Natural de Curitiba, CHAMELEO (lê-se “camilio”, vem de “camaleão”) está há quase quatro anos morando em São Paulo, cidade para a qual se mudou logo após superar um câncer a onde estava determinado a investir todas as suas fichas para “fazer acontecer” sua carreira como artista. Com seu disco de estreia, ECDISE, lançado no final de 2021, ficou claro que ele fez a escolha certa e a mudança valeu a pena.

Com parcerias que vão de Pabllo Vittar e Alice Caymmi a Johnny Hooker, Carol Biazin e Konai, “feats bem distintos uns dos outros”, como o próprio artista explica em entrevista à HÍBRIDA, ECDISE traz uma mistura de gêneros que, no fundo, se tornam todos pop na mão e na voz de CHAMELEO. Há os momentos perfeitos para as pistas de dança (“TOKYO” e “Euforia”), os hoje tão populares quanto intimistas interlúdios (“outrolado”) e baladas extremamente vulneráveis, como “Elemefezassim” e “Querido Eu”, onde o rapaz de 28 anos e batizado Leonardo Fabbri não tem medo de mostrar quem é.

Pelo contrário, essa era exatamente a ideia principal que ele quis passar em seu primeiro disco de estúdio. “Mais do que pensar em números e vender, eu queria contar a minha história e minha essência como artista. Os próximos trabalhos agora vão explorar outros lugares”, conta o artista, que já morou nos Estados Unidos e na Austrália antes de aterrisar na capital paulista.

Com a volta dos shows presenciais, CHAMELEO tem passado em palcos importantes da cena LGBTI+, como o Hopi Pride Festival, e pretende levar seu som ainda para mais longe, depois de ter surgido com seu primeiro single em 2017. ECDISE recebe ainda este ano uma versão deluxe, com uma faixa inédita e remixes como o de “Emoji de Fogo”, que vai ganhar versos adicionais de Danny Bond e nova roupagem pela mão do Cyberkills.

“Eu sou tantas coisas, por que preciso escolher uma só quando preciso falar de música?”, diz CHAMELEO. Abaixo, leia a nossa entrevista completa com o artista que, como o próprio nome sugere, não pestaneja na hora de mudar para se adaptar.

HÍBRIDA: O álbum tem muitas parcerias diferentes entre si. Como foi colaborar com esses nomes? Você foi atrás depois de as músicas estarem prontas ou compuseram juntos?

CHAMELEO: É exatamente essa sensação que eu queria causar, de ‘nunca imaginei essa galera junta’. Eu sou essa pessoa muito plural, não me apego em um gênero musical ou na forma de me vestir. Pra mim, música boa não tem gênero e vai muito de como você se identifica com ela ou com o artista.

Eles foram aparecendo de uma forma super natural. Eu ouvia a música e pensava ‘hum, acho que essa fica legal com feat‘. Johnny Hooker, por exemplo, quando a gente escreveu eu já senti que (“Nhac!”) tinha a cara dele, então mandei direto. Com pouquíssimas exceções, foi nessa história de mãe, tipo ‘o não você já tem’.

H: Por sinal, o último clipe que você lançou foi de “Nhac!”, com o Johnny. Quais foram as inspirações para o vídeo?

C: A gente queria trazer essa estética bem vampiresca e dark, mas ao mesmo tempo pop, de filmes de terror dos anos 1980, com uma pegada mais divertida que a coisa de horror mesmo. O sangue, por exemplo, a gente deixou verde. Eu mesmo trazia muito essa estética quando comecei meu primeiro EP, então pra quem me acompanha desde o começo foi legal ver isso voltando, porque pediam bastante.

H: Você morou um tempo fora do Brasil e em lugares muito diferentes entre si. Como isso influenciou seu som? O disco, apesar de muito eclético, tem uma roupagem muito pop. Esse tempo lá fora e em São Paulo chegou a influenciar nisso?

C: Nunca consegui parar quieto. O que mais caracteriza minhas músicas hoje é essa vivência de muitos lugares e essa mistura de muitas referências, o que vem de eu ter morado com várias pessoas, de várias etnias e partes do mundo. Eu amo música russa, polonesa, italiana, j-pop… Pra mim, a língua nunca foi uma barreira. Eu sou tantas coisas, por que preciso escolher uma só quando preciso falar de música?

H: Vide seu nome.

C: Total, tá sempre mudando de cor.

H: Na música “Elemefezassim”, você questiona tanto coisas sobre si mesmo, como sua capacidade criativa e sexualidade. Como você tá em relação a essas questões agora? E como era isso antes?

C: Como é meu primeiro álbum, queria fazer pop pra galera dançar, mas também queria contar um pouco da minha história. Acho que essa mescla de faixas dançantes com outras mais down e triste também é pop. “Elemefezassim” é um expurgo desses pensamentos de insegurança e coisas que vão te puxando pra trás. Já quis abrir o disco com ela pra ter esse momento de transformação, e aí vai passando por outros lugares como a faixa ECDISE, um áudio que gravei durante a minha quimioterapia há três anos, quando passei por um câncer.

