Enquanto a taxa de pessoas empregadas no Brasil registra queda recorde de 5,2% entre janeiro e abril deste ano, a crise do coronavírus agrava ainda mais as vulnerabilidades sociais de quem vivia à margem do sistema mesmo antes da pandemia. Entre travestis e transexuais, 90% dessa população já se encontrava dependente da prostituição como complemento ou fonte principal de renda, um mercado que também sofreu gravemente com as medidas de distanciamento social impostas pela covid-19.

Além da queda na clientela, a própria natureza da prostituição oferece risco de contágio por um vírus que é transmitido pelo contato e pelas vias respiratórias. Ao mesmo tempo, muitas dessas profissionais não têm acesso às três parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial, nem recebem INSS, seguro-desemprego, bolsa de iniciação científica, Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou nenhum outro benefício estatal.

No Rio de Janeiro, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) uniu forças com a Defensoria Pública do Estado e com o Instituto de Estudos da Religião (Iser) para ofereceram um auxílio emergencial de R$ 200 a 150 travestis e mulheres trans em situação de vulnerabilidade social. Batizada TransAção, a iniciativa teve apoio financeiro do Itaú Unibanco e distribuirá os pagamentos em três parcelas mensais.

“Levamos em consideração fatores como raça, escolaridade, acesso a emprego formal e situação social para fazer a seleção”, explica Letícia Furtado, coordenadora do o Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos (Nudiversis), sobre a seleção entre as 497 inscrições.

Ela explica que a pandemia do coronavírus tem sido especialmente dura entre essa população. “As necessidades são as de sempre, porém agravadas. Não há novidade, é só a potencialização disso.” A mesma observação foi feita pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) no Brasil, que em abril emitiu nota sobre o desafio de profissionais do sexo em meio à pandemia.

“A pandemia da Covid-19, como em outras crises de saúde, expõe as desigualdades existentes e afeta desproporcionalmente as pessoas já criminalizadas, marginalizadas e vivendo em situações financeiramente precárias, geralmente fora dos mecanismos de proteção social”, alerta o órgão. No texto, a UNAIDS reforça também que profissionais do sexo sofrem com a “perda total de renda”, aumento de discriminação e assédio, e agravamento de uma “situação já precária”, além de pedir aos países que garantam “respeito, proteção e cumprimento dos direitos humanos” dessas pessoas.

“Muitas estavam sofrendo por não conseguir trabalhar na rua e se expondo aos riscos de saúde e violência. Quando conseguiam clientes, havia ainda a questão do contato físico”, relata Letícia. Desde o início da pandemia, ela manteve contato com líderes do movimento trans, como Bruna Benevides e Indianare Siqueira, desde o início da pandemia. Outro risco relatado a ela foi o das profissionais que não tinham como pagar aos proxenetas (cafetões e cafetinas) responsáveis pela exploração sexual. Algumas dessas mulheres, ela conta, foram inclusive assassinadas pela dívida.

“Não criamos um benefício para profissionais do sexo, porque não há esse requisito para se cadastrar. Mas a gente sabe que 90% dessa população acaba passando por essa situação”, pontua Letícia.

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