Após uma campanha eleitoral baseada em fake news e discursos de ódio contra LGBTs e outras minorias, Jair Bolsonaro assumirá a presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2019. E, enquanto seus eleitores já aproveitaram o período eleitoral para aumentarem as ocorrências de ataques discriminatórios, as políticas públicas para a nossa comunidade parecem estar mais vulneráveis do que nunca. Mas, ao mesmo tempo em que o Brasil elegeu Bolsonaro, candidatos LGBTs também tiveram um avanço histórico no Legislativo, garantindo mais visibilidade e resistência para as pautas progressistas e a defesa dos direitos humanos.

Enquanto Jean Wyllys (PSOL/RJ) segue para seu terceiro mandato no Congresso Nacional, também elegemos o primeiro senador abertamente gay, Fabiano Contarato (REDE/ES), que desbancou o pastor Magno Malta (PR) e sua hegemonia política no Espírito Santo. No Distrito Federal, mais um avanço com a eleição do primeiro deputado distrital homossexual a integrar a Câmara Legistlativa,  Fábio Felix (PSOL/DF).

Também tivemos as vitórias históricas de mulheres como Fátima Bezerra (PT/RN), que foi a única eleita para o poder executivo em 2018, além do pioneirismo das três primeiras deputadas transexuais a integrarem as câmaras de seus respectivos estados: Robeyoncé Lima (PSOL/PE) e Érika Hilton (PSOL/SP), eleitas pelas candidaturas coletivas Juntas e Bancada Ativista, respectivamente; e Erica Malunguinho (PSOL/SP).

Não existe um mundo perfeito para LGBTs

– Robeyoncé Lima

Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) afirma que o Congresso Nacional de hoje é o mais conservador desde 1964, mas simultaneamente ele também passou por uma renovação de 52% na Câmara e 85% no Senado. Em entrevista à Híbrida, Robeyoncé aponta que a luta no Legislativo não pode e não irá diminuir nos próximos quatro anos: “A verdade é que nós, como pessoas políticas e públicas, temos que garantir fundamentalmente o direito das LGBTs à vida. Não existe um mundo perfeito para LGBTs”.

Presidente regional do PSOL e deputado eleito com 10.955 votos, Fábio Félix atenta para o risco que o presidente eleito oferece: “A onda fascista é assustadora e afeta diretamente a segurança e o próprio direito de existir de pessoas LGBTs. Bolsonaro, definitivamente, representa tudo o que tememos: a LGBTfobia, o preconceito, o retrocesso e a perda de direitos”.

Assistente social e professor, Fábio Felix (PSOL) é o primeiro gay eleito como deputado distrital do DF (Foto: Reprodução)
Assistente social e professor, Fábio Felix (PSOL) é o primeiro gay eleito como deputado distrital do DF (Foto: Reprodução)

Para Jean, que já travou suas próprias batalhas pessoais com Bolsonaro quando este ainda era deputado federal e declarou inúmeras vezes ser homofóbico, o momento pede pulso firme e resistência: “Minha expectativa é de trabalhar muito como oposição ao governo de Jair Bolsonaro, que não esconde de ninguém que quer nos empurrar de volta para os armários e nos colocar na invisibilidade e marginalidade. No parlamento, faremos  obstrução em pautas que são do interesse dos conversadores para que eles cedam nas pautas que são importantes para nós”.

Protegendo e ampliando políticas públicas

Com a ascensão de João Dória (PSDB) ao governo estadual e Bruno Covas (PSDB) à frente de prefeitura, Érika explica que a formação atual da Assembeia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) irá dificultar a implementação de novos programas que atendam à comunidade LGBT. Logo, sua estratégia como deputada será voltada para a proteção é expansão de políticas já existentes: “O cenário que vivemos agora é um pouco assustador. Como deputada e LGBT, vou ter um comportamento de manter decretos, leis e emendas – vou ser mais combativa contra os retrocessos do que propositiva”.

Eleita pela candidatura coletiva Bancada Ativista, Érika Hilton (PSOL) é a primeira mulher trans a integrar a Alesp (Foto: Reprodução)
Eleita pela candidatura coletiva Bancada Ativista, Érika Hilton (PSOL) é a primeira mulher trans a integrar a Alesp (Foto: Reprodução)

A ideia de unir os parlamentares progressistas de diferentes partidos também é defendida como a melhor saída por Jean: “Defendo a criação de uma frente ampla, democrática e progressista no parlamento brasileiro a partir da nova composição do Congresso Nacional. Uma frente que reúna não apenas parlamentares e partidos de esquerda, mas todos e todas comprometidos com garantia de direitos humanos e justiça social em nosso país”.

