Uma ciborgue-voodoo-queen-dominatrix feita manufaturadamente de descartes e ressignificações de materiais e símbolos. É assim que Alma Negrot se define. Ela foi uma das 13 neodrags cariocas documentadas na websérie “Drag-se”, dirigida por Bia Medeiros e contemplada por um edital da Rio Filme. Seu trabalho transcende normatizações e questiona rótulos sociais, à medida que ela apropria materiais de descarte e os ressignifica em peças de arte e de moda. Quem recentemente se encantou pelo trabalho da artista foi Johnny Hooker, para quem Alma assinou alguns figurinos recentes e a arte de capa do seu último disco, “Coração”.

Anaixo, Híbrida entrevista a jovem Drag Queen e pergunta sobre os seus processos de produção artística, seus trabalhos de moda, a interseção entre ambos e mais:

Alma Negrot: Rainha do futurismo fetichista e voodoo (Foto: Otávio Guarino | Reprodução)

Híbrida: Quem é Alma Negrot?

Alma Negrot: Uma ciborgue voodoo queen dominatrix feita manufaturadamente de descartes e resignificações de materiais e símbolos. A mistura  de antagonismos e a quebra dos binarismo, entre feio e belo, precário e luxo, masculino e feminino, humano e ser não-identificado.

H: O que o “Drag-se” representa na sua história?

AN: Um marco na minha vida como artista, com certeza. Foi um projeto que me alavancou como profissional e fez com que eu me dedicasse e acreditasse no potencial da minha arte como um dispositivo de transformação social e pessoal. Sem o “Drag-se”, talvez Alma não teria continuado até aqui.

 

H: O que é o corpo LGBTQIA na sua arte e por que vestimentas e indumentárias são tão importantes?

AN: A performance deve revelar uma quebra de padrão na normatividade de determinado contexto. A performance é a ação que quebra com esses códigos pra falar em urgências. No caso do corpo LGBTQIA, eu preciso falar sobre PRESENÇA. Porque embora sejamos muitos, nossa comunidade ainda não é vista como legítima. Muitas vezes falamos em “ocupar espaços”, exatamente porque esses espaços geralmente não nos pertencem ainda. Nossa vestimenta e nossa cultura são usadas como sinalizadores que demarcam a ocupação do espaço por um corpo LGBTQIA e o identifica com as demais pessoas da comunidade.

H: Moda é arte?

AN: Moda é o reflexo do que a sociedade vive e expressa. Arte é isso: discurso, manifesto, vida.

H: Como você acha que seu trabalho transcende o que temos por moda hoje?

AN: Temos uma ideia um tanto viciada de que moda é tendência. Nos tornamos viciados na noção de que as coisas/conceitos são descartáveis ou datados quando na verdade podemos revisita-los e resignifica-los o tempo todo. Moda é expressão e ela deve ser livre e autônoma pra ser criada e se relacionar com o contexto, pra além do que o mercado dita como vigente. É assim que eu penso “moda” se for adequado ao que eu visto.

Alma Negrot: “Temos uma ideia um tanto viciada de que moda é tendência” (Foto: Giselle Dias | Reprodução)

H: Quais os materiais que você mais gosta de trabalhar?

AN: Tenho gosto por resignificações. Gosto de material de descarte, materiais frágeis como papel e plástico, que pode ser derretido e facilmente mudar de textura. Atualmente, gosto muito do trabalho de um estilista, o Diego Gama, que fabrica suas roupas com materiais inusitados como resina, fibra de vidro e silicone.

H: Onde você busca inspirações?

AN: Meu trabalho existe em simbiose com a produção dos amigos artistas que me cercam na minha realidade, dentro das nossas diásporas enquanto pessoas LGBTQIA, pretas, não-brancas, trans, periféricas, vindas do interior e de famílias conservadoras. Sara Panamby, Aretha Sadick, Malayka Sn, Linn da Quebrada, Félix Pimenta, Volatile, Aérea Negrot, Hija de Perra, Jota Mombaça… Também trago comigo referências de algumas artistas da era pós-punk/pop dos 80s, como Siouxsie Sioux, Nina Hagen, Diamanda Galás, Grace Jones, Björk e Madonna.

Contra-capa de “Coração”, segundo álbum de Johnny Hooker com arte assinada por Alma Negrot (Foto: Reprodução)

H: Como foi o seu processo de criação dos figurinos de Johnny Hooker?

AN: No início eu senti uma pressão muito grande pela responsabilidade de colaborar com um artista de renome como ele. Mas fomos nos aproximando, ficamos amigos e descobrimos que temos o mapa astral super parecido. Isso quer dizer, eu conheço exatamente tudo que afeta Johny visualmente e na sua performance, como uma boa bixa leonina cria de Madonna, tal qual eu. Como eu gosto de antagonismos, misturei as referências brega e folclóricas do álbum com a estética mais fashion e punk.

H: Você também fez a arte de seu mais recente álbum, “Coração”. Quais as inspirações que você teve para cria-la?

AN: A ideia era transparecer uma “volta por cima”, sucedendo o début “Vou Fazer uma Macumba pra te Amarrar”, que aborda assuntos densos e amargurados. “Coração” já é uma celebração, na qual Johnny reúne os cacos de seu coração despedaçado no álbum anterior e junta tudo numa jóia reluzente, dentro de um mar claro e em clima tropical. Nossas inspirações vieram de um revival 80s, misturando Fafá de Belém David Bowie com Garota do “Fantástico”.

H: Como foi trabalhar com Ekena?

AN: Ekena é uma pessoa maravilhosa, doce, linda, talentosa. Quando a conheci com a sua banda, fizemos um ensaio fotográfico pra identidade visual do seu álbum novo, “Nó”. Foi uma sincronia linda e decidimos trabalhar juntos também no clipe de “Bem-te-vi”, que assinei a maquiagem e colaborei com a direção de arte. Tínhamos criado várias imagens potentes já com a banda e com duas bailarinas que encenavam um casal. Daí decidimos que podia ter uma figura dramática dançando entre as estátuas, e essa figura era a Alma (risos).


H: Existe alguma pergunta que nunca te fizeram mas que você sempre quis responder?

AN: “-Você gostaria de contribuir com a Björk no seu próximo álbum? Maquiagem, direção de arte de algum clipe ou performance, algo assim?

-Sim, eu gostaria. “