PIRANHAS TEAM: AUTODEFESA E EMPODERAMENTO LGBT+
POR VITÓRIA RÉGIA / FOTOS POR ROBERTA CLAPP
Quando se é LGBT+ no Brasil, o temor da violência e da morte é algo muito presente e constante, uma vez que somos o país que mais mata por lgbtfobia no mundo.
Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), até setembro deste ano foram registrados 277 homicídios, com média de uma morte por dia. No ano passado, o número total de assassinatos chegou a 340 , 11 a mais que em 2015. Isso apenas entre os casos registrados, uma vez que o índice real de violência pode ser ainda maior, visto que existe uma grande subnotificação desses crimes.
É neste cenário de violência e perseguição aos LGBTs que nasceu o Piranhas Team, uma academia carioca de defesa pessoal voltada para a comunidade e, mais recentemente, para mulheres.
Além de ensinar autodefesa em situações de perigo, o grupo busca trazer diversidade para as artes marciais, enxergando na luta um espaço para a segurança, para o acolhimento e para a defesa contra o ódio.
Segundo Halisson dos Santos Paes, um dos fundadores do Piranhas Team, as artes marciais não são espaços naturalmente acolhedores para LGBTs.
“O que encontramos na Academia CT Tori [espaço onde o grupo treina] foi muita sorte e sempre apoiamos muito o projeto por saber que uma oportunidade como essa não poderia ser desperdiçada”, conta ele em entrevista à Híbrida.
Aos 40 anos, o advogado ainda relata que a própria criação do coletivo gerou divergências:
“Tivemos reações ambíguas à nossa existência: gente favorável e contra a iniciativa. Mas continuaremos seguindo e buscando ajuda de quem nos apoia”, enfatiza.
A arte marcial escolhida para as aulas foi o Krav Magá, um método de defesa pessoal de origem israelita e considerado um dos mais eficientes do mundo. Paes explica que a opção pela modalidade veio apenas depois de terem experimentado outras duas lutas.
“Escolhemos o Krav Magá por ser muito voltado à defesa pessoal. Cada exercício prevê uma reação a algum ataque que você estiver sofrendo e identificamos isso como algo mais próximo da nossa realidade enquanto LGBTs.”
Thais Hottis Polycarpo é uma das proprietárias da Academia CT Tori, na tradicional região boêmia da Lapa. Foi ali que o projeto encontrou abrigo, há cerca de um ano.
“Sendo mulher e LGBT é necessário saber se defender. É claro que ninguém deve reagir a uma arma de fogo, mas é importante estar prevenido para o que pode acontecer lá fora”, conta. “Não é só você treinar uma luta, mas estar confiante nas ruas para ser quem você é”.
Lutadora desde quando tinha 3 anos, Thais revela que já sofreu preconceito de outros treinadores por ser LGBT e dona de uma academia, mas graças à presença do Piranhas Team ela vê que essa discussão tem melhorado.
Assumidamente lésbica, ela também conta que sempre foi discreta com sua orientação, mas passou a ter mais orgulho e a reconhecê-la de forma mais aberta após a iniciativa e a conscientização das crianças que treinam na academia.
“Não é só sobre eles estarem treinando aqui. É sobre termos nos transformado em uma família”.
Para Isis Lucena Carvalho, a principal motivação para fazer as aulas foi o ambiente receptivo da academia.
“Independente de eu ser homossexual, uma mulher em um ambiente de luta é vista como alguém mais fraco”, pontua.
Professora de 27 anos, ela é sapatão e treina na academia desde maio. Ela conta que sempre quis fazer luta, principalmente pelo assédio sexual que sofre nas ruas:
“A minha reação natural em situações de perigo continua sendo o medo. Mas agora o raciocínio muda um pouco e consigo pensar em alternativas para fugir daquilo. Porque o objetivo não é machucar alguém, mas impedir que você sofra a violência”.
Mesmo reconhecendo o empoderamento que a capacidade de se defender traz à sua vivência como mulher e lésbica, ela desabafa que torce para não precisar aplicar o aprendizado em situações reais.
“Quando ouvimos que alguém do nosso grupo precisou usar algo que aprendeu na aula em alguma situação de perigo, a reação não é de felicidade. Pelo contrário, é muito triste saber que alguém chegou ao ponto de precisar usar”, comenta.
Também professor e treinando desde março com o Piranhas Team, Rodrigo Agrellos, que já praticou outras artes marciais antes do grupo, conta que buscou um lugar onde se sentisse acolhido para voltar a se exercitar.
Como homem gay de 27 anos, Rodrigo afirma: “Boa parte da violência acontece porque somos oprimidos o tempo inteiro e não temos muita defesa. Mas com o Krav Magá, entendemos que não precisamos baixar nossa cabeça e podemos nos defender se for necessário”.
