Existe uma simbologia por trás do número “3” que o associa ao “equilíbrio sagrado” por representar os três lados de um triângulo, uma união perfeita onde todos os lados têm a mesma medida, peso e importância. Até agora, é essa exata sincronia e sintonia que Leyllah Diva Black, Reddy Allor e Diego Martins encontraram e mantêm com o trio PITAYAS, no qual foram agrupadas ao vencerem o reality show brasileiro Queen Stars, exibido pela HBO Max.

O trio foi peneirado entre outras 16 drag queens de todo o Brasil que, ao longo de oito episódios, aprenderam técnicas de canto, dança e performance para se apresentarem no palco do Queen Stars e conquistarem os jurados: Tiago Abravanel, Vanessa da Mata e Diego Timbó. Além da coroa, elas ganharam R$ 100 mil e um contrato com a Universal Music para o lançamento do primeiro EP das PITAYAS, que leva o nome do grupo.

Fundir artistas selecionados através de uma competição e transformá-los em um único ato musical de pop é aposta arriscada, mas pode e costuma render bons frutos. Um término ou hiato pode vir envolvido em caos, como entre as Pussycat Dolls e as meninas do Fifth Harmony, ou até de forma amigável e mútua, vide a recém-anunciada pausa do Little Mix. Mas se existe boa vontade e esforço das participantes, a jornada normalmente vale a pena.

Esse parece ser o caminho já escolhido pelas PITAYAS, liderado por três drag queens que, em teoria, não fariam sentido algum juntas na mesma música: Reddy Allor tem os dois pés no sertanejo e já fez até uma dupla com o irmão; Diego Martins vem do teatro musical com uma bagagem sonora de música pop; enquanto Leyllah é um caleidoscópio vocal da black music, transitando com facilidade do R&B e rap pro samba.

Juntas, elas fazem funcionar as seis músicas do EP de estreia, temperando PITAYAS com um sabor brasileiro que vai do brega funk ao pop radiofônico que tem sido popularizado por drags como Aretuza Lovi, Gloria Groove e Pabllo Vittar, principalmente em “Macetada”, carro-chefe de divulgação do trabalho cujo clipe já alcançou mais de meio milhão de visualizações.

“A Universal Music está atenta aos talentos que surgem nos mais diversos formatos. O audiovisual de entretenimento e particularmente os reality shows têm revelado grandes nomes e ótimas surpresas. Estamos muito felizes e cheios de boas expectativas com Queen Stars Brazil e com essa parceria”, diz Paulo Lima, presidente da gravadora por aqui.

Enquanto o reality show apresentado por Pabllo Vittar e Luísa Sonza ainda não confirmou uma segunda temporada, as PITAYAS estão prontas para colocar os pés e as laces na estrada. Elas participam do show de Grag Queen no Musa Sunset Festival, em 16 de julho, em Brasília, e abaixo conversam com a Híbrida sobre as inspirações, desejos e sonhos que têm para os próximos passos na carreira.

HÍBRIDA: Qual foi o maior desafio e o maior aprendizado que vocês tiveram na competição?

REDDY ALLOR: O meu maior desafio dentro do reality foi me desprender das minhas inseguranças e do que eu já era artisticamente. Precisei conhecer novos lugares, me desafiar de verdade em vários âmbitos, principalmente dança, e ir para lugares vocais que até então eu não tava acostumado, porque minha voz era completamente sertaneja. E a comparação, sabe? Parei de me comparar com as outras meninas para poder chegar num lugar em que eu era eu.

DIEGO MARTINS: A minha questão realmente foi essa da comparação. Eu cheguei lá com pouquíssima experiência de drag no mundo real. Eu tinha feito um espetáculo onde vivia uma drag dois anos antes do reality e fiz dois eventos montada até que veio a pandemia. Virei uma “drag de apartamento”, me vestia pra gravar TikTok e embaixo eu tava de chinelo e samba canção. De repente, do meu quarto, eu tava no palco da HBO Max, no Queen Stars, competindo com drags que já faziam isso há muito tempo. Por mais que eu tivesse muita experiência do teatro musical e de ter vivido outros realities, ainda assim eu tava vivendo uma coisa completamente nova: ser uma drag no mundo real. É claro que inseguranças, autoboicote e comparações vinham na minha cabeça o tempo todo.

LEYLLAH DIVA BLACK: As nossas experiências se somam muito. Eu não tinha experiência com TV e não me sentia confortável com câmeras, então isso foi um dos maiores desafios, até porque eu sou uma drag queen de uma outra geração. As meninas já pegaram isso da internet, mas pra mim era um universo novo, onde tive que me moldar para atingir essa galera.

H: Como vocês estão estruturando tempo e espaço para que cada uma mostre o seu ponto forte nas músicas e nos clipes?

LDB: Quando a gente estava no processo de camping, começamos a entender o que sonoramente ficaria legal para cada uma nós dentro da base musical que nos era proposta. Então, essas músicas têm um pouco da essência de cada uma dentro do que achávamos que precisava ter. Tudo foi conversado e chegamos num consenso.

