Na coluna de outubro com os principais lançamentos musicais de artistas nacionais e internacionais LGBTQIA+, Fabiano Moreira* comenta os novos álbuns de Dorian Electra, Troye Sivan, Ana Frango Elétrico, Yantó e a homenagem de Filipe Catto a Gal Costa; os EPS de Jeza da Pedra e Mellina e também os singles de BAL com Helleno, Dornelles, Massô e Clementaum.

Abaixo, confira a seleção. E não deixe de seguir a nossa playlist para não perder os próximos lançamentos.

Troye Sivan – Something To Give Each Other

Eu fui engajar com o trabalho de Troye Sivan durante a temporada de singles endorfinados do álbum que saiu em outubro, Something to give each other, o terceiro de sua carreira. É lindo ver uma gay na plenitude de sua viadagem, né, como nos clipes de “Rush”, que já começa com um tapinha-não-dói e tem homens lindos que dançam, e no de “Get me started”,  com banheirão e mais coreôs. Troye está dançando pra caramba e se mostrando um artista completo. O clipe de “Rush” é assim, mexe com a gente, um hino de verão suado e hedonista que já tem mais de 17 milhões de plays. Mas o clipe que “parou” a internet foi o lançado junto ao álbum, “One of your girls”, no qual ele faz drag e sensualiza com o ator e músico Ross Lynch. Charisma, uniqueness, nerve & talent! No Twitter, circulou demais esse meme. O álbum é uma baita celebração de dance music, sexo, dança, suor, comunidade, queerness, amor e amizade, com canções pop sacanas e de duplo sentido.

Ana Frango Elétrico – Me Chama de Gato que Eu Sou Sua

Jovem cantora, compositora e produtora musical carioca, Ana Frango Elétrico 🐓⚡️, 25 anos, escreveu à mão DYKE BUTCH NON BINARY” na edição japonesa de seu terceiro álbum, o maravilhoso Me chama de gato que eu sou sua. Bati um papo delícia com ela, para a Sexta Sei, no qual ela falou abertamente sobre ser uma pessoa não-binária, “em processo”, um corpo divergente. Após ter sido premiada com o Grammy Latino como co-produtora musical do álbum Sim, sim, sim, do grupo Bala Desejo, ela está produzindo os novos álbuns de Dora Morelembaum e de Negro Leo, além de ter produzido, também, Baby Blue, de Julia Branco, e o álbum de estreia de Sophia Chablau e uma enorme perda de tempo. Ela acessa mais sua intimidade e se expõe mais, no seu próprio álbum, que tem um clima queerness, com baladas azedas, lirismo noir e timbres nostálgicos com processamentos futuristas.

Filipe Catto – “Belezas São Coisas Acesas Por Dentro”

Uma tigresa de unhas negras registrada e protegida pelo Ibama, nossa diva maior dessa geração Filipe Catto, minha amiga virtual desde a era do Fotolog, lançou em setembro Belezas são coisas acesas por dentro, álbum produzido por ela e Fabio Pinczowski, captado ao vivo para reverenciar o repertório de outra gigante, Gal Costa, logo após sua recente partida. O projeto adiou o seu quarto álbum de inéditas, ainda em processo, e nasceu primeiro como espetáculo nos palcos do Sesc em São Paulo, chegando ao público no último dia 26, dia do aniversário das duas Gracinhas. É uma luxuosa ópera rock. Minhas favoritas são “Nada mais”, “Tigresa”, “Vaca profana” e “Negro amor”.

Dorian Electra – “Fanfare”

A imagem de Dorian Electra na divulgação de seu terceiro álbum, Fanfare, desafia os padrões de gênero com uma identidade única e mutante do músico, artista visual, fashionista, curinga e filósofo da internet. Artista do pop futurista de gênero fluido, ele faz uma exploração singular da cultura moderna e do culto à celebridade, refletindo sobre a obsessão com a fama. Tudo embalado por pop, metal, jazz, medieval, barroco, clássico e EDM. Os clipes do álbum, “Idolize”, “Puppet”, “anon”, “Sodom & Gomorrah” e “Insane” são simplesmente insanos. Dorian já colaborou com artistas como Lady Gaga, Charli XCX, 100 gecs, Pussy Riot e Rebecca Black.

