Pela primeira vez, um árbitro brasileiro da FIFA anunciou publicamente ser gay. Em entrevista ao podcast “Nos Armários dos Vestiários”, Igor Benevenuto falou abertamente sobre sua sexualidade e os motivos que o levaram a trabalhar no futebol, um esporte permeado pela homofobia.

“A partir de hoje, não serei mais as versões de Igor que eu criei. Não serei o Igor personagem árbitro, personagem para os amigos, personagem para a família, personagem dos vizinhos, personagem para a sociedade hétero. Serei somente o Igor, homem, gay, que respeita as pessoas e suas escolhas. Sem máscaras. Somente o Igor. Sem filtro e finalmente eu mesmo”, disse Benevenuto.

“Tenho 41 anos, 23 deles dedicados ao apito. Até hoje, nunca havia sido eu de verdade. Os gays costumam não ser eles mesmos. Limitando nossas atitudes para não desapontar a expectativa do mundo hétero. Passei minha vida sacrificando o que sou para me proteger da violência física e emocional da homofobia. E fui parar em um dos espaços mais hostis para um homossexual. Era por saber disso que eu odiava o futebol.”

Criado dentro de uma família religiosa em Minas Gerais, Igor Benevenuto conta que apesar de frequentar jogos do Atlético-MG, Cruzeiro e América-MG desde criança, nunca sentiu identificação para torcer por um time de futebol de verdade.

Foi durante a Copa de 94 que a relação com o esporte começou a mudar. Nessa época, a arbitragem que antes usava apenas preto, passou a vestir também uniformes coloridos para apitar as partidas oficiais na competição. Isso encantou o menino Igor, que encontrou uma função para participar dos jogos com outros meninos.

“Começaram a me chamar de ‘Margarida‘. Eu ficava revoltado, ameaçava não voltar mais, xingava de volta, mas eles seguiam com a provocação. O Margarida (Jorge José Emiliano dos Santos) era um árbitro famoso da década de 1980 e 1990, gay assumido e performático. Para os moleques, essa era a forma de me atingir. Ser comparado a ele, ser chamado de gay era uma ofensa e eu não poderia levar numa boa, afinal interpretava meu papel hétero, em um ambiente hétero, rodeado de héteros”, refletiu.

Apesar de ser a primeira entrevista de Benevenuto como um árbitro gay, sua homossexualidade não é um segredo nos bastidores do futebol. Ele contou que já sofreu homofobia em alguns jogos que apitou, nunca de técnicos ou jogadores, mas de dirigentes e torcedores.

O árbitro mineiro sabe que pode sofrer mais ataques agora que falou abertamente sobre o assunto. Mesmo assim, ele sentiu que era o momento de se livrar das amarras que o prenderam em um personagem por tanto tempo, a fim de inspirar também outros homens gays e bissexuais do futebol.

“O difícil é lidar com o medo que tenho de morrer. Vivemos no Brasil, o país que mais mata gays no mundo. Aqui não é apenas preconceito, é morte. É um submundo. Os gays no futebol estão em uma caixa de pandora. Jogadores, árbitros, torcedores… E nós somos muitos! Já não há espaço dentro desse armário apertado. Já não cabe mais. Chega! Sigo não suportando as piadas. A diferença é que agora não mais ficarei sufocado”, concluiu.

Ainda no mês passado, Richarlyson se tornou o primeiro jogador de futebol da Seleção a também se declarar abertamente bissexual: ” Sou um mero cidadão comum, que teve uma história bacana no futebol, mas eu não vou poder mover montanhas para que acabem esses crimes, para que acabe a homofobia no futebol”, declarou ao mesmo podcast.

Abaixo, relembre a edição do Papo Híbrido, série de lives da Híbrida ao longo da pandemia, que discutiu exatamente o quanto a homofobia está enraizada no futebol. Participaram do episódio o jornalista João Abel, autor do livro Bicha, e Yuri Senna, membro do coletivo de torcidas LGBTI+ Canarinhos.