CULINÁRIA DE ACOLHIMENTO PARA PESSOAS TRANS
POR VICTOR SORIANO E VITÓRIA RÉGIA
No início deste ano, 25 pessoas trans do Estado de São Paulo ganharam uma nova oportunidade profissional ao concluírem suas capacitações como auxiliares de cozinha.
Isso porque a chef ítalo-argentina Paola Carosella, em parceria com seu sócio Benny Goldeberg, com o Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) e com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizou, no fim de 2017, o curso “Cozinha & Voz”.
Em uma sociedade onde, de acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da população transgênero recorre ao menos uma vez à indústria do sexo como fonte de renda e apenas 4 dos 10% empregados têm chances de crescer na carreira, a iniciativa é um exemplo positivo de política pública que tenta reverter esse cenário secular de exclusão.
No evento de lançamento do projeto, em novembro passado, Paola disse que mais do que ministrar as aulas, ela quer fazer “com que as pessoas sintam-se acolhidas e que possam ter ferramentas e oportunidades para crescerem profissionalmente”, como é possível ver no vídeo abaixo.
“A Organização Internacional do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho de São Paulo trabalham em cooperação com o propósito de estimular empregabilidade para segmentos que sofrem com exclusão social”, comenta a promotora Valdirene de Assis, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, sobre o objetivo do projeto e o público que ele atende.
“A ideia desse curso é de formação e encaminhamento, para que essas pessoas sejam efetivamente contratadas, já que constituem um segmento com dificuldade de entrar no mercado formal de trabalho”, ela afirma.
Yasmin Bispo, mulher transexual de 40 anos, foi uma das selecionadas para participar da primeira turma do “Cozinha & Voz”, que contou com alunos do Transcidadania, de um abrigo em SP e de algumas organizações não-governamentais.
Moradora do bairro de Santana, em São Paulo, Yasmin afirma que iniciativas desse porte são um apoio nas reivindicações da população trans: “Temos direitos, existimos e vamos lutar para que possamos ser inseridas no mercado de trabalho”, comenta.
Segundo ela, que hoje é funcionária da OIT, o Ministério do Trabalho acompanha o desenvolvimento e a inserção dos ex-alunos no mercado do trabalho, como uma das principais diretrizes previstas pelo projeto.
Yasmin foi selecionada para o curso através do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD-SP) e recebeu apoio de iniciativas como a Casa Florescer – Centro de Acolhida Especial para Mulheres Transexuais e Travestis e a TXAI Consultoria e Educação, através de Alberto Pinto.
“As sessões de acolhimento transformaram muito a minha vida. Tenho que agradecer à faculdade Hotec, que nos recebeu e vem nos recebendo, pois ainda terá a segunda turma. E também aos professores Paola Carossella, Augusto Nascimento e Elisa Lucinda”, comenta Yasmin.
Carol Bandettini, estudante de Gestão de Qualidade no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e moradora do bairro do Tatuapé, na Zona Leste, também foi uma das alunas das sessões de acolhimento.
Ela, que foi selecionada através do Transcidadania, salienta a importância de projetos sociais como o que a levou para as sessões de acolhimento:
“Essa iniciativa me deu a mão e me resgatou das margens da sociedade, que impõe para uma mulher trans apenas a marginalidade como saída. Sou uma pessoa mais confiante agora e sei que caminho quero seguir”.
Carol, que hoje trabalha como freelancer, também confirma que o Ministério do Trabalho tem acompanhado sua inserção no mercado de trabalho e elogia o projeto da chef Paola Carossella:
“As sessões eram sempre bem produtivas. Interagíamos, tínhamos a possibilidade de dar sugestões e todos sempre foram muito solícitos e prestativos. Uma lição muito grande. Só tenho a agradecer”, comemora.
Segundo o Relatório da violência homofóbica no Brasil, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), a transfobia faz com que “muitos acabem tendo como única opção de sobrevivência a prostituição de rua, o que os torna mais vulneráveis aos vários tipos de violência, inclusive a sexual”.
O Brasil concentra 82% da evasão escolar de travestis e transgêneros, segundo informação do defensor público João Paulo Carvalho Dias, que é presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil e membro conselheiro do Conselho Municipal de LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), em Cuiabá.
Segundo a pesquisa “Juventudes na Escola, Sentidos e Buscas: Por que frequentam?”, coordenada pela socióloga Miriam Abramovay, 19,3% dos alunos de escola pública não gostariam de ter um colega de classe travesti, homossexual, transexual ou transgênero. O estudo ouviu 8.283 estudantes na faixa de 15 a 29 anos no ano letivo de 2013.
No “Cozinha & Voz”, além das aulas com a chef argentina, os alunos das sessões de acolhimento participaram de workshops ministrados pela jornalista, poeta e atriz Elisa Lucinda. Ao final do curso, Paola prometeu empregar os cinco melhores cozinheiros em seus restaurantes.
VICTOR SORIANO
Victor é graduando do curso de jornalismo da ECO/UFRJ. É analista de inteligência digital e pesquisa corpo e arte. Trabalhou como gerente de branding, repórter e ilustrador de iniciativas como Revista Apuro e Portal Overdose e foi social media da websérie “Drag-se”.