MARCOS WEVERTHON QUER REVOLUCIONAR COMO ENXERGAMOS A BELEZA NEGRA
por TIAGO BASTOS
Isolamento social, fechamento das cidades, paralisação do comércio, mudanças nos hábitos e na forma de viver da população inteira. Com certeza nunca iremos esquecer o ano de 2020 e desse período caótico que está sendo a pandemia da covid-19 no Brasil.
Para as bichas pretas, claro, não foi diferente. Nesta edição da Híbrida, apresento a vocês um jovem que, assim como muitos LGBTs, luta para trabalhar e conquistar seu espaço, sofrendo também com os efeitos do coronavírus.
Aos 25 anos, Marcos Weverthon é maquiador e hairstylist. Seu envolvimento com a área de beleza começou cedo, quando ele se formou aos 15 anos no curso sem custos de uma ONG em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Atendendo por conta própria, Marcos fazia pequenos atendimentos preparando noivas e debutantes da região. Crescendo e lutando para se desenvolver e se destacar, um dos grandes desafios em sua vida sempre foi a distância que o separava do centro do Rio de Janeiro, onde a oferta de clientela é maior.
Estar a quilômetros de distância do polo de arte e cultura da sua cidade é muito difícil. Falta transporte eficaz, são horas de viagem e até mesmo a segurança nos separa de muitas oportunidades e avanços. Mas Marcos tem driblado muitas questões em sua vida sendo um jovem periférico profissional de beleza, contornando principalmente a dificuldade com os altos custos de seu material de trabalho.
Ex-aluno da Spectaculu – Escola de Arte e Tecnologia, que já lançou centenas de jovens no mercado de produção cultural no País, seu primeiro estágio de beleza no meio artístico foi na montagem de “Dorotéia”, peça escrita por Nelson Rodrigues e protagonizado por Letícia Spiller que lhe rendeu um começo de experiência profissional. No portfólio, Marcos coleciona ainda trabalhos como a ópera “Lo Schiavo”, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, além de trabalhos no backstage do Fashion Rio Moda Rio.
A partir daí, Marcos mergulhou de cabeça no mundo da TV, teatro, campanhas e editoriais de moda. Seu trabalho o destaca tanto que grandes nomes como Max Weber, um dos profissionais mais prestigiados do país, já o convidou para ser seu assistente em projetos como o musical “O Frenético Dancin’ Days”.
Assim como o restante do mundo, Marcos nos conta que sofreu bastante com o isolamento social e a paralisação do mercado. Após uma temporada intensa de carnaval, onde o meio artístico funciona sempre a todo vapor, atendimentos e projetos tiveram que ser