Primeiro homem gay a integrar o Congresso Nacional, Jean Wyllys (PSOL) foi eleito para o seu 3º mandato em 2018 (Foto: Divulgação | Câmara dos Deputados)
Primeiro homem gay a integrar o Congresso Nacional, Jean Wyllys (PSOL) foi eleito para o seu 3º mandato em 2018 (Foto: Divulgação | Câmara dos Deputados)

“Não podemos ficar inertes agora”, explica Robeyoncé, que, através da Juntas, foi a única candidata do PSOL eleita em Pernambuco. “Precisamos nos unir, como fazemos na Juntas, em uma militância institucional – porque é necessário marcarmos presença. O poder legislativo tem que trabalhar a favor das pessoas, porque somos nós quem pagamos os salários dos políticos”.

Não iremos aceitar dar nenhum passo atrás nas conquistas que tivemos até agora

– Fábio Felix

No Distrito Federal, a Câmara atravessa a maior pulverização de toda a sua história, com representantes de 18 partidos eleitos. A nova composição deve fazer com que o novo governador Ibaneis Rocha (MDB) precise se esforçar mais do que habitual para aprovar algum projeto. “Nosso mandato será um espaço que luta pelos direitos humanos, com atenção especial às questões da população LGBT, às mulheres e pessoas em situação de vulnerabilidade social. Não iremos aceitar dar nenhum passo atrás nas conquistas que tivemos até agora”, aponta Fabio, observando que a tarefa será “radicalmente mais difícil e acirrada”.

Participação popular na política

Se ficou um aprendizado das manifestações de 2013 que eclodiram pelo Brasil é a potência inegável de ocupar as ruas e envolver a sociedade na discussão de políticas públicas. Dos protestos de “Marielle Presente” ao “Ele não”, brasileiros têm mostrado que a participação popular pode ser um agente transformador ou, no mínimo, uma pressão para o legislativo, como ficou provado durante a última votação do projeto “Escola sem partido”.

Precisamos levantar as mobilizações das pessoas e das ruas para resistirmos contra o conservadorismo

– Erika Hilton

“Não se faz política em gabinete, se faz na rua para estruturar no gabinete”, observa Érika, afirmando que o envolvimento dos eleitores é fundamental para que os parlamentares tenham mais autonomia ao fiscalizarem fatores como a Comissão de Segurança Pública e o desempenho da defensoria pública. “A gente tem muitos desafios, mas também muito conhecimento, boa vontade, bagagem e vontade de lutar. Precisamos levantar as mobilizações das pessoas e das ruas para resistirmos contra o conservadorismo.”

Robeyoncé, por sua vez, diz que LGBTs precisam abranger a consciência sobre seus direitos civis, para assim poderem se empoderar e participarem mais ativamente de decisões que influenciam diretamente suas vidas: “O que temos hoje é um distanciamento muito grande em relação à política, que virou um assunto desagradável. O fato de você se sentir insegura ao sair de casa é política, assim como a falta de medicamentos para trans e a retificação do nome. A galera tem que se empoderar desse debate e ter noção do poder de mobilização que ela tem”.

Eleita pela candidatura coletiva Juntas, Robeyoncé Lima (PSOL) é a primeira mulher transexual a integrar a Alepe (Foto: Reprodução)
Eleita pela candidatura coletiva Juntas, Robeyoncé Lima (PSOL) é a primeira mulher transexual a integrar a Alepe (Foto: Reprodução)

Em sua primeira coletiva de imprensa após ter sido anunciado Ministro da Justiça, Sérgio Moro afirmou que, enquanto exercesse o cargo, LGBTs e outras minorias não sofreriam perseguição constitucional ou retrocesso de qualquer direito já conquistado. Ao mesmo tempo, Bolsonaro já disse que pretende “acabar com qualquer tipo de ativismo” e que essas mesmas minorias “vão ter que se curvar à maioria”.

Espero que os movimentos sociais não se cansem de contestar e denunciar cada decisão antidemocrática do novo governo

– Jean Wyllys

Jean ainda não descarta essa possibilidade e, para combate-la, pretende recorrer até a organismos internacionais e ao judiciário brasileiro, se necessário. Ele também frisa a importância da fiscalização popular para que não haja nenhum direito a menos: “Espero que os movimentos sociais não se cansem de contestar e denunciar cada decisão antidemocrática do novo governo. E que outros atores sociais que defendam um estado laico e a dignidade de minorias entrem nessa batalha também! Nós não desistiremos e continuaremos sendo resistência”.