EMERSON PATAXÓ: “SOU BISSEXUAL E LUTO EM DEFESA DOS MEUS IGUAIS”
por LÍVIA MUNIZ
Ser uma liderança indígena no Brasil é um desafio e responsabilidade gigantes. Com apenas 21 anos, Emerson Pataxó é um jovem que, além da militância pelos direitos dos povos originários e do meio ambiente, defende também sobre a causa LGBTI+ como um homem bissexual assumido. Talvez “assumido” nem seja a melhor palavra, uma vez que Emerson nunca escondeu sua orientação sexual.
Por muito tempo, o Pataxó não sentia a necessidade de falar ou explicar sobre sua bissexualidade para os familiares e as outras pessoas de sua aldeia em Santa Cruz de Cabrália, na Bahia. Isso porque, para Emerson, tudo era algo natural. Mas a responsabilidade de ser uma referência para os indígenas fez ele perceber o quão importante seria ter uma voz LGBTI entre os dele.
“Eu nunca senti necessidade de falar para as pessoas. Claro, se chegassem até mim e perguntassem, eu falava sem problema algum, mas nunca tive essa obrigação. No decorrer dos anos, senti a necessidade de me revelar porque nosso país é o que mais mata trans, é campeão em índice de LGBTfobia, e acho que, enquanto indígena e liderança, entrar nessa luta e dar a cara para dizer ‘sou bissexual, luto em defesa dos meus iguais’, é importante porque a gente começa a encorajar outros – esse foi um processo importante para mim”, explica Emerson em entrevista à Híbrida.
A colonização europeia imposta ao Brasil trouxe consigo uma moral sexual intrinsecamente atrelada à religião. Hoje, com mais de 80% da população brasileira se declarando cristã, segundo dados do Datafolha, o País ainda carrega resquícios inegáveis e cada vez maiores dessa forma de pensar, também disseminada na aldeia Coroa Vermelha, onde Emerson vive, ainda que de uma forma diferente.
“Existe um histórico pra nós que moramos em aldeia, pois o cristianismo e a participação das pessoas nas igrejas traz muito preconceito. Mas em relação ao branco que sofre LGBTfobia nas grandes cidades, aqui é muito diferente. Nunca tivemos casos de morte ou agressão física por alguém ser LGBT. Não escondo o que sou, levo a pauta e puxo esse debate na minha aldeia. É tudo muito natural”, conta ele.
A vida pública de Emerson Pataxó começou bem cedo. Aos 12 anos, ele já participava de conferências sobre os direitos de crianças e adolescentes. A partir daí, ele foi se conectando com diversos movimentos sociais, inclusive o estudantil, e tornou-se o primeiro jovem indígena a presidir a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Cabrália.
“Desde que nascemos, nossos pais nos ensinam que a escola é um espaço que precisa ser defendido. A gente tem uma escola que, por exemplo, é referência por ser autossustentável e, inclusive, já ganhou um prêmio da Unesco por levar à frente essa educação ambiental que temos nas aldeias desde crianças.”
Outra bandeiras passada para Emerson desde o berço é a luta pelo meio ambiente. “Nós, indígenas, precisamos defender o espaço em que a gente vive e preservá-lo, porque senão destruímos também nossa cultura, nossa ancestralidade e nossa sobrevivência. Defender o meio ambiente é defender que tenhamos sementes para fazer nossos colares e garantir nosso sustento ou usarmos em nossos colares e artesanatos.”
Os Pataxós são uns dos maiores e mais conhecidos povos originários que resistem no Brasil. Em 2014, existiam 12.326 pessoas da etnia vivendo em aldeias no norte de Minas Gerais e, principalmente, no sul da Bahia, de acordo com dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Para que continuem resistindo em tempos de políticas segregacionistas e não desapareçam sob as ameaças constantes de queimadas, exploração territorial e evangelização, é vital que as novas gerações estejam fortes e alertas.
Meu ativismo pelo meio ambiente começa desde criança
Através de Emerson, os Pataxós têm uma liderança importante que se conecta com os jovens de igual para igual, seja através de sua participação na Mídia Índia ou como secretário executivo da Associação de Jovens Indígenas Pataxó. Mas para além das novas formas de se comunicar e lutar, com mídias digitais e organizações articuladas que conseguem dialogar diretamente com as autoridades, ele defende que a juventude não pode se esquecer de estreitar os vínculos com os anciões e seus ensinamentos.
“A gente vive um tempo muito esquisito. Hoje, temos jovens de 15 a 20 anos, ou até mais novos, que lidam com esses conflitos de pensamento e ensinamentos culturais, mas esse diálogo com os mais velhos precisa acontecer”, defende Emerson. “Os povos indígenas, de forma geral, aprendem na prática. Não temos um livro ou site que guarde os ensinamentos da nossa cultura. Se não dialogarmos com nossos anciões, a gente cresce sem conhecimento, e um indígena sem conhecimento se torna um ser comum como qualquer outro.”
Ele conclui: “Essa juventude precisa estar organizada, precisa estar interessada em reconhecer, em aprender sobre o nosso passado e sobre nosso presente”.