Isso representa pra mim transformação. Até porque esse período da minha vida foi crucial para o que eu sou hoje como pessoa e artista. Além de trazer questões que passei durante a minha juventude, de não-aceitação, como em “Querido Eu”, que é uma conversa com essa criança lá de trás, que achava errado e por muito tempo engoliu trejeitos e a espontaneidade de ser.

Sou artista independente e tem muito perrengue, mas também tenho a autonomia de escolher o que quero falar

Hoje em dia, eu falo que sempre fui essa pessoa, mas durante um período da minha vida dei uma bloqueada. Então, “Querido Eu” é onde faço as pazes com a minha criança gayzinha lá de trás que tinha outros pensamentos, já estando muito bem resolvido com isso.

Mais do que pensar em números e vender, eu queria contar a minha história e minha essência como artista. Os próximos trabalhos agora vão explorar outros lugares. Até porque eu sou artista independente e tem muito perrengue, né? Mas também tenho a autonomia de escolher o que quero falar e lançar e todos os detalhes que isso envolve.

H: Você falou sobre essa questão de não aceitação. Sua família era muito conservadora?

C: Pior que não. Minha família é da umbanda, então nunca tiveram esses paradigmas. Era mais uma coisa minha mesmo, de aceitar o fato de eu ser gay, enquanto ser ‘afeminado’ foi uma questão por muito tempo. Por conta da sociedade machista que a gente vive – e, infelizmente, dentro da nossa comunidade também -, traços femininos ou qualquer sinal de feminilidade ainda causa estranhamento e chega a ser uma barreira, né. Foi nessa questão que eu fiquei preso por muito tempo, tentando engolir os trejeitos.

H: Você disse que a quimio foi um período muito importante. Acha que isso te deu mais coragem de assumir esse lado?

C: É isso, é naquele momento que você descobre. Pra mim, foi como virar uma chavinha. Falei ‘eu tenho certeza que vou sair dessa’, então foram poucos os momentos que realmente fiquei muito mal e triste, porque encarei da melhor forma que consegui no momento. E isso me transformou na versão que eu sou hoje,  o ‘eu dois ponto zero’.

Eu era muito inseguro pra cantar. Depois daquele momento que você se vê frente a frente com a sua saúde, tudo fica muito pequeno. Então, com certeza foi um mega impulso. Eu morava em Curitiba, disse que ia me curar em dezembro e no mês seguinte ia mudar pra São Paulo pra fazer acontecer. Cheguei aqui ainda careca e com outro mindset do que eu encarava a vida antes.

H: Como tem sido agora que os shows estão voltando e você tem conseguido testar as músicas com o público?

C: Então, fazer show pra mim ainda é uma novidade. Quando comecei na música há seis anos, eu lançava mas fazia pouquíssimas apresentações. Agora que estou encontrando a galera e sentindo essa troca de energia pessoalmente. E tá sendo uma loucura! É um mix de váris emoções: com certeza muito feliz e empolgado, mas questões do passado acabam voltando porque você está encarando um público.

H: “Emoji de Fogo” vai ter um remix do Cyberkills, né?

C: Vai! É um dos próximos projetos. Já é uma música que eu visava como single, mas queria trazer uma coisa especial. O remix vai trazer o Cyberkills e a participação super especial da Danny Bond, que é uma amiga e artista incrível. A música já é animada, agora a versão remix é cinco vezes mais. Eu admiro demais a Danny, todos os lugares que ela está conquistando sendo uma mulher trans e travesti. Ter ela comigo nesse momento é muito especial.

H: Eu amei a música, achei uma grande sacada porque realmente é o “flerte da geração”.

C: Exatamente, todo mundo sabe o que significa mandar um emoji de fogo.

H: Você manda emoji de fogo, normalmente?

C: Meu deus, sento o dedo no botão. Às vezes humilhada? Muitas vezes, mas continuo mandando.

H: Quem nunca, né?

C: (Risos)

H: Bom, última pergunta e voltando um pouco para a parte do “Querido Eu”, quando você se pergunta se o seu eu criança estaria orgulhoso de quem você é hoje. Qual você acha que seria a resposta?

C: Com certeza. Até eu estou muito orgulhoso do lugar que estou chegando e das coisas que estou provando pra mim mesmo que consigo. Como disse, eu era muito inseguro e estar em cima de um palco não era algo que clicava na minha mente. Esses anos que passei de bloqueio e negação foram muito fortes e pesados. De estar conseguindo me expressar hoje, fazendo o que sonhei e imaginei desde criança, com certeza a minha criança teria orgulho da forma como eu também tenho hoje.