Yantó – “Sítio Arqueológico”

O artista antes conhecido por seu nome de batismo, Lineker, lançou o primeiro álbum com novo nome artístico, Yantó, o bom Sítio Arqueológico, o terceiro de sua carreira. Em “Gato”, uma espécie de versão gay da “Tigresa” de Caetano Veloso, segundo o artista, ele afirma que “o  binarismo é uma opressão” e que “todo gosto é construção”. Em “Será que ele é?”, ele faz uma divertida apropriação de um dos refrões mais problemáticos do carnaval. Para o artista, faz parte de um processo de revisão histórica criar novas referências para o imaginário ligado ao universo LGBTQIAP+.

“Eu acho que cantar essa mesma questão, ‘será que ele é?’, nesse lugar de flerte, de desejo, de paquera, é um jeito de provocar e desconstruir de forma divertida e leve vários estigmas. Questões de sexualidade e gênero sempre estiveram presentes no meu trabalho. Não por ser um assunto sobre o qual eu queria falar, mas porque isso é parte de mim, é parte de quem eu sou. Quando componho uma canção de amor, de desejo, de paixão, ela provavelmente vai refletir a minha própria sexualidade”, conta esse mineiro de Bambuí radicado em São Paulo, vocalista do Bloco Explode Coração. Yantó aborda diferentes assuntos, como relações homoafetivas, não-monogamia, conflitos geracionais, família, autoconhecimento, além de questões políticas coloniais e ambientais. A capa e toda a parte visual do trabalho têm direção criativa de Alma Negrot, com fotos de Gustavo Lemos.

Jeza da Pedra e Mellina – “Lolólove”

Quem acompanha aqui a Playlist sabe que eu adoro o rapper Jeza da Pedra, primeiro artista gay do rap carioca, que já sextou lindamente aqui. Ele acaba de lançar, ao lado da rapper Mellina, o álbum colaborativo e baforada Lolólove, que une rap, beats intensos e melodias climáticas para falar de memórias suburbanas e amores contemporâneos, com produção de Daniel de Souza, do estúdio Suburb_io. O trabalho chegou com clipe para “Camará Station” e lyric video para “Aquele vídeo nosso que ninguém pode ver”. Mellina é cantora, compositora e artista multimídia que debutou, na música, em abril deste ano, com o single “Acrigel”. Bati um papo com o produtor Daniel de Souza, por e-mail, sobre os efeitos usados nas vozes.Decidimos pelo toque exagerado de ‘correção’, até mesmo quando se tratava de músicas praticamente acústicas. Uma referência forte que tive ao trabalhar os vocais foi a música ‘Autotune Autoerótico’, do álbum Recanto da Gal Costa, produzida por Moreno Veloso e Caetano Veloso“, me contou. O trabalho ainda inclui vozes de apoio com “distorção, delay e autotune no talo, na vibe do trap. 

Bal e Helleno – “8:45 SP”

Criada e interpretada pela artista B. Albino, Bal é uma personagem andrógina com narrativa inspirada pelo universo dos anti-heróis e música de sonoridade pop, com sutis elementos de brasilidade. Seu segundo clipe, “8:45 SP”, com participação de Helleno, é inspirado pelos sentimentos que a noite e os seus mistérios são capazes de provocar e é mais um lançamento do selo Cavaca Records. O clipe mostra uma vida noturna que desafia as convenções sociais e dura exatamente 12 horas, começa às 20h45 e vai até as 8h45. A jornada estética fashionista da artista começou em 2021, com o single de estreia “Little Boys”, cujo clipe tem referências na estética futurista lo-fi e brinca com iluminação. Para acompanhar atentamente.

