Eu sempre tive muitos sonhos na vida, desde muito pequena, como qualquer pessoa. Mas a minha realidade como mulher trans, negra e periférica fez com que alguns sonhos fossem adiados e guardados dentro de mim por muito tempo.

A minha luta diária com meu corpo e contra o preconceito fez com que eu procrastinasse. Ao mesmo tempo, sempre acreditei que o mundo dá voltas e, mais cedo ou mais tarde, nos oferece oportunidades. Às vezes, de maneira repentina.

 

A minha luta diária com meu corpo e contra o preconceito fez com que eu procrastinasse

Um dos sonhos que ficaram guardados em mim era a carreira no audiovisual. Desde a época da escola, sempre me envolvi em oficinas ligadas ao tema, mas nada que fosse muito além disso. Tinha muitas idéias e grande parte delas não aconteceu.

O tempo passou e a minha oportunidade veio em 2016, ao fazer um curso maravilhoso de audiovisual na Maré. Ele era exclusivo para moradores da comunidade e, mesmo que eu não fosse uma moradora de lá, era uma pessoa com muita força de vontade. Fui a primeira mulher trans do curso e também a primeira não-moradora da comunidade. Uma grande exceção foi aberta pra mim.

Nunca sonhei que um dia, depois de me entender como trans, eu poderia estar envolvida com o audiovisual. Principalmente porque quando fazemos a transição, ficamos muito focadas nisso. Mas por mais que você diga não a certas coisas, lá dentro existe sempre aquele sim.

Natasha Roxy: “Nunca sonhei que um dia, depois de me entender como trans, eu poderia estar envolvida com o audiovisual” (Foto: Arquivo Pessoal)

Em janeiro de 2017, conheci e me envolvi com um mochileiro chileno que despertou em mim um outro sonho guardado: viajar. Ele me ajudou muito a lidar com certas coisas que eu tinha medo. Aos poucos, fui percebendo que eu não estava apaixonada por ele, mas pela liberdade que ele tinha e transmitia para mim. Certas pessoas fazem isso, dão um estalo na nossa cabeça. Nossa relação não durou muito, mas aquilo me ensinou muitas coisas e me despertou para sentimentos mais complexos.

Foi então que, em abril, fiz meu primeiro mochilão para o Paraguai. Fui até a fronteira, em Foz do Iguaçu, com a mochila cheia de roupas e maquiagem, transbordando ideias e com R$5 no bolso. Cheguei à conclusão que podemos sobreviver com pouco, basta ser humilde. Entendi que eu não deveria focar só na minha transição e que poderia sim ter outros sonhos. Mochilei por 30 dias e tive experiências incríveis.

Natasha Roxy decidiu fazer seu primeiro mochilão para o Paraguai com apenas R$5 no bolso (Foto: Arquivo Pessoal)

Eu não sabia espanhol. Hoje, já sei escrever um pouco mais. Nada como a vivência para aprendermos. E pelo que vivi, creio que o tratamento com mulheres trans lá é o mesmo que aqui: machista e transfóbico. Existem pessoas boas e ruins e é exatamente isso que eu quero documentar. Quero entender um pouco mais da humanidade.

Atualmente, estou com um projeto pessoal de audiovisual. Pretendo viajar os países da América do Sul em busca de novas aventuras mochilando e documentando a vida das pessoas LGBTS – especialmente trans -, suas politicas, o Feminismo e outros aspectos sociais de cada país. O Projeto se chama #TransNômade e vai durar 12 meses. Quem quiser me acompanhar, me siga nas redes.

Com o projeto #TransNômade, Natasha Roxy pretende investigar as políticas e o comportamento dos LGBT+ na América do Sul. Na foto, ela aparece durante sua primeira experiência no Paraguai

O que eu pretendo descobrir e o que sempre pensei comigo mesma é: será que algum dia eu vou encontrar um espaço de aceitação onde eu vou ser acolhida, abraçada e entendida como eu sou? Porque a pessoa trans ou travesti tem uma vida muito solitária, então estamos sempre em busca dessa “utopia” de sermos aceitas. Eu fico me perguntando: onde eu vou ter a sorte de ser feliz? 


A “Híbridx” é uma coluna fixa do nosso site que serve de plataforma para apresentar as várias nuances e narrativas diferentes da comunidade LGBT+, indo além dos estereótipos esperados. É um espaço para conhecer e celebrar múltiplas realidades e interseccionalidades, contadas em primeira pessoa. 
 

O objetivo é abrir os olhos do leitor para a pluralidade de vivências, histórias e possibilidades dentro da comunidade LGBT+, mostrando ao mesmo tempo que toda e qualquer singularidade tem espaço e direito para existir.