A festa da música brasileira. Não poderia haver slogan melhor para o Doce Maravilha, festival que estreou neste fim de semana, com mais de 20 artistas nacionais se apresentando em dois palcos na Marina da Glória, um dos maiores cartões-postais do Rio de Janeiro.

O Doce Maravilha tem curadoria do jornalista Nelson Motta, que montou uma lineup com nomes de peso da cultura brasileira do passado, presente e futuro. Por isso mesmo, ele define o festival como uma “experiência singular”.

“Quando nós pensamos o Doce Maravilha, pensamos no encontro de diferentes gerações, estilos e musicalidades. Unidos pelo talento e pela diversidade. E também na representação de discos históricos da música brasileira. Tudo num cenário maravilhoso, num cartão postal do Rio Maravilha. Um Doce encontro com o melhor da música brasileira”, disse.

Abaixo, veja como foi o primeiro dia do Doce Maravilha, que teve shows de Maria Gadú, Anavitória + Samuel Rosa, Adriana Calcanhotto + Rodrigo Amarante, Emicida + Maria Rita, Margareth Menezes + Luedji Luna e Gilberto Gil + BaianaSystem fechando a noite.

Maria Gadú faz homenagem a Rita Lee 

A ventania forte que atingiu o Rio neste sábado atrasou o show de Maria Gadú em mais de uma hora. Quando a cantora finalmente subiu ao palco da Marina da Glória, o seu primeiro ato foi em homenagem a Rita Lee, que morreu em maio.

“Boa noite, gente! Era pra ser boa tarde e virou um boa noite. Que bom que o vento parou!”, brincou Gadú no início do show. “Eu tô tão feliz de estar de volta e compartilhar com vocês essa atividade que eu amo tanto, que é a música. Queria agradecer a todos, todas e todes do festival que me fizeram esse convite.”

A música escolhida por Gadú para o mini-tributo foi “Coisas da Vida”,  presente no Entradas e Bandeiras, álbum lançado em 1976 e ainda durante o período em que a Rainha do Rock se apresentava com a banda Tutti Frutti. A canção, que já tinha ganhado uma “segunda vida” quando apareceu no Acústico MTV de Rita, em 1998, foi apresentada acapella no Palco Amstel do Doce Maravilha. Assista a um trecho abaixo:

Na sequência, Gadú emendou sua versão de “Um Móbile no Furacão”,  originalmente de Paulinho Moska, mas relançada por ela em seu último álbum, Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor (2021). O público que esperou pela cantora viu ainda uma artista dedicada nos vocais ao longo de todo o set, cantando junto alguns de seus maiores sucessos, como “Dona Cila”, “Shimbalaiê” e “Bela Flor”.

“A gente ocmeça esse show fazendo algumas reverências à inesquecível, inesgotável, inventora, capacitadora de mundos, Rita Lee!”, disse Gadú, que também dedicou a apresentação com “uma reverência à nossa floresta, aos nossos biomas brasileiro e sobretudo, e sempre acima, os povos indígenas brasileiros”.

Anavitória + Samuel Rosa 

A dupla Anavitoria é queridinha da nova geração e atraiu um grande público ao Palco Amstel, além de também lotar a área VIP com rostos conhecidos, como Ícaro Silva, Sophie Charlotte, Manu Gavassi e Bruno Rocha.

Os principais sucessos de Vitória Falcão e Ana Caetano estiveram na setlist, como “Trevo”, “Partilhar”, “Ai, Amor” e “Agora Eu Quero Ir”. Quando Samuel Rosa entrou no palco para o ato final do show, foi a cereja do bolo para quem estava na Marina da Glória.

O líder do Skank, que entrou em hiato no último ano, rasgou elogios à dupla e contribuiu com sucessos da banda como “Ainda Gosto Dela”, “Vou Deixar” e “Amores Imperfeitos”, esta última que já havia sido oficialmente regravada pela dupla em 2017.