DM: E foi muito natural, foi um processo muito fluido. Esse era o nosso maior medo. Quando ganhamos o reality, falamos ‘beleza, somos um trio agora’. Eu sou uma pessoa completamente pop, com uma drag que canta sertanejo e outra que canta de MPB a R&B a rap. Como a gente ia fazer essa junção? No final das contas, nosso maior desafio virou nosso maior trunfo e o que é o PITAYAS, que é essa miscigenação dos campos musicais.

H: Qual foi a inspiração principal que vocês buscaram pro EP? Eram músicas de balada, pra ouvir em casa, de empoderamento…?

RA: Foi uma junção de tudo. A gente queria que tivesse uma música pra fritação, uma pra chorar, uma pra dançar mais agarradinho, uma pra ficar mais de boa… As referências que a gente buscou foram basicamente o Brasil. Muito em Pabllo, Luísa, os próprios jurados como Duda Beat, Vanessa da Mata, para chegar até onde a gente queria. E fluiu. O momento de dúvida maior foi no começo, de ‘para onde vamos’, mas o [preparador vocal e produtor Diego] Timbó ajudou muito a gente nesse processo, nos guiando por esse caminho. Musicalmente, estou em lugares artísticos que nunca estive, então foi muito evolutivo pra mim. Pra nós todas, porque a gente se desafia em algum momento desse EP.

DM: Pra nós todas, não só em estilo musical, mas até em questão de voz também. Creditamos muito o Timbó por isso porque ele foi o responsável por puxar da gente coisa que nem sabíamos que tava aqui. Às vezes, minha voz chegava num lugar que eu nunca pensei em usar, sendo trabalhada de uma maneira que eu nunca pensei e em uma estética nova, alinhada à voz das meninas.

LDB: Foi quase uma terapia esse processo de composição. A gente partia de uma conversa, pegava um tema específico ou sugeríamos “uma música mais triste” e, dentro disso, juntava as nossas vivências. Daí virava outra coisa.

H: Fora das câmeras e filmagens, rolou alguma dica da Pabllo e/ou da Luísa pra carreira do trio, seja em questão artística ou de business, depois que a competição acabou?

RA: Elas por si só já são um grande exemplo do que seguir e do que fazer. Ainda não tivemos um contato gigantesco, mas sabemos do tamanho do apoio delas em relação ao que a gente tá fazendo. Elas também tão muito orgulhosas de tudo isso e, sem dúvidas, a gente se inspira demais em cada passo porque somos crias delas, né?

H: Se tivessem que se apresentar pela primeira vez para um desconhecido, como se definiriam de diferente do que tá rolando na cena drag e musical?

LDB: Sempre gostei de cantar desde criança, mas quando me tornei drag queen não via isso como possibilidade. Achava muito distante e que precisaria escolher entre ser uma performer que bate cabelo e dança Beyoncé, ou ser um menino e seguir a música. Quando surgiu Pabllo e Gloria, eu vi que ‘meu deus, posso ser o que eu queria’.

Essa ascensão hoje é o sonho de muita gente, as meninas abriram portas pra que muitas de nós tivéssemos coragem de seguir um sonho. A RuPaul já tinha essa cultura de estar na música, mas em um nicho. No Brasil, tivemos Silvetty Montilla, Léo Aquilla e Dimmy Kieer, mas era muito nichado, só para o público gay porque tinha o dialeto e palavras que só nós entendíamos. Hoje, qualquer pessoa pode ouvir a música sem saber se é uma drag queen, uma mulher ou um gay cantando. Então, criamos o trio PITAYAS também com a projeção de onde queremos estar, cada uma com sua essência e caminhando juntas.

DM: No final das contas, o que conseguimos diferenciar na nossa estética e som enquanto trio, para não ser talvez mais do mesmo que já está sendo feito e com muita qualidade, é a nossa junção. As pessoas já tão comentando como nosso som está se tornando uma coisa única, um lance que já preocupava bastante a gente quando decidimos, por exemplo, lançar a música que consideramos mais comercial, “Macetada”.  Será que a galera não viria com comentários mais pesados justo na primeira? Quando lançamos o EP,  entenderam que a gente tem mais a oferecer.

LDB: Acho que as pessoas estão entendo a nossa música exatamente do jeito que a gente queria que elas entendessem.

Híbrida: Vocês têm algum trio, girl group, girlband ou algo nesse sentido em que se inspiram nas questões de carreira ou individualidade?

RA: Eu não tenho muitas referências de trio, vi poucos e estou estudando mais agora, mas acredito que queremos algo tão único que estamos trilhando um caminho novo, mas com inspirações em várias coisas.

LDB: Eu sou dos anos 1990, quando tinha muitas girlbands, tinha Spice Girls, TLC, 702, 3LW, Destiny’s Child, que são as meninas do R&B. Então, vim desse universo e, pra mim, estar num trio é um sonho que se concretizou.

DM: Também sempre gostei muito de grupos, aqui no Brasil acompanhei desde sempre a Banda Uó e depois continuei acompanhando a carreira solo de cada um. Acho que o mais presente pra mim hoje é o Mateus Carrilho, pelos feats que ele faz e a sonoridade, que me interessa muito. Lá fora, sempre acompanhei muito a Little Mix, que vai se encerrar agora e também se tornou um trio, então é uma referência muito grande. E, pensando bem, a gente é muito uma mistura de Little Mix com Banda Uó, porque somos pop, mas as gatinhas são tudo brasileiras (risos).