Aos 86 anos, o Papa Francisco já promoveu um avanço histórico de aceitação da Igreja Católica sobre pessoas LGBTQIA+. Apenas nos últimos mêss, ele recebeu um grupo de trabalhadores sexuais e transexuais para um jantar no Vaticano, afirmou que a população transgênero pode ser batizada e testemunhar casamentos católicos e ainda deu um raro sinal de aceitação aos casais homoafetivos.
Enquanto as vontades e acenos do argentino Jorge Bergoglio ainda estão longe de compensar séculos de perseguição ou significar algum avanço institucional do Catolicismo sobre a diversidade sexual, pelo menos por ora, é inegável como este Papa tem se esforçado mais que os anteriores para aproximar a comunidade LGBTQIA+ da católica, mesmo que caia em contradições.
Abaixo, relembre dez posicionamentos do Papa Francisco sobre pessoas LGBTQIA+ nos últimos anos e tire suas próprias conclusões.
Encontro com Juan Carlos Cruz (maio de 2018)
O Papa Francisco fez história quando recebeu Juan Carlos Cruz, um chileno transexual que foi abusado sexualmente durante anos por padres católicos. Na ocasião, ele disse: “Você precisa ser feliz com quem é. Deus o fez assim e o ama assim, e o Papa o ama assim”.
Dita em contexto privado, a frase foi vista como avanço histórico para a visão da Igreja Católica sobre a comunidade LGBTQIA+. Segundo Juan Carlos, o pontífice também pediu perdão “em nome do Papa e da Igreja e por ter causado tanta dor nos últimos meses”.
“Masculino e feminino foram criados por Ele” (junho de 2019)
Em junho de 2019, o Vaticano afirmou que “ideias como ‘intersexual’ ou ‘transgênero’ indicam uma ideia ambígua de masculino ou feminino” e que a liberdade de gênero “aniquila as noções da natureza”. A declaração foi dada através de um documento assinado pela Congregação para a Educação Católica, que guia todas as instituições educacionais do catolicismo e que segundo especialistas “reflete os ideais do Papa”.
Intitulado Masculino e feminino foram criados por Ele, o documento de 31 páginas também defende ideias como a definição biológica como única para “o que constitui masculino ou feminino” e que médicos intervenham em pacientes intersexuais, mesmo contra a vontade dos responsáveis. “Essa oscilação entre masculino e feminino se torna, no fim do dia, apenas uma demonstração ‘provocativa’ contra as assim chamadas ‘estruturas tradicionais'”, afirmou a Congregação.
Ajuda a brasileiras trans na quarentena do coronavírus (abril de 2020)
Durante um dos períodos mais rigorosos do isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus em Roma, o Papa chamou atenção da mídia local por ter ajudado um grupo de transexuais brasileiras e trabalhadoras sexuais. Sem clientes desde que as estradas foram fechadas, elas buscaram ajuda com um padre local, que entrou em contato com o cardeal Konrad Krajewski, responsável pelos trabalhos de caridade e doações do Vaticano e conhecido como o “Robin Hood do Papa“.
“Como eram quase todos brasileiros, colombianos e argentinos, sugeri que enviassem uma mensagem ao Papa. Eles enviaram e eu entreguei ao cardeal Krajewski, que conheço há algum tempo. Obviamente, avisei-o dizendo que eram pequenas cartas protocolares, em espanhol, assinadas com pequenos corações. A Esmolaria Apostólica apareceu alguns dias depois com a ajuda do Papa Francisco, que apreciou a mensagem”, contou Dom Andrea Conocchia, o padre responsável por receber o grupo na região litorânea de Torvaianica.
“São filhos de Deus” (outubro de 2020)
“As pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família, são filhos de Deus, possuem direito a uma família”, declarou o Papa Francisco durante entrevista a um documentário exibido no Festival de Cinema de Roma. No filme dirigido por por Evgeny Afineevsky, o pontífice faz a afirmação enquanto defende que os casais homoafetivos têm direito ao reconhecimento da união na esfera cível.
“Não se pode expulsar ninguém de uma família, nem tornar sua vida impossível por isso. O que temos que fazer é uma lei de convivência civil, eles têm direito a estarem legalmente protegidos. Eu defendi isso”, explica.
Papa Francisco: “Deus não abençoa o pecado” (março de 2021)
Menos de um ano após o Papa ter defendido a união civil entre casais homoafetivos, o Vaticano anunciou que a Igreja Católica não pode conceder a bênção a esses mesmos casais, uma vez que Deus “não abençoa o pecado“.
O decreto tem autoria da Congregação pela Doutrina da Fé, escritório ortodoxo da Igreja, e assinado pelo Papa Francisco, em resposta à dúvida de um clérigo que pediu autorização para celebrar uniões de casais do mesmo sexo.
Papa Francisco: “Apoiem seus filhos se eles forem gays” (janeiro de 2022)
“Apoiem seus filhos se eles forem gays”, disse o Papa Francisco durante uma audiência semanal no Vaticano, na qual falou sobre as dificuldades de criar uma família. A reunião também discutiu temas como “pais que veem orientações sexuais diferentes em seus filhos e como lidar com isso, como acompanhar seus filhos e não se esconder por trás de uma atitude de discriminação”.
À época, as declarações do pontífice foram feitas na esteira de acusações sobre seu antecessor, papa Bento XVI, ter acobertado crimes de pedofilia na Igreja Católica, quando ainda era arcebispo na Alemanha.