Soropositivo, ele conta a importância das artes marciais para quebrar com o estigma do HIV:
“Inicialmente, existe um medo de contato das pessoas com os soropositivos e a luta ajuda a quebrar com isso, mostrando que não é um bicho de sete cabeças. Como nas artes marciais trabalhamos o contato corporal com outras pessoas, fica claro que não devemos ser temidos”, explica.
ROTINA DE EXCLUSÃO
E VIOLÊNCIA DE PESSOAS TRANS
Atualmente, há três pessoas trans no Piranhas Team. Uma das políticas de inclusão do grupo é rachar entre os membros a mensalidade dessas pessoas, que querem e precisam aprender autodefesa.
A política começou porque o Brasil está no topo do ranking de países com mais registros de homicídios de transgêneros, segundo informações da ONG Transgender Europe (TGEu). O dado, publicado em 2016, mostra que o país matou ao menos 868 travestis e transexuais nos últimos oito anos.
Para Halisson, há muitas motivações diferentes para LGBTs buscarem o Piranhas. “Esse espaço tem muitos papéis. É um espaço de sociabilidade, de acolhimento e de defesa da lgbtfobia. Mas, eu percebo que as pessoas trans são as que mais aparecem com essa motivação de se proteger da violência”, avalia.
Foi extamente essa violência contra pessoas trans que motivou a travesti e pansexual Larissa da Silva a procurar o Piranhas Team.
Aos 30 anos, ela já sofreu violência psicológica em um hospital e desabafa: “As aulas me dão conhecimento e técnica para uma possível saída. Não me sinto mais segura, mas com certeza sei como me defender se algo acontecer”.
Trabalhando como operadora de telemarketing, ela conta que conheceu a iniciativa através da Casa Nem. “Não acho que com essa iniciativa a violência vá acabar, mas vejo que pode haver uma diminuição de agressões contra a população LGBTQIA +”, afirma.
E não é só para a própria defesa pessoal que o Piranhas existe, mas também para que qualquer pessoa sinta-se confortável de intervir em uma situação de violência contra outros LGBTs, como afirma o próprio fundador do time.
“Durante uma manifestação, pude intervir em uma agressão contra uma travesti que estava sendo agredida por um taxista. E grande parte de eu me sentir seguro para me meter no meio dessa briga foi pelo fato de estar treinando defesa pessoal”
– Halisson dos Santos Paes.
“Não fazemos isso só para a gente. Fazemos para quando outros estiverem na rua e virem uma agressão a outro LGBT, eles possam intervir”.
Halisson ainda conta um caso que aconteceu com ele mesmo: “Durante uma manifestação, pude intervir em uma agressão contra uma travesti que estava sendo agredida por um taxista. E grande parte de eu me sentir seguro para me meter no meio dessa briga foi pelo fato de estar treinando defesa pessoal”.
ESPAÇO
COLETIVO DE
RESISTÊNCIA
“Eu sempre quis fazer artes marciais, mas nunca me senti muito à vontade em praticar, por ser um ambiente usualmente muito hostil. Esse é um espaço de convivência que faz com que a gente saiba que não está sozinho. Aqui, ganhamos confiança sobre o nosso corpo e segurança para fugir de uma situação de violência”, pontua.
Ele também comenta a situação atual de violência contra LGBTs no país:
“Isso não é algo que conseguiremos mudar individualmente. Aqui, de certa forma, temos um coletivo – já saímos para manifestações juntos, enquanto grupo e enquanto Piranhas. Mas vivemos uma onda conservadora tão forte querendo apagar a diversidade da sociedade, que precisamos nos unir para criar espaços de diálogos e enfrentamento dessas situações”.
Já para a militante e bissexual Suellen Araújo Souza, de 32 anos, iniciativas como o Piranhas são importantes, mas sozinhas não são capazes de acabar com a violência contra LGBT+.
“Eu vejo como um caminho a longo prazo, que precisa estar atrelado ao fortalecimento de políticas públicas de educação sobre diversidade sexual. Mas também penso que a defesa pessoal contribui mais com pessoas LGBT+ no sentido da possibilidade de defesa aos ataques no país mais homofóbico do mundo”, afirma antes de voltar para o treino.
VITÓRIA RÉGIA
Vitória é uma mulher negra, bissexual e estudante de Jornalismo da UFRJ. Seus interesses em comunicação sempre envolveram recortes de gênero, raça, classe e sexualidade.Atualmente é uma das editoras da Capitolina – uma revista online, independente, feminista e voltada a adolescentes – e integra a revista Gênero e Número, com foco em jornalismo de dados e recorte de gênero na América Latina.
ROBERTA CLAPP
Betta largou o curso de Comunicação no último ano para fazer pós e mestrado em Direito. Fotógrafa e escritora desde que se entende por gente, está sempre começando uma vida nova. Aguarda ansiosamente que os ETs a resgatem, mas enquanto isso não acontece, vê uma série atrás da outra, faz palavras-cruzadas e sonha em morar no mato.