Estreou em janeiro deste ano, no Festival de Sundance, o documentário Little Richard: I Am Everything. Dirigido por Lisa Cortés, o filme explora a trajetória do artista morto em 2020 que, com seu estilo extravagante e presença de palco incomparável, quebrou as barreiras do rock’n’roll nos Estados Unidos ao longo da década de 1950, estourando em faixas como “Tutti Frutti”, “Slippin’ and Slidin” e “Long Tall Sally”.
Para a diretora, não apenas a carreira musical do astro foi importante de ser relembrada e analisada no longa, como também sua complexidade, que ressoa até hoje através da persona queer que assumia dentro e fora do palco.
Little Richard nasceu Richard Wayne Penniman, no dia 5 de dezembro de 1932, em Macon, no estado da Geórgia. Filho de pais religiosos, ele começou a tocar piano e a cantar no coral da igreja desde pequeno. Por conta de sua baixa estatura e trejeitos tidos como “afeminados” por muitos, era chamado de Lil’ Richard pelos familiares.
Aos 15 anos, seu pai o expulsou de casa por identificá-lo como gay. Neste mesmo período, Rosetta Tharpe, considerada como a criadora do rock, o convidou para cantar após um de seus shows no auditório da cidade de Macon. Como mais tarde o astro explicou em sua biografia The Life and Times of Little Richard, ela foi a responsável por fazê-lo querer se tornar um cantor.
Inspirado pela postura e estilo de figuras como Roy Brown e Billy Wright, Richard decidiu, oficialmente, se tornar um cantor de rhythm e blues, trajando seu característico bigode, maquiagem facial e roupas extravagantes.
Após a morte de seu pai, em 1952, ele participou de outras bandas e garantiu contratos com gravadoras. Em 1955, na Specialty Records, conseguiu trabalhar com o produtor Robert “Bumps” Blackwell e, em novembro, lançou o single “Tutti Frutti”.
A canção se tornou um hit instantâneo nos Estados Unidos e no Reino Unido, abrindo a base para a batida de músicas do gênero. Em seguida, vieram “Long Tall Sally”, “Keep A-Knockin'” e “Good Golly, Miss Molly”, todas com letras sugestivas que vez ou outra faziam alusão a uma sexualidade mais fluida do que a oficialmente anunciada pelo artista.
Em 1957, durante o auge de sua fama, Little Richard anunciou durante um show na Austrália que abandonaria o rock para estudar teologia. Um ano depois, formou a Little Richard Evangelistic Team e viajou pelos EUA para pregar o evangelho. Em 11 de julho de 1959, ele se casou com Ernestine Harvin – com quem viria a ter um filho pouco antes de se separar – e, em 1962, lançou o álbum King of the Gospel Singers.
Porém, o abandono da música popular não duraria muito tempo. Em 1964, o artista lançou o disco Little Richard Is Back, que marcava seu retorno aos grandes palcos, mesmo que à época não estivesse sendo bem promovido pelas estações de rádio devido ao sucesso estrondoso da Beatlemania e de outras gravadoras, como a Motown e a Stax Records.
Durante os anos 1970, o artista continuou o vai-e-vem entre seu lado religioso e mundano, além de enfrentar problemas com as drogas. Nesta fase, Little Richard também chegou a denunciar e condenar sua própria homossexualidade. “Se Deus pode salvar um homossexual velho como eu, ele pode salvar qualquer um”, disse certa vez.
Em entrevista a David Letterman, uma década depois, Little Richard deu uma declaração polêmica e baseada em seu lado religioso: “Deus me deu a vitória. Não sou gay agora, mas, você sabe, fui gay toda a minha vida. Acredito que fui um dos primeiros gays a surgirem. Mas Deus me fez saber que fez Adão ficar com Eva, não Steve. Então, eu entreguei meu coração a Cristo”.
Little Richard morreu aos 87 anos, em decorrência das complicações de um câncer ósseo que enfrentava. Foi homenageado por outros astros do rock, como Mick Jagger, Paul McCartney, Bob Dylan e Elton John, além do cineasta John Waters, responsável por uma filmografia disruptiva dentro das temáticas LGBTQIA+.
As falas de Richard sobre a própria sexualidade ao longo de sua extensiva carreira refletem a complexidade de sua relação com o lado religioso, firmado desde a infância. Ora denunciava, ora abraçava a si mesmo. Independente disso, seu estilo e legado na música, como uma figura que abraçava diversas performances de gênero numa época de conformidade, são relembradas até hoje e celebradas por muitos.
“Nós vivemos num período em que pessoas trans e queer estão sendo criminalizadas de forma que não deveriam. E este filme é um testamento ao poder de um homem dessa comunidade”, disse Lisa Cortés, diretora do documentário.
Little Richard: I Am Everything ainda não tem data de estreia no Brasil. Assista ao trailer abaixo: