Carioca da gema, Leo Justi tem caminhado na música praticamente desde seu nascimento. Filho de um oboísta e uma pianista, cresceu ouvindo jazz e bossa nova, aos 8 aprendeu a tocar violino, formou algumas bandas de rock na adolescência e, em 2009, caiu de cabeça na interseção entre funk e música eletrônica, onde permanece até hoje como um dos principais produtores do gênero no Brasil.

Com faixas assinadas para M.I.A. (“A.M.P.”, do disco “AIM”, e um remix oficial de “Bad Girls”), MC Carol e Emicida, dentre outros, Leo também é responsável pelo Heavy Baile, uma das maiores e melhores festas e coletivos musicais do Rio. O grupo, formado ainda por MC Tchelinho e DJ Thai, acaba de lançar“Berro”, uma parceria com Lia Clark e Tati Quebra Barraco que já promete ser uma das trilhas sonoras do verão 2018

Com letra pegajosa, engajada e divertida, além da batida viciante já conhecida pelos fãs do Heavy Baile, “Berro” teve clipe gravado na Cidade de Deus, com direito a festa na laje, piscina de plástico, bons drinks e figurino bafônico. Com quase meio milhão de visualizações, o vídeo foi marcado como impróprio para menos de 18 anos pelo Youtube, mesmo sem conter a tal “linguagem de baixo calão” ou qualquer cena de nudez.

Abaixo, Leo comenta sobre essa censura da plataforma de vídeos, a ideia de juntar Tati e Lia na mesma música, o engajamento social do funk, o que tem ouvido e seus próximos planos tanto com o Heavy Baile como em sua carreira solo. Se liga:

Híbrida: De onde veio a ideia de unir Lia Clark com Tati Quebra Barraco na mesma música?

Leo Justi: Veio exatamente da complementaridade da luta e da trajetória de ambas, encaixadas na história do funk. Enquanto uma é um ícone clássico, a outra é uma novidade, então esses fatores complementares criaram um combo que tem tudo a ver.

H: Apesar de ter começado misturando funk com eletrônica, você também já teve trabalhos no hip hop, com Emicida e Karol Conká, e até ajudou a compor uma música da Mahmundi. Sente vontade de expandir ainda mais os gêneros com que trabalha? Ou essas colaborações foram mais pontuais?

LJ: Eu tenho vontade sim de expandir e fazer mais coisas, mas para isso acontecer é preciso foco. No momento, estou focado nesse som do funk e do Heavy Bail, apesar de escutar muitas outras coisas, como jazz e bossa nova.

DJ Thai, Tati Quebra Barraco, MC Tchelinho, Lia Clark e Leo Justi no clipe de “Berro”, gravado na Cidade de Deus (Foto: Vincent Rosenblatt | Divulgação)

H: Por sinal, como você vê o diálogo entre o funk e o hip hop, tanto na sonoridade quanto no tema? Acha que eles têm mais em comum do que o público geral costuma perceber ou são dois universos diferentes?

LJ: O funk e o rap têm muito mais em comum do que de diferente. Cada um tem seu público específico, mas enquanto os estilos vão alcançando o mainstream, mais as barreiras vãos caindo e as essências ficam mais raras. Hoje, o rap e o funk são aceitos por vários tipos de gente, mas ao mesmo tempo você vê muitos artistas pasteurizados. Quando você expande um gênero, acaba perdendo coisas boas nessa expansão

H: O funk, como expressão cultural das favelas, sempre foi visto com maus olhos por grande parte dos brasileiros. Você acha que hoje ele é mais aceito do que quando você começou como produtor?

LJ: Não sei dizer. Decidi focar meu trabalho como produtor na mistura do funk por ser um ritmo que tem muita aceitação no Rio de Janeiro. Desde que comecei, o gênero sempre foi muito aceito no Rio, e sinto que isso cresceu bastante no Brasil, principalmente em outros lugares.