Massot – “Sugar Daddy”

O talentoso e belo Massot compôs o pop eletrônico e dançante “Sugar daddy” e usa o shibari, no clipe, para mostrar como é se sentir amarrado e preso, comum nas relações pautadas por grana, em amarrações feitas por Luís Ferraz, do Arte Shibari Brasil. Shibari é um verbo, em japonês, que significa amarrar, e ganhou novo sentido, no século XX, com o uso da corda no contexto erótico. “Os relatos de quem passa por relações assim são de se sentir amarrado, preso, apesar dos benefícios”, me contou, em áudio de WhatsApp. O clipe tem direção de arte acertada de Tarcísio Brandão e os belos dançarinos, AlexieEvandro Almeida. “Gastando toda a grana em mim”…

Dornelles – “Mulekes do Mal”

Antes mesmo de as fantasias de Clóvis, ou bate-bola, tradição dos subúrbios cariocas, aparecerem na passarela de Drag Race Brasil, as roupas carnavalescas características do subúrbio das Zonas Norte e Oeste cariocas e da Baixada Fluminense são o chamativo do clipe de “Mulekes do Mal””, do kingo aqui da Playlist, Dornelles. O vídeo começa com o artista posando para uma mugshot, referência à prisão do ator pornô “Arthur Reizinho”, identificado como integrante de quadrilha de “Boa noite, Cinderela” (golpe que consiste em drogar e depenar gays), no Rio. “’Somos mulekes do mal, fazendo de tudo que é ilegal”, começa a letra da faixa.

“Finalmente, história de gays trambiqueiras! Ninguém aguenta mais só história de gay sofrendo. Queremos mais gays sendo presa, gays empinando moto etc.”, diz o artista, citando o meme para falar do espírito da faixa. “‘Mulekes do Mal’ vem para enaltecer uma forma libertina de viver a vida, sem ligar para o comentário ou fofoca de gente recalcada”, continua. O clipe começa com a bela vista da igreja da Penha e passa por Olaria, onde Dornelles nasceu, e Madureira, nos arredores da boate LGBTQIA+ Papa G. O funk tem beat agressivo, que mistura referências do baile de corredor dos anos 90 e do funk atual, e letra desaforada. Dornelles foi submetido a doloroso processo de “cura gay” (não há cura para o que não é doença) pela sua família, religiosa, e acabou sendo expulso de casa. Ele começou a gravar suas músicas e seus clipes com a grana que levantava vendendo brigadeiros na rua, imagem que reverencia no clipe, além da cultura ballroom, com bailarinos fazendo voguing.

Clementaum – “+ Açãum”

Conheci Clementaum, alcunha poderosa da paranaense radicada em São Paulo Gabriela Clemente, mulher cis e bi/pan, no álbum After, de Pabllo Vittar, no qual ela assina, ao lado da também curitibana Siamese, a versão turbinada de “Ameianoite. Pois ela acaba de estrear o single “+ Açãum”, ao lado da dupla queer de produção eletrônica Cyberkills, formada por Gabriel Diniz e Rodrigo Oliveira (ele acaba de lançar o EP solo Machine). Vinda do movimento ballroom, princess da House of Harpya, ela aproveitou para inserir movimentos de voguing no clipe. Clementaum é DJ e produtora, conhecida por explorar as sonoridades eletrônicas latinas, juntamente com uma pitadinha de megafunk,  kicks de hardstyle, snares de reggaeton, synths de hyperpop, solos de guitarra e vocais de funk em faixas para fritar e rebolar – e até sambar, como em “Deusa do Brasil”. A gata já teve suas músicas tocadas na Renaiscense World Tour da Beyoncé e já abriu shows para Azealia Banks e Pabllo Vittar.

Moreira e a redação também estão ouvindo:

Lia Clark – The AlbumLia Clark

“In The City” – Charli XCX e Sam Smith

“A verdade é que a cidade vai me matar” Jaloo

“Christmas” – Cher 

“Dang” – Caroline Polachek

“Te Mata” – Kali Uchis

“Piece of Me” Britney Spears

Trolls Band Together – Trilha Sonora Original do filme com Justin Timberlake e *NSYNC, Troye Sivan, Icona Pop e +

“Pau de selfie” – Gaby Amarantos e Irmãs de Pau

“Apocalype Calypso” – Mika

“Limonnada” – Monna Brutal

“Corro por nós” – Jump

“Machine” – RKills


*Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O GloboTribuna de MinasMix BrasilRG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, é colunista da Sexta Sei.