“Olharam na cara da travesti e disseram ‘essa aqui não, manda ela embora hoje mesmo’.” A frase é de Keila Simpson, ativista e presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) de 57 anos, quando lembra a velocidade com que teve sua entrada no México negada ao longo do último domingo (1º) e foi deportada.

Keila Simpson, um dos principais nomes da luta transexual e travesti no Brasil, estava no México a convite do Fórum Social Mundial, onde seria uma das palestrantes. Ela estava representando não só a Antra, mas também a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG).

Sem os documentos retificados com sua identidade de gênero feminina, Keila foi impedida logo no aeroporto da Cidade do México de entrar no país. Mesmo apresentando o convite de palestrante no Fórum Social Mundial, o dinheiro que levou para se bancar durante a viagem e o comprovante de hospedagem em um hotel, ela foi classificada como “uma pessoa que não cumpre o perfil de turista”.

Por mais de dez horas, Keila foi mantida em uma sala do Instituto Nacional de Migração, sem informações sobre o status da sua viagem. “Você não sabe o que está acontecendo porque não tem tradutor e ninguém fala nada, nem que estará retido. O pior do processo todo é o constrangimento e temor que você sente de tudo. De não ter voo aquele dia, de não saber a legislação, com mil questões na cabeça”, lembra em depoimento à Híbrida. “É como se fosse uma cela, só que sem grades.”

Apesar de o procedimento ser de praxe para visitantes “suspeitos”, Keila acredita que sua deportação se deu em tempo recorde por ela ser uma travesti e não ter os documentos retificados. “Como a imigração não conseguiu autorizar minha entrada, eles tomam os meios de comunicação. Solicitaram que eu entregasse os dois celulares para dois policiais, e aí você fica dentro de uma sala, vigiada por dois policiais o tempo inteiro”, lembra.

“Se eu tivesse recebido a informação [que minha entrada foi negada, seria mais tranquilo. Mas não tive contato com nenhuma autoridade do México desde que fiz a entrevista e perguntaram onde eu ia ficar, por quanto tempo e quanto dinheiro eu tinha”, desabafa. “O que pesou muito foi a minha condição de ser travesti, sem sombra de dúvidas.”

Em um longo fio no Twitter, a advogada e ativista mexicana Jessica Marjane conta que tentou uma medida cautelar que impedisse a deportação de Keila do país, mas o documento não chegou a tempo. Ela também acredita que a brasileira foi vítima de transfobia e do despreparo do governo mexicano em atender convenções internacionais de direitos humanos: “Keila foi discriminada e classificada como suspeita, a única mulher trans em um grupo de 20 pessoas”.

“Era uma comitiva muito grande e uma parte já estava no México. Eu até preferia ter ido com o resto dela, porque já previa que algo assim aconteceria, mas como falo e entendo espanhol, achei que daria certo”, lembra a brasileira.

Keila ainda pretende participar do Fórum Social Mundial na próxima quarta-feira (4), mas agora de maneira virtual. “Precisamos lançar luz nessa questão e mudar o tratamento atual [com as pessoas trans] ou pelo menos fazer essa discussão sobre as violações e violências que sofremos. Sabemos que esse é um caso recorrente e não queremos que aconteça mais”, declara.

Nesta segunda, a Antra, a ABONG e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) divulgaram uma nota conjunta sobre o caso, cobrando uma posição de ambos os governos e frisando que “o protocolo de recepção de pessoas migrantes ou turistas por vias aéreas, marítimas ou terrestres não conta com um regulamento para o pessoal de fronteira que indique prioridade ou tratamento adequado quanto ao reconhecimento da identidade de gênero” no México.

A Híbrida tentou contato com o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e com a Embaixada do México no Brasil, mas não obteve retorno desde o domingo.