O deputado Pastor Isidório (Avante-BA), conservador que pertence à Bancada Evangélica, surpreendeu a todos durante uma sessão de debate nesta quarta-feira (27) sobre o Projeto de Lei 580/2007, que quer proibir o casamento homoafetivo. Enquanto a votação do texto foi mais uma vez adiada na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados, a grande revelação do dia ficou por conta do parlamentar. 

Com forte rejeição de deputados progressistas e ativistas pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, Isidório, que estava inscrito como apoiador do PL, acabou defendendo o casamento homoafetivo, mesmo que com ressalvas. “Eu quero o direito de outros pastores e padres não serem obrigados a fazer essa solenidade, eu quero o direito das igrejas evangélicas ou católicas, que os templos espíritas, não serão obrigados a receberem tais casamentos. O resto é pacificado”, afirmou o deputado. 

“Estamos aqui nesse momento e somos todos irmãos. Tem os irmãos que são gays, são lésbicas, e estamos convivendo porque é direito. São cidadões (sic), são pagadores de impostos, então não cabe mais”, completou Isidório, que surpreendeu todas as pessoas presentes na sessão. “Eu posso até depois da votação ter que deixar o parlamento, mas eu não vou simplesmente, por hipocrisia pura minha, não vou votar contra direito de garantia social, porque sei que se Jesus estivesse aqui, não faria isso”.

Após a fala, o deputado recebeu aplausos dos manifestantes pró-LGBTQIA+ e complementou: “Os evangélicos e católicos que eu conheço lá fora, nenhum deles está pedindo isso (o fim do casamento homoafetivo)”.

Na última sessão em que a Comissão julgou o PL 580/2007, Isidório foi acusado de transfobia ao se dirigir à deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) com pronomes masculinos, chamando-a de “amigo”. O episódio fez com que o Ministério Público Eleitoral encaminhasse à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação contra o deputado por violência política de gênero.

Autodeclarado como “ex-gay”, o General Pastor Isidório é militar aposentado e já defendeu a terapia de conversão, conhecida no Brasil como “cura gay”, em mais de uma ocasião. Ainda na semana passada, ele disse que “homem nasce homem e mulher nasce mulher”. “Respeitando o direito fantasioso de qualquer homem ou mulher querer fazer o que quiser com seu corpo, precisamos respeitar a nossa fé”, defendeu na ocasião. 

Votação do PL 580/07 é adiada (de novo)

A primeira vitória da comunidade LGBTQIA+ nesta quarta-feira foi a mudança da sessão para o Plenário 1 da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o que permitiu acomodar a sociedade civil que foi a Brasília acompanhar a votação e pressionar pela rejeição do projeto. 

Em mais de 8h de discursos pró e contra o PL, outro destaque importante foi o texto conjunto feito pelos deputados Erika Hilton e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).

“O Brasil é um espaço social diverso e não pode ser reduzido a propriedade moral de nenhuma religião particular que seja. Por uma descolonização dos corpos, dos afetos, das políticas, dos sexos, dos gêneros, das crenças, dos credos. Por liberdades individuais e políticas”, dizia o texto.

 “Por liberdade e proteção ao amor, seja ele como for, por igualdade de direitos, igualdade entre todas as pessoas, por justiça social, racial, sexual e de gênero para todas as pessoas. Pelo direito de amar e constituir famílias plurais, por uma sociedade plural, diversa, celebrativa e pacífica. Pelo direito à existência e celebração do amor entre pessoas LGBTQIA+. Por um Brasil livre do ódio e cheio de amor”, completou Erika Hilton durante a leitura do texto.

A votação do PL foi adiada a pedido do relator, o deputado conservador Pastor Eurico (PL-PE). “Gostaria de pedir que nos desse mais um tempo, em respeito aos que honrosamente falaram aqui e até aos que nos desrespeitaram, para provar que não há retaliação e não estamos aqui para impor nada”, disse.

O PL deve ganhar uma nova redação. A próxima votação está marcada para 10 de outubro. 

Direito ao casamento homoafetivo no Brasil

Proposto inicialmente pelo então deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), que buscava regulamentar o casamento homoafetivo (entre pessoas do mesmo gênero), o PL 580/07 foi desengavetado com seu teor original deturpado pelo relator. Sua proposta inclui um parágrafo no Artigo 1.521 do Código Civil, que prevê os casos em que o casamento é proibido no Brasil, com o seguinte trecho: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.

Se aprovado na Comissão de Previdência, o PL 580/07 ainda será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde a expectativa é que seja declarado inconstitucional. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo de interpretação da Constituição, já tem um posicionamento claro sobre o tema.

Ainda em 2011, a Suprema Corte considerou que as relações homoafetivas (entre pessoas do mesmo gênero) podem ser equiparadas às uniões estáveis entre homens e mulheres e, portanto, constituem núcleo familiar.

A decisão foi reforçada dois anos depois pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando este determinou que todos os cartórios do país são obrigados a oficializar casamentos homoafetivos.