Adriana Calcanhotto + Rodrigo Amarante

Rodrigo Amarante abriu seu show acompanhado apenas de seu violão em uma versão intimista de “Evaporar”, um dos primeiros lançamentos de sua carreira solo pós-Los Hermanos e ainda sob o grupo Little Joy, em 2008.  O público ouviu em silêncio, admirando a delicadeza da performance.

Logo depois, Amarante emendou “Tuyo”, música em espanhol gravada especialmente para os créditos de abertura da série Narcos (Netflix) e responsável por alçar o nome do artista para patamares ainda mais altos no cenário internacional. Logo depois da dobradinha, a presença estonteante de Adriana Calcanhotto subiu ao palco.

O primeiro dueto foi em “Lovely”, faixa do disco mais recente de Calcanhotto, Errante, lançado em março deste ano. Na sequência, ela cantou sozinha o xote “Pra lhe dizer”, do mesmo álbum, enquanto Amarante ficou tocando triângulo e bateria no fundo do palco.

A dupla retomou a parceria vocal para “Esquadros”, clássico do repertório de Calcanhotto presente no disco Senhas, de 1992, e seguiu assim para “Mais feliz”, também do seu repertório, e “Sem Compromisso”, de Chico Buarque.

Adriana Calcanhotto e Rodrigo Amarante fizeram show focado no repertório da cantora durante o 1º dia do festival Doce Maravilha (Foto: Reprodução | Youtube Bonus Track)
Adriana Calcanhotto e Rodrigo Amarante fizeram show focado no repertório da cantora durante o 1º dia do festival Doce Maravilha (Foto: Reprodução | Youtube Bonus Track)

“Especialmente para esta cidade. Especialmente para o meu colega de palco”, anunciou Calcanhotto antes de cantar um de seus maiores sucessos, “Cariocas”, com toda a ironia que versos como “cariocas não gostam de dias nublados” carregam especialmente no dia de hoje.

Daí em diante, a dupla destilou as pedradas do catálogo de Calcanhotto, emendando clássicos como “Esquadros”, “Maresia” e “Vambora”, que fechou a apresentação com um coro de apoio do público.

Emicida + Maria Rita

Quando Emicida subiu ao palco de camisa amarela e um galho de arruda na orelha, já era esperado um dos grandes shows da noite. E o artista não decepcionou. Colecionador de hits, ele deu destaque no repertório ao seu último trabalho, Amarelo (2019), mas sem esquecer as antigas.

“Obrigado por ser a minha segunda casa, Rio de Janeiro”, disse o paulista logo no início da apresentação, arrancando gritos empolgados da plateia. No primeiro ato, a mistura de rap com samba em músicas como “Quem tem um amigo tem tudo”, “Pequenas alegrias da vida adulta” e “Baiana” criaram o clima perfeito para a recepção da convidada, Maria Rita.

“Nos últimos anos tenho uma amiga, que agora é uma amiga, irmãzona, que a música deu pra nós e foi se tornando mais próxima, mais próxima”, disse Emicida, antes de receber Maria Rita com um abraço apertado. A colaboração começou com um dueto de “Corpitcho”, sucesso lançado por ela em 2007.

Maria Rita e Emicida em show apoteótico no primeiro dia do festival Doce Maravilha (Foto: Reprodução | Youtube Bonus Track)
Maria Rita e Emicida em show apoteótico no primeiro dia do festival Doce Maravilha (Foto: Reprodução | Youtube Bonus Track)

Juntos, eles homenagearam o mestre João Donato, morto no último dia 17, com o clássico “Emoriô”, composição em parceria com Gilberto Gil lançada no disco Lugar Comum, de 1975, e que fez os vocais de Maria Rita ecoarem quase religiosos pela Marina da Glória.

Mas o melhor ficou para o final. Antes de se despedir, Maria Rita emocionou a plateia com uma apresentação sozinha de “O Bêbado e a Equilibrista”, um verdadeiro hino da música popular brasileira que ficou eternizado na voz de sua mãe, Elis Regina. “É a hora que nós chora agora, hein”, anunciou Emicida.