Thai, Leo Justi e MC Tchelinho, os integrantes do Heavy Baile durante a gravação de “Berro” (Foto: Vincent Rosenblatt | Divulgação)

H: Por outro lado, o próprio conteúdo dos funks hoje em dia tem mudado. Algumas artistas como Valesca, Carol e até a própria Tati têm lançado materiais mais socialmente engajados, seja na questão feminista ou na militância política geral. No seu contato com o gênero, o que você acredita que impulsionou essa nova onda?

LJ: Na verdade, o funk nos anos 1990 também tinha muitas letras sociais fortes. Acho até complicado afirmar que essa onda “voltou”, porque o maior volume da produção de funk é nessa coisa hedonista mesmo. Não diria que isso é uma tendência, mas um movimento paralelo de crescimento da militância e das minorias. Isso tem entrado mais na música, mas nem tanto assim no funk. O movimento ainda é muito orientado pelo mercado: fazer mais shows e mais dinheiro. Essas pessoas militantes têm entrado aos poucos, como a própria Lia Clark e a Linn da Quebrada, que já vem de maneira mais forte e agressiva em relação à militância.

H: O clipe de “Berro” está marcado como impróprio para menores de 18 anos no Youtube. Nas redes sociais, muitos fãs têm especulado que isso é um preconceito com a figura de Lia, uma vez que a música não tem palavrão e nem o vídeo tem nada explícito. Vocês chegaram a conversar entre si ou com a própria plataforma para entender o por quê disso?

LJ: A Alta Fonte, responsável pela nossa distribuição, está em contato com a plataforma tentando entender por quê isso foi feito. Por que outros vídeos com conteúdo mais provocante e sexualizado do que esse são permitidos e o nosso clipe foi restringido? Eu já tive um exemplo disso com “Gueto”, uma música do Emicida com MC Guimê que produzi e o Youtube barrou por 10 dias, na época, enquanto os fãs subiram outras versões não-oficiais no site. Tem ideia de quantas visualizações a gente não perdeu nesse período? Essa política é algo que não faz o menor sentido, e eu tô bem puto.

Lia Clark, um dos novos nomes do funk brasileiro, durante a gravação do clipe de “Berro” (Foto: Vincent Rosenblatt | Divulgação)

H: De forma geral, o que você tem ouvido que te inspira na produção ou tem atiçado seu ouvido? Pode ser artista, batida, festas ou um outro produtor…

LJ: Poucos artistas têm chamado a minha atenção hoje em dia a ponto de me inspirarem. Isso é raro. A última assim foi a SZA. Ouvi o álbum dela, “CTRL”, e achei um disco foda com conceito foda. Já de produtor, é o Pep., que tem um trabalho bem foda com o trap. Mas algo que me inspira sempre é o funk da favela, que tem uma qualidade meio aleatória, por acidente assim. Eu ouço quase tudo, mas acho 90% uma merda. Os outros 10% eu me apaixono.

H: Quais são seus próximos planos com o Heavy Baile e como produtor solo?

LJ: Os próximos planos para o Heavy Baile é continuar esse processo do álbum – com mais clipes e singles -, tentar ampliar o trabalho para que mais pessoas conheçam e manter as festas. No projeto solo, estou tentando arranjar tempo para continuar. Eu já tenho algum material com bastante coisa inédita, mas ainda estou pensando em como e quando lançar. Mas essa distinção tem ficado muito mais clara: o que é o meu som e o que é o som do Heavy Baile.

H: E como é essa distinção, afinal?

LJ: O trabalho com o Heavy Baile é uma média de várias opiniões de pessoas da minha confiança, como o Tchelinho e o Thai. É algo bem focado em um público mais abrangente, enquanto o meu trabalho solo é mais pessoal e partindo do meu ponto de vista, sem me preocupar com o que vai funcionar ou não. Pretendo botar algumas participações, inclusive não só de artistas do funk. No momento, o que mais tenho são batidas puras e instrumentais.

Leo Justi e MC Tchelinho na Cidade de Deus, durante gravação de “Berro” (Foto: Vincent Rosenblat | Divulgação)