16 set 2024
Beatriz Ferreira, atleta do boxe que compete pelo Brasil nas Olimpíadas de Paris 2024

BEATRIZ FERREIRA LEVA O DNA DO BOXE BRASILEIRO ÀS OLIMPÍADAS DE PARIS

DA INFÂNCIA À PRATA NO PÓDIO DE TÓQUIO, BIA FERREIRA CONTA SUA PREPARAÇÃO PARA CONQUISTAR O SONHADO OURO OLÍMPICO EM PARIS 2024

por LÍVIA MUNIZ

Talentosa, carismática e vencedora. Aos 31 anos, Beatriz Ferreira tem as características necessárias para ser uma heroína do esporte brasileiro. Com uma carreira talhada em dedicação e paixão, ela se destaca como uma das principais representantes do Brasil no Boxe e vai para as Olimpíadas de Paris 2024 como favorita à medalha de ouro. Na reta final da preparação, Bia conversa com a Híbrida e reflete sobre sua trajetória, o amor pelo esporte e as aspirações futuras. 

“O boxe sempre esteve na minha casa, eu falo que o boxe está no meu DNA”, diz Bia, em entrevista exclusiva. “Eu comecei como uma brincadeira, até que precisei decidir o que iria me tornar, o que ia fazer da vida. E aí resolvi ser uma atleta de alto rendimento”, conta. “Mas até então, não sabia o que era ser uma atleta de alto rendimento.”

Bia é filha do boxeador bicampeão brasileiro Raimundo Oliveira Ferreira, o Sergipe. Foi ele quem introduziu o esporte na vida da filha, ainda nos seus primeiros anos de vida. Natural de Nova Brasília, bairro da periferia de Salvador, Beatriz Ferreira se mudou aos 12 anos para Juiz de Fora, quando o pai foi contratado para dar aulas de boxe na cidade da zona da mata mineira. 

Eu não lembro quando comecei. Na verdade, eu só lembro de já fazer boxe

Os anos em Minas Gerais foram essenciais para a sua formação como atleta. Como não havia muitas mulheres no boxe em Juiz de Fora, ela treinava com outros homens. Mas foi apenas em 2016, com sua mudança para São Paulo e a possibilidade de treinar junto com a Seleção Brasileira no projeto Vivência Olímpica, que ela de fato se tornou o que já tinha decidido ser: uma atleta de alto rendimento. 

“Eu me mudei para São Paulo para poder ter uma experiência diferente. Pude treinar com a equipe olímpica, mesmo sem fazer parte da Seleção, então pude aprender bastante. Eu vi que era aquilo que eu queria para a minha vida. Me dediquei e, hoje, sou a representante do Brasil até 60kg”, lembra, acrescentando: “E gosto demais de fazer isso”.

O boxe é um esporte milenar, cujos primeiros registros datam do ano 3000 a.C., no Egito Antigo, em que os homens se enfrentavam nus para festejar os faraós. Sua prática evoluiu através dos séculos, até se tornar uma modalidade nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, que foram disputados na Grécia Antiga, entre os séculos 7 e 3 a.C., na cidade de Olímpia. 

Nos Jogos Modernos, o boxe também é um dos esportes mais tradicionais, sendo disputado há 120 anos, desde a edição de St. Louis, em 1904. Mas foi apenas na edição de 2012, em Londres, que a categoria feminina entrou no cronograma. Nove anos depois, em Tóquio, Beatriz Ferreira se tornou a primeira mulher brasileira a disputar uma final no boxe, e teve sua vida transformada para sempre. 

“Ganhei muita experiência. Acho que estar ali nos Jogos Olímpicos e vivenciar o maior evento que um atleta olímpico pode participar é incrível. Todo atleta deveria se desafiar a participar dos Jogos porque é maravilhoso”, afirma Beatriz Ferreira. 

“Eu amadureci muito, fiquei bastante conhecida também. Estar em grandes competições foi uma das metas que estipulei desde quando resolvi ser uma atleta de alto rendimento. Os Jogos Olímpicos são uma meta conquistada”, acrescentou. 

Estar ali no pódio e conseguir uma medalha foi incrível, um sonho realizado

A prata de Beatriz Ferreira veio em 2021, depois de ela perder a final da categoria até 60 kgs para a irlandesa Kellie Harrington, em uma decisão unânime dos juízes. Logo após o resultado ser divulgado, ainda no ringue, a atleta se dirigiu às câmeras e pediu desculpas, em português, para a audiência brasileira que acompanhava a luta a mais de 17 mil quilômetros de distância. 

Não que ela precisasse disso, muito pelo contrário. A nordestina é um orgulho da nação, conquistou fãs no país inteiro, e se tornou símbolo do Time Brasil, além de garota propaganda de marcas como Spaten, Doritos e Petrobras. 

