A saga para realizar a 22ª Parada da Resistência LGBTI carioca este ano finalmente chegou ao fim: no próximo domingo (19), a partir das 9h, seis trios elétricos irão ocupar a Orla de Copacabana, mesmo sem o incentivo financeiro ou logístico da Prefeitura do Rio de Janeiro. Quem confirma a notícia é Cláudio Nascimento, um dos coordenadores do Grupo Arco-Íris, à frente do evento desde sua primeira edição, em 1995. “Ficamos muito felizes de receber essa onda de solidariedade e apoio à Parada. Felizmente, será possível mostrar que o fundamentalismo religioso não será implementado sem resistência, energia e garra da população”, ele afirma, em entrevista exclusiva à Híbrida.

Não à toa, o nome do evento este ano mudou de Parada do Orgulho LGBT e assumiu Parada da Resistência LGBTIem um aviso bem claro de oposição ao autoritarismo que vem impregnando a Cidade Maravilhosa através da figura do bispo e prefeito Marcelo Crivella (PRB). Enquanto isso, a Prefeitura vem afirmado nas últimas semanas que seu apoio na captação de recursos foi fundamental para a realização da Parada. O fato é negado por Claudio que, em nota oficial divulgada na página do Grupo Arco-Íris no Facebook, esclareceu que todas as negociações foram feitas diretamente pelo órgão.

“Mudamos o tema este ano exatamente porque esse é o momento de resistirmos à LGBTfobia, ao fundamentalismo religioso e a todas as opressões que vêm atacando o Rio como um todo. Esse desmonte de políticas públicas não tem ocorrido apenas com os LGBTI, mas também fere os direitos humanos, a segurança, saúde, educação e outros direitos básicos”, afirma Cláudio, que também comenta a inclusão do grupo de Intersexuais pela primeira vez na sigla do evento: “Tivemos uma conscientização de ampliar as demandas da Parada. Essa é uma realidade concreta, que sofre com a falta de atenção das políticas públicas e cujo reconhecimento de direitos é essencial”.

Durante sua campanha eleitoral, Marcelo Crivella prometeu que continuaria apoianda a Parada LGBTI do Rio (Foto: Reprodução Facebook)

Ainda durante sua campanha eleitoral, Crivella havia afirmado que a Prefeitura não deixaria de apoiar o evento, reconhecendo a sua importância para a cidade: “Pode ter certeza que toda expressão democrática das minorias será garantida. As pessoas acham que vou coibir e acabar com a Parada Gay (sic). É preciso segurança, é preciso limpeza. Tudo isso terá. É uma expressão democrática da minoria e tem que ser respeitada”.

Entretanto, ao assumir o cargo, o discurso do bispo mudou e, culpando “a crise fincanceira” – mesmo argumento utilizado para reduzir os investismentos no Carnaval, que também foram assegurados no período de pré-eleições -, a verba oferecida à Parada foi completamente extinta. Tanto que, ainda no mês passado, o evento precisou cancelar sua data inicial em 15 de outubro, porque não havia conseguido o patrocínio necessário.

O benefício financeiro é exatamente um dos pontos mencionados por Cláudio em relação à “Parada da Resistência”: a movimentação econômica que o evento promove para os cofres públicos da cidade, ele afirma, gira em torno dos R$12 milhões convertidos em impostos. Inclusive, apenas no ano passado, mais de 600 mil pessoas compareceram à Praia de Copacabana para a celebração, cuja estrutura de postos médicos, UTIs móveis e segurança era apoiada pelo governo municipal.

“A Prefeitura fazia um investimento de R$400 mil, que no fim das contas gerava um retorno muito maior. O que acontece com o governo Crivella é que eles estão atacando isso em várias perspectivas: a da democracia e do estado de direito desses cidadãos, que precisam de atenção pública; mas também na falta de visão econômica para a cidade. Ele está deixando de responder à própria vocação do Rio para o Turismo com uma postura obscurantista, que prejudica toda a cadeia produtiva de eventos”, pontua Claudio, frisando que a própria Associação Brasileira da Indústria Hoteleira do Rio de Janeiro reconhece o impacto econômico do evento para a cidade. Vale também lembrar que, ainda no ano passado, a capital fluminense foi eleita como o Melhor Destino LGBTI em toda a América Latina.

Classe artística também soma na resistência

Daniela Mercury, Pabllo Vittar, Preta Gil e Iza estão entre os artistas que abriram mão do cachê para se apresentarem na 22ª Parada da Resistência LGBTI (Foto: Reprodução Instagram)

Apesar do esforço extra, Cláudio, Julio Moreira e Marcelle Esteves, os líderes à frente do Grupo Arco-Íris, conseguiram além da vaquinha online o apoio de mais de 20 instituições, incuindo a Uber e a AmBev. “Essas dificuldades ampliaram a onda de solidariedade ao nosso favor e fez com que a gente conseguisse angariar os fundos necessários para o evento. Vai ser preciso muita união”, ele observa.

Além das empresas, quem também entrou surfando na crista dessa onda de solidariedade foi a classe artística nacional. Além da já anunciada apresentação de Daniela Mercury no evento, outros artistas já confirmaram presença, sem cobrarem um único centavo para isso. “Todos os participantes abriram mão do cachê. É impressionante! Estamos muito felizes com a consciência, o engajamento e a preocupação que as pessoas estão demonstrando com o evento”, comemora Cláudio.

Entre os nomes já confirmados para o próximo domingo na Praia de Copacabana, estão Preta Gil, Pabllo Vittar, Iza, Karol Conká, Lexa, Valesca, Lorena Simpson, Yann, Sara e Nina, CariúchaG.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, além dos blocos de carnaval Exagerados e Toco-Xona, em um lineup com mais de 40 atrações. A Avenida Atlântica ainda será ocupada por seis trios elétricos, na seguinte ordem: o 1º será o abre-alas; o 2º será dedicado às mulheres lésbicas e bissexuais; o 3º às pessoas transexuais, travestis e intersexuais; o 4º chegará com o patrocínio da Uber; o 5º trará a equipe do próprio Grupo Arco-Íris, apresentando o movimento LGBTI; e, por fim, o carro oficial de encerramento.

A parte de infraestrutura, Cláudio explica, está sendo organizada, e órgãos como o Conselho Tutelar, a Polícia Militar, a Guarda Municipal, o Grupo Marítimo do Rio de Janeiro e as companhias de limpeza pública, dentre outros, já manifestaram seu apoio. “Estamos fazendo das tripas coração para buscar parcerias e viabilizar o evento. Essa vai ser a maior manifestação em praça pública durante todo o ano”, ele comemora, citando ainda que outros movimentos sociais também participarão da Parada, como líderes dos movimentos negros, feministas e das religiões de matrizes africanas.

A festa de domingo, Claudio reforça, estará recheada de atrações, mas também será o momento ideal para debater os rumos obscuros que a Cidade Maravilhosa vem tomando nesse último ano: “Estão todos preocupados com a cidade, especialmente com essa administração que mistura religião com política. Estamos tendo demonstrações graves disso quando ela ocupa as escolas públicas com igrejas, impede a cultura popular de se expresssar e coloca a cultura artística em oposição. Quando o Crivella diz que a exposição ‘Queermuseu’ só viria se fosse ‘no fundo do mar’, ele mostra um desprezo enorme à luta dos direitos humanos e dos direitos LGBTIs, negando todo o valor cultural e imaterial dessa produção cultural e artística”.