Em seguida, a dupla continou a balançar o coração do público com um dueto de “Hoje Cedo”, lançada originalmente por Emicida com Pitty. Depois, novamente sozinho no palco exceto pela banda afinada, o rapper paulista cantou “Amarelo”, que teve um coro só da plateia no refrão, emendou “Ismália” e finalizou o show com “Principia”.

Luedji Luna + Margareth Menezes

Quando Margareth Menezes e Luedji Luna entraram juntas no palco cantando “Cordeiro de Nanã”, imediatamente deu para perceber que as duas formam a dupla perfeita para o Doce Maravilha.

“Minha gente, essa é uma noite extremamente simbólica, onde a gente celebra as vozes das mulheres negras desse país. Onde a gente mergulha nessa águas profundas, que é fundamento pra essa cultura brasileira”, disse Luedji, referindo-se a Margareth e admitindo estar “muito emocionada” com a participação da ministra no show.

Brilhando mais do que seus próprios looks cheios de paetê, cada artista teve seu momento solo no palco. Para Luedji, o momento principal da apresentação veio quando ela cantou seu hit mais conhecido, “Banho de Folhas”, do seu primeiro disco, Um corpo no mundo.

Já Margareth soltou os vocais com “Passe em Casa”, composição que divide com Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown e que se tornou sucesso na voz d’Os Tribalistas. Outro ponto alto e que obviamente não poderia faltar foi o momento apoteótico de “Faraó (Divindade do Egito)”.

Todas as vezes que o ícone da música brasileira interagia com o público, o coro de “ministra” era uníssono. “Tenho feito menos shows nesse momento da minha vida e da minha carreira – estamos trabalhando para fazer nossa cultura voar -, e quero agradecer”, disse a ministra da Cultura. “Mas antes de tudo isso, eu sou cantora, artista, venho de lá da Bahia, também venho da periferia, sabe? São 36 anos de carreira ralando pra construir tudo.”

Luedji Luna e Margareth Menezes formaram a dupla perfeita para o Doce Maravilha (Foto: Reprodução | Youtube Bonus Track)
Luedji Luna e Margareth Menezes formaram a dupla perfeita para o Doce Maravilha (Foto: Reprodução | Youtube Bonus Track)

Margareth e Luedji também brilharam juntas com “Me abraça e me beija”, antes de fecharam o palco Farm Mangalab com nada menos que “Dandalunda”, pilar da axé music apresentada com energia e direito a giros e bateção de cabelo da ministra.

Gilberto Gil + BaianaSystem

Já passava de meia-noite quando Gilberto Gil e BaianaSystem subiram ao palco para fechar o primeiro dia de Doce Maravilha. Com o maior público do dia, o projeto GilBaiana prometeu e cumpriu: foi um encontro catártico, mesmo que a parceria entre os dois atos já venha de longa data.

Os sucessos de Gilberto Gil funcionaram quase como orações. “A Novidade”, “Is this love?” e “Nos Barracos da Cidade” pareciam mantras, cantados a plenos pulmões na Marina da Glória.

Líder do BaianaSystem, Russo Passapusso era nitidamente enfeitiçado por Gil. Quando assumiu o protagonismo no palco, entretanto, ele conseguiu elevar a energia a níveis estratosféricos por mérito próprio. Não dava sequer para contar o número de moshes durante as apresentações de “Sulamericano”, “Bola de Cristal” e “Duas Cidades”.

Por fim, o primeiro dia de Doce Maravilha foi sem dúvidas uma noite histórica para todos que presenciaram a estreia do festival.

O Doce Maravilha teve transmissão ao vivo pelo youtube. Assista abaixo:

No domingo, o festival terá ainda shows da Orquestra Imperial homenageando Rita Lee; Caetano Veloso celebrando os 50 anos de Transa com um repertório especialmente dedicado ao disco; Marcelo D2 também comemorando o 30º aniversário do álbum A Procura da Batida Perfeita; e ainda os encontros de João Gomes + Vanessa da Mata; e Liniker + Péricles encerrando o festival no palco Farm Mangolab.

Além dos dois palcos de shows, o Doce Maravilha também tem em ambos os dias a Pista Gabarito, com vários DJs tocando brasilidades, e a Roda de Samba Elo.