Além da prata em Tóquio, Beatriz Ferreira é bicampeã mundial de boxe (2019 e 2023), campeã sul-americana (2018) e duas vezes campeã pan-americana (2019 e 2023). Em 2019, ela foi eleita pela Associação Internacional de Boxe (IBA) como a melhor atleta do mundo. Mesmo com todo esse currículo, a baiana ainda sente que falta um ouro olímpico em sua coleção. 

“A gente, que é atleta, é ambicioso por resultados. Eu quero ser campeã de todas as competições que participei. Os Jogos Olímpicos são a competição que falta”, afirma esperançosa. “O sonho não acabou ainda, eu me desafiei a continuar para poder realizar essa meta.”

Eu sou muito feliz pela minha prata, mas eu sei que tenho potencial para ser campeã olímpica

Para realizar o sonho do ouro em Paris, Bia Ferreira se preparou ainda mais do que no ciclo olímpico anterior. O período, é verdade, foi menor, de apenas três anos, já que as últimas Olimpíadas foram disputadas em 2021 por causa da pandemia. 

Ao todo, o boxe brasileiro já conquistou oito medalhas olímpicas na história, sendo dois ouros (Hebert Conceição em Tóquio 2020 e Robson Conceição na Rio 2016), duas pratas (Bia e Esquiva Falcão em Londres 2012) e quatro bronzes (Abner Teixeira em Tóquio, Yamaguchi Falcão e Adriana Araújo em Londres, e a primeira de todas em 1968 com Servílio de Oliveira no México). Segundo Bia, toda a equipe está confiante para subir mais vezes no pódio em 2024. 

“A preparação para Paris está sendo muito boa. Foi muito bem feita, acho que até melhor que a de Tóquio. A gente teve mais ações, foi um campeonato importante atrás do outro”, avalia. “Conseguimos ter vários combates com futuros adversários que podemos enfrentar (nos Jogos).”

Parte dessa preparação passou por um intercâmbio informal com o Atletismo. É porque Beatriz namora a atleta Ana Carolina Azevedo, velocista dos 100 e 200 metros rasos do Atletismo, que também vai representar o Brasil nas Olimpíadas de Paris. No tempo livre, as duas gostam de trocar figurinhas e dicas sobre performance esportiva, além de se apoiarem mutuamente no dia a dia. 

“Acredito que ensinei muita coisa para ela, e ela vive me ensinando coisas. A gente vive compartilhando isso porque todo mundo quer ter um bom resultado e ver a outra feliz. A gente encaixou nessa pegada, deu muito certo”, comenta Bia. “Ela me ensinou muita coisa de corrida e eu de boxe para ela. Esse combo ficou ótimo. E agora a gente vai competir, uma torcendo para a outra em Paris, que é mais um sonho a ser realizado. Estou muito feliz com isso.”

Para a boxeadora, ter os mesmo objetivos e as mesmas ambições que a namorada facilita a relação “porque uma fica mais compreensiva na dificuldade da outra”. “Coisa que às vezes a pessoa que não é do esporte não compreende, o nosso sacrifício todo. A gente faz por amor, por ambição, tem que ter isso. Acho que nasce do atleta.”

Fica muito mais fácil compreender certas coisas quando você namora um atleta

A nobre arte também é conhecida por ter regras e dinâmicas diferentes nas Olimpíadas e na sua liga profissional. A principal é em relação ao tempo de duração: no boxe olímpico, os combates têm três rounds de três minutos; no boxe profissional, as lutas variam de 10 a 12 rounds. Outra mudança é que o resultado é decidido por cinco juízes na disputa olímpica; no profissional, são apenas três. 

Até 2012, boxeadores que atuavam no boxe profissional eram proibidos de participar dos Jogos Olímpicos. Com a mudança, Beatriz Ferreira pode estrear na liga profissional e manter a carreira no boxe olímpico para tentar o sonhado ouro em Paris. Depois que conquistar esse, ela já tem o próximo sonho na mira: mais cinturões à sua coleção. 

Uma atleta nunca pode parar, nem desistir

“O futuro a Deus pertence, mas a gente trabalha para poder ajudar os sonhos serem realizados”, comenta, admitindo que mesmo assim ainda faz planos. “Antes, eu conquistava medalhas. Agora, estou estimulada a conquistar cintos. A gente vai buscar essa coleção, fazer história e continuar trabalhando com o boxe brasileiro.”

LÍVIA MUNIZ

Niteroiense apaixonada pelo Vasco, Livia é formada em Jornalismo pela UFRJ. Trabalhou como repórter e colunista na Goal Brasil durante quatro anos. É nerd, feminista e sonha ser uma ranger rosa.

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