Mantendo a tradição iniciada no ano passado, nosso colunista Fabiano Moreira chega na última sexta-feira do mês para revisar os melhores lançamentos musicais de artistas LGBTI+ nacionais. Abaixo, confira a seleção deste janeiro, que reúne nomes de todos os cantos do Brasil e gêneros possíveis. E, para não perder nenhuma novidade, siga abaixo a nossa playlist, atualizada semanalmente.

Urias – “Fúria”

O álbum de estreia da cantora Urias, Fúria, chegou conquistando números importantes. Ela é a primeira mulher trans e negra a ter álbum em primeiro lugar dos mais vendidos do iTunes Brasil e duas músicas do mesmo álbum, simultaneamente, no Top 15 do iTunes BR. O primeiro single oficial, “Tanto faz”, deixa de lado a fúria, constante em suas músicas, para mostrar a vulnerabilidade da artista.

O impacto do disco já havia sido anunciado, em maio do ano passado, quando cinco faixas foram antecipadas em EP, tudo com a produção sempre impecável da Brabo Music de Rodrigo Gorky, Maffalda e Zebu, o mesmo time que cuida de Pabllo Vittar. O trabalho tem participações de Vírus, Hodari, Charm Mone, Monna Brutal e Ebony. Leia aqui o papo da artista com a Híbrida no lançamento do álbum.

Assucena – “Parti do Alto”

Depois do triunfo que foi o primeiro lançamento de Raquel Virgínia, “Las muchachas de Copacabana”, com a MC Dellacroix, a cantora baiana Assucena, com quem ela dividia os vocais no bom grupo As Baías, alça também vôo solo e autoral com o single “Parti do Alto”, que chega com produção de Ivan Gomes e anunciando o primeiro “compacto” da artista.

A faixa, um samba-canção melancólico e dançante, mostra a potência que já conhecemos de Assucena. Com referência direta ao estilo de samba partido alto, a cantora baiana explora um tom crítico nesse primeiro gostinho de sua carreira solo.

Mavi Veloso – “Travesti Biológica”

Artista trans e mineira de Coromandel Mavi Veloso é radicada na Holanda e faz a sua estreia na indústria com o lançamento do bom disco “Travesti Biológica”. Formada em artes visuais com post master em performance e mestrado em voz, ela usa o disco para discutir questões de identidade e gênero na voz que pesquisou na academia.

No trap “Names”, ela se inspirou em termos habitualmente utilizados para ofensas e humilhações de pessoas trans, ressignificando-os para um espaço de orgulho e empoderamento. “Esse projeto nasceu de uma reação minha à essa raiva que eu sinto, num contexto de tantas violências, é um disco que nasce da minha vontade de reverter tudo isso. ‘Names’ fala um pouco disso, desse trauma que vira empoderamento”, completa a artista. Bati um papo com ela para a Sexta Sei aqui.

Enme – “Dama da Quebrada”

Simplesmente dá vontade de entrar e ferver muito no paredão do clipe da artista maranhense queer Enme, o “Dama da Quebrada”. O clipe foi gravado no bairro Liberdade, em São Luís (MA), maior quilombo urbano do Brasil, e anuncia o disco de estreia da artista com funk, brega e batuques regionais em som acelerado e contagiante.

No clipe, grupos locais de funk participam de batalha, como As Capa Rosa, Pretos Juba, As Afrontosas e Grupo Tentação. “A gente só tocou a música e deixou o bairro guiar a gravação. A Liberdade vive em festa e, pra mim, foi uma grande comemoração filmar esse projeto em casa”, comenta Enme. Não posso deixar de comentar: João Pedro, o boy do clipe, é uma gracinha.

Dornelles – “Queimado”

O que pode ser mais gay do que o gaymado que dominava as praias de Ipanema nos anos 90 e 00? Só uma partida no verão do subúrbio carioca, como mostra o clipe de “Queimado”, single de Dornelles, novo contratado da Selim, da Warner Music. A faixa marca um novo posicionamento do artista, e é só assistir aos clipes anteriores para entender.

