Na noite desta quarta-feira (14), a vereadora Marielle Franco (PSOL), de 38 anos, foi executada no centro do Rio de Janeiro, três dias após ter denunciado a violência policial do 41º Batalhão da Polícia Militar (Irajá) durante operações na Maré. Os nove tiros disparados contra seu carro também mataram Anderson Pedro Gomes, motorista que a acompanhava na volta do evento “Jovens negras movendo as estruturas”, na Lapa. Ainda no mesmo dia, o PSOL havia ingressado com uma ação no STF pedindo o fim da intervenção militar na cidade.

Nascida e criada na Maré, Marielle foi a 5ª vereadora mais votada no Rio de Janeiro durante as eleições de 2016 e dedicou grande parte do seu mandato a lutar pelos direitos do povo daquela região, além de advocar pelo movimento negro, feminista e LGBT.

No último 1º de dezembro, ela concedeu uma entrevista exclusiva à Revista Híbrida durante a mostra “Dissidências Sexuais – Cinema, Gênero e Direitos”,  na Cinemateca do Museu de Arte Moderna. Idealizado pelo Fórum de Ciências e Cultura da UFRJ, o evento promoveu um debate sobre sexualidade, direitos e visibilidade entre a vereadora, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL), a presidentra do conselho LGBT de Niterói Bruna Benevides e outros ativistas.

Mesa da qual Marielle Franco participou ao lado de ativistas LGBTs como Jean Wyllys, Bruna Benevides, Jaqueline Jesus e outros (Foto: Ricardo Schmidt | Divulgação)
Mesa da qual Marielle Franco participou ao lado de ativistas LGBTs como Jean Wyllys, Bruna Benevides, Jaqueline Jesus e outros (Foto: Ricardo Schmidt | Divulgação)

Abaixo, você lê a transcrição dessa entrevista, na qual Marielle fala sobre a importância e as formas de democratizar o acesso à informação e ao debate político, além de criar novos espaços e formas para a mobilização popular. Leia:

Híbrida: Você disse que às vezes existe muito ruído em volta da mensagem e isso não fica muito claro pra todo mundo. Qual a importância de eventos como esse para tirar o debate sobre direitos e visibilidade do campo acadêmico para o museu etc.?

Marielle Franco: Eu acho ótimo diversificar. Não só pelo lugar da diversidade, mas como a gente consegue atravessar novos mundos? Do que a gente fala na mesa de cada corpo até as perguntas no privado, você pergunta que tem aí uma diferenciação. No positivo, tem muita potência de sair do fórum da ciência, do colégio de altos estudos, para estar, por exemplo, no MAM, em uma sexta à noite, com show, com mulher trans e com novas dinâmicas. Para mim, essa é a nova forma de fazer. Eu me sinto mais à vontade, eu acho que a gente tem acesso.

Me pareceu que a pergunta do rapaz [participante da palestra] foi divergindo da fala [dos palestrantes], mas que a pessoa tem acesso para dialogar. Não só ele reflete mais um pouco, mas à medida que ele me interpela, eu também posso refletir. Não é o apagamento. O que nós estamos fazendo hoje [no Brasil] não é só o apagamento, mas também a dicotomia. Vai cada um para o lado e salve-se quem puder. O problema é que está salvando só um grupo. A vulnerabilidade está colocada para outro, que não é o mesmo que está sendo salvo.

Olhar essa pirâmide a partir da ciência, poderia ser fácil. A partir do colégio de altos estudos. Eu, por exemplo, já participei de debates na PR-5, não só na Praia Vermelha, mas na Fundão, onde estamos mais perto da Maré. A gente avançar nesse sentido é super positivo.

Marielle Franco com Fernando Salis, superintendente de comunicação do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (Foto: Ricardo Schmidt | Divulgação)
Marielle Franco com Fernando Salis, superintendente de comunicação do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (Foto: Ricardo Schmidt | Divulgação)

H: De que outras formas você acha que a gente pode continuar ocupando esse lugares. A Bruna [Benevides] falou algo sobre isso, de que “ninguém vai ouvir o que a travesti da pista passa”. Como podemos levar isso a outros meios?

MF: Já que a organização citou os alunos e os voluntários, uma coisa factiva talvez seja, desde o início do processo, ter esse grupo de escuta diretiva para conseguir elaborar. O que não é ago fácil. Será que tem equipamento possível pra gente fazer  uma transmissão disso na Praça do Fundão, no Hospital Universitário ou na Cinelândia? E depois trazer pra cá, porque isso conseguiria mobilizar mais gente para estar aqui? Porque, de repente, conseguimos elaborar juntos.

Parece retórico só, mas não é. Porque é isso que pode possibilitar ampliar e ter o novo. Nós não vamos ter que juntar só o lugar do século XXI, das hashtags e das novidades, mas ao mesmo tempo tem os que vieram antes…

H: …que precisamos passar adiante…

MF: Exatamente! Existem formas de panfletagem, da mobilização, do estar com as pessoas… Eu consegui, mesmo sendo convidada na mesa, ver alguns momentos e consegui acompanhar tudo. Acho que a gente tendo outros espaços, conseguimos ampliar ainda mais.