Uma das figuras históricas mais importantes da comunidade LGBTQIA+, Xica Manicongo vai receber uma grande homenagem no Carnaval 2025 do Rio de Janeiro. A escola de samba Paraíso de Tuiuti vai contar a história da primeira travesti não-indígena do Brasil, com o enredo “Quem tem medo de Xica Manicongo?”, que será desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos. Em suas redes sociais, ele comentou a escolha do tema pela agremiação de São Cristóvão, bairro da Zona Norte carioca: “Enfim, você vai rodar sua saia na Sapucaí, mana!”.

No século XVI, Xica Manicongo foi trazida do continente africano como escravizada para o Brasil, na época colônia portuguesa. Viveu em Salvador, a primeira capital colonial, e trabalhou como sapateira na Cidade Baixa, segundo registros de documentos oficiais arquivados na cidade de Lisboa, em Portugal.

O nome Xica Manicongo, por si só, já é um rompimento de gênero naquela época. O sobrenome Manicongo vem de Mwene Kongo, que significa “Realeza do Congo”. Já o Xica vem de Francisco, nome que lhe foi dado ao ser escravizada. Em um tempo em que a transgeneridade ainda não era uma palavra sequer inventada, o conceito já existia na vivência. Ser chamada de Xica foi uma maneira de validar sua identidade.

Qual a história de Xica Manicongo?

Não era apenas com seu nome social que Xica Manicongo rompia as normas da cisgeneridade. Historiadores afirmam que ela se recusava a usar vestimentas consideradas masculinas para a época. Também não se comportava de acordo com o que a sociedade dos homens, pois vivia como cudina, uma identidade de gênero decolonial.

Após a denúncia de um colono europeu, Xica Manicongo foi acusada de sodomia e de fazer parte de uma quadrilha de feiticeiros sodomitas, e depois julgada e condenada pelo Tribunal de Santo Ofício à pena de ser queimada viva em praça pública, e ter seus descendentes desonrados até a terceira geração. Para fugir da pena de morte, foi obrigada a negar sua própria identidade e adotar o estilo de vida masculino.

Documento de denúncia contra Xica Manicongo
Documento de denúncia contra Xica Manicongo exposto na 35ª Bienal de São Paulo (Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo)

Por quase 400 anos, os historiadores consideravam Xica Manicongo como um homossexual, erroneamente. O apagamento de sua transexualidade foi apenas corrigido no final do século XX. Desde então, a congolesa escravizada tornou-se um símbolo de luta e resistência para a comunidade trans no Brasil.

Em 2022, a Câmara de Vereadores de São Paulo aprovou um projeto de lei para nomear uma rua do Grajaú, na zona sul paulista, em homenagem à Xica. A autora foi Erika Hilton (Psol-SP), que na época era vereadora da cidade, mas o PL acabou vetado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB-RJ). Como deputada federal em 2024, Erika encaminhou à Câmara uma proposta para inscrever Manicongo no Livro de Herois e Heroínas da Pátria. Nas redes sociais, ela comemorou a escolha do enredo da Tuiuti.

“Xica Manicongo. Sua história, sua marca, seus feitos representam a luta de todo um povo oprimido e massacrado por uma estrutura de poder hegemônico que não aceita nossas identidade, nossas subjetividades e nossas condições humanas e físicas, como nossa raça, nosso gênero, nossa orientação sexual. Mais uma vez, a Tuiuti, de forma assertiva, leva ao samba uma personagem tão potente para retratar sua luta e história”, disse a parlamentar.

Já no ano passado, a artista paraibana Bixarte lançou a música “Xica Manicongo” em parceria com o grupo de rap A Fúria Negra para Traviarcado, seu primeiro álbum de estúdio. Na letra da canção, ela diz: “Lembre-se que em cada recaída, quem te salvou foi os ancestrais. Vera Verão e Xica Manicongo ensinaram que eu sou capaz”.