“Queimado” é inspirada nas raízes do funk carioca, com produção de Malharo, que também aparece no clipe, e faz referências ao Bonde do Tigrão. O queimado é um dos esportes mais populares no Brasil e, na fase escolar, uma brincadeira inclusiva que abraça a todos, sem essa de dividir meninos e meninas.

BAHBEL – “Blindada”

Estreando sua carreira musical, a performer, cantora e compositora BAHBEL lançou o single “Blindada”, falando sobre o enfrentamento de medos que traz libertação e empoderamento pessoal ao final do processo.

BAHBEL tem oito anos de experiência nas artes cênicas, e o clipe, inspirado em filmes de terror dos anos 80 e 90, tem figurino BDSM e direção de Marina Massaneiro. “Essa música é resposta a esse medo que passei, pode vir o exército que for, eu vou estar blindada e pronta pra guerra. Sou da paz, mas não sou do arrego”, sintetiza a cantora.

Irmãs de Pau – “Vingança da Malo’key”

A dupla Irmãs de Pau lançou o single “Vingança da Malo’key”, uma mistura de Mandelão e voguing. A música surgiu das experiências de traição em relacionamentos que ambas passaram e propõe uma vingança com muita ousadia.

A letra da dupla teve produção musical de Brunoso (São Luís-MA). “É sobre ensinar às meninas (e a mim mesma) parar de ficar chorando por macho e ir viver a vida, a fila anda, opção é o que não falta na quebrada”, resume Isma.

Kalef Castro – “Imersão”

“Imersão” é o EP de estreia do jovem artista baiano radicado em São Paulo Kalef Castro, que chega com o divertido e político clipe de “Pocpocpoc”, repleto de “bichas pretas e empoderadas” (inclusive na equipe, avisa o release), e homenagens a Rico Dalasam, Quebrada Queer e Hiran. “Pocpocpoc / Som que surge a partir das bichas pretas periféricas / Ao subir a favela / Pocpocpoc / Do pejorativo bicha pão com ovo / Bicha afeminada, excluída da sociedade e do seu próprio meio / Hoje ascende queimando o pavilhão inteiro”, celebra a letra.

O EP traz influências da pc music e do funk. Além da faixa com clipe, traz ainda outras três, cada uma delas remetendo a estados de espírito: “Karma” fala de injustiças de final do relacionamento e raiva, “Fimgamia” bota a tristeza para fora e “Gemidos” é o auge da superação, atingida em “PocPocPoc”.

Isis Broken – “Bruxa Cangaceira”

O álbum “Bruxa Cangaceira” saiu em dezembro, quando já tinha fechado a coluna daquele mês, mas merece menção mais do que honrosa. A sergipana Ísis Broken é bisneta de coiteiro de Lampião e neta de repentista e cordelista, uma “Trava que faz trap” e rima mais que o Don L, como avisa na letra dessa canção. Impressiona a qualidade de um trabalho que nasce da precariedade.

O disco é uma grata surpresa com músicas ácidas e politizadas que transitam por rap, trap, repente, prosa e pop, com guitarras arrojadas, uma sanfona que chora e programações eletrônicas. Bati um papo com ela, que acaba de ser mãe e sofreu transfobia no processo de financiamento do disco, na Sexta Sei, aqui.

Almério canta Cazuza – “Tudo é amor”

Também comento com certo atraso o excelente álbum “Tudo é amor – Almério Canta Cazuza”, lançado no final de novembro pelo pernambucano, com onze releituras do poeta carioca. Acaba de sair o clipe para a excelente “Eu queria ter uma bomba”, em dueto com Céu. O disco ainda tem participação de Ney Matogrosso em “Brasil”, arranjos de Pupillo e direção artística de Marcus Preto. Entre as canções, estão “O nosso amor a gente inventa” e “Minha flor, meu bebê”.


Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O Globo, Tribuna de Minas, Mix Brasil, RG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, é colunista da Sexta Sei.