“Deus nos ama como somos” (julho de 2023)
Durante sua participação em um podcast, o Papa Francisco acolheu uma mulher transexual católica que se disse “dividida pela dicotomia entre a fé [católica] e a identidade transgênero”. “Deus nos ama como somos“, respondeu o pontífice.
“O Senhor sempre caminha conosco… Mesmo que sejamos pecadores, Ele se aproxima para nos ajudar. O Senhor nos ama como somos, este é o amor louco de Deus”. O papa também disse a famosa frase “quem sou eu para julgar” ao responder uma pergunta específica sobre homossexuais.
“Não podemos ser juízes” (outubro de 2023)
Dois anos depois de dizer que “Deus não abençoa o pecado”, o Papa Francisco deixou aberta a possibilidade de abençoar casais homoafetivos, considerando o que chamou de uma “caridade pastoral” para aqueles que solicitarem a bênção. “Não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam e excluem”, disse Jorge Bergoglio.
“Quando se pede uma bênção, expressa-se um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para viver melhor”, acrescentou. A declaração foi feita em resposta a cinco cardeais conservadores na “dubia”, uma espécie de canal de dúvidas em que o pontífice recebe perguntas sobre temas variados.
Batismo de pessoas trans (novembro de 2023)
No último dia 8, o Vaticano emitiu uma orientação de que pessoas trans podem ser batizadas e se tornarem padrinhos ou madrinhas e testemunhar casamentos realizados pela Igreja Católica, desde que isso não gere “situações em que haja risco de gerar escândalo público ou desorientação entre os fiéis”.
A declaração foi sancionada pelo Papa e faz parte do Dicastério para a Doutrina da Fé e foi emitida em resposta a uma pergunta feita pelo padre brasileiro José Negri, de Santo Amaro, que enviou em julho questionamentos sobre o tema. Apesar de não especificar exatamente o que seria um escândalo, a orientação mantém a ênfase maior de que pessoas trans ou seus familiares precisam seguir publicamente a fé católica para receber essas bençãos.
Jantar com mulheres trans (novembro de 2023)
No domingo do último dia 19, o Papa recebeu 1.200 pessoas para um jantar (com caneloni recheado com ricota e espinafre, almôndegas e tiramisú no cardápio) em celebração ao Dia Mundial dos Pobres. Entre elas, estava o grupo de mulheres transexuais da região litorânea de Torvaianica, o mesmo que ele ajudou durante a quarentena do coronavírus.
“Nós, pessoas trans, nos sentimos um pouco mais humanas, porque o papa Francisco nos levar para perto da Igreja é uma atitude linda”, disse Carla Segovia, uma trabalhadora sexual argentina que participou do evento, em entrevista à Associated Press. “Porque precisamos de um pouco de amor.”
Bênção a casais homoafetivos (dezembro de 2023)
O Papa Francisco assinou um documento doutrinário do Vaticano permitindo que padres católicos romanos possam administrar bênçãos a casais homoafetivos. A informação foi divulgada pela própria sede da Igreja Católica, segundo a qual as pessoas que procuram o amor de Deus não devem ser sujeitas a “uma análise moral exaustiva”.
De acordo com o documento, que reverteu uma decisão de 2021, as bênçãos não devem fazer parte de rituais ou liturgias regulares, nem legitimam situações irregulares. “Em última análise, uma bênção oferece às pessoas um meio de aumentar a sua confiança em Deus”, diz o texto, frisando também que elas são “um sinal de que Deus acolhe a todos”.
Defesa do “acolhimento” em autobiografia (março de 2024)
Em sua primeira autobiografia, Life: My Story Through History (Vida: Minha História Através da História, em tradução livre), o pontífice fez um novo aceno à comunidade LGBTQIA+, reafirmando seu desejo de uma Igreja Católica “que abrace e acolha todos”.
“Penso nas pessoas homossexuais ou transexuais que procuram o Senhor e que, em vez disso, foram rejeitadas e afastadas”, diz Francisco. “Jesus andava ao encontro das pessoas que viviam à margem e é isso que a Igreja deve fazer hoje com as pessoas da comunidade LGBTQ+”, acrescentou.
Crítica às cirurgias de readequação de gênero (abril de 2024)
Em 8 de abril, o Vaticano emitiu um novo documento (sim, mais um), dessa vez dizendo que as cirurgias de readequação de gênero e gestação de substituição são “graves violações da dignidade humana”, equiparando os tratamentos à eutanásia e ao aborto.
Batizado “Dignidade Infinita”, o documento de 20 páginas foi formulado ao longo dos últimos cinco anos e aprovado em 25 de março pelo Papa Francisco, que ordenou a sua publicação. Nele, a Igreja Católica também condena a “teoria de gênero” e diz que Deus criou o homem e a mulher separadamente, com biologicas diferentes.
Homofobia a portas fechadas (maio e junho de 2024)
Em 20 de maio de 2024, o Vaticano pediu desculpas depois de o papa ter usado um termo homofóbico durante uma reunião com bispos. O episódio ocorreu durante um encontro fechado com os clérigos, em que o pontífice afirmou que os seminários estão cheios de “frociaggine”, termo em italiano que equivale a “viadagem” ou “cheio de bichas”.
Apenas semanas depois, ele teria repetido o uso de expressões homofóbicas em outra ocasião privada. De acordo com a ANSA, Francisco repetiu o termo “frociaggine” ao se encontrar com padres romanos, dizendo que “há um ar de bicha no Vaticano” e que era melhor que jovens com tendência homossexual não fossem autorizados a entrar no seminário.
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