Assim como não há mérito em ser alto, baixo, ter cabelo castanho, olhos verdes, ser brasileiro – essas várias contingências inescapáveis da vida, que antecedem nosso arbítrio.

Ser gay de si mesmo, essa é a meritocracia que a diversidade comemora

Orgulho é filho da conquista, do trabalho árduo, da realização criativa. É o primogênito de um ato bem sucedido que ecoa originalidade. Ser LGBT não é um mérito, claro, mas sê-lo festivamente, alegremente, até espalhafatosamente, quando muitos consideram isso um demérito moral, é uma virtude de coragem.

E na falta de uma, três razões para desavergonhar o orgulho: em primeiro lugar, existe um traço hedonista na cultura LGBT. A sensualidade, o contato físico e o erotismo, tudo isso anima o imaginário coletivo gay sem pedido de desculpas ou o pudor que geralmente impede o sexo de participar da normalidade. É um grupo que não tem receio do prazer, completamente desvinculados daquela culpa que desumaniza nossa melhor natureza.

O humor, frequentemente ácido, é outro elemento que aproxima amizades e afetos nos grupinhos de irreverência gay. Tirar sarro do outro, na cara do outro, com o assentimento do outro, e esperar o mesmo tipo de desacato. É, ademais, um humor que alcança os territórios de perigo, em uma risada política que lamenta extremismos.

Há um terceiro aspecto do caráter LGBT que, menos visível, constrói diariamente a subjetividade homoafetiva: enfrentar multidões que consideram a sua existência um desacato moral, uma ofensa religiosa, um estigma que ofende o tribunal da normalidade.

Quando a intolerância é interlocutora frequente, a sabedoria LGBT aprende cedo, bem cedo, a desdenhar do que há de mais mesquinho no cidadão de bem, aquele cuja arma de fé não é outra senão o dedo em riste apontando os pecados inexistentes dos outros. O objetivo de todo preconceito é sempre diminuir o valor humano de alguém. A diversidade, no entanto, é uma fronteira que não pode ser riscada.

Diversidade dentro da diversidade, esse é o maior capital político LGBT

Cada definição traz consigo um convite à rebeldia: há gays que rebolam carisma nas franjas da negritude? Claro que sim. Assim como há aqueles “made in Miami”. Há os que rezam, os que adotam, os que jogam futebol, cursam medicina, cursam moda, há os que votam na direita, os que vencem a final de RuPaul’s Drag Race em frente ao espelho do quarto.

Diversidade dentro da diversidade, esse é o maior capital político LGBT. A liberdade individual de escolha é um marco civilizatório, um patamar de desenvolvimento humano que não afirma esta ou aquela existência particular, mas a pluralidade de possibilidades e alternativas de vida. A demanda LGBT por respeito e igualdade não é um ruído de nicho, uma pauta de minoria, um projeto de vitimização; é, ao contrário, um compromisso com os valores mais fundamentais da democracia.

Orgulho, portanto, é política. A intolerância ainda acredita que ser gay não é uma existência, é uma ofensa. Quando o preconceito não alcança a submissão, antes provoca um tranquilo sorriso de constatação, o insulto perde sua capacidade de silenciar, intimidar, diminuir e agredir. Para todo elogio, um “muito obrigado” de dignidade. “Sou sim”. E com um agravante: a porta do armário enferrujou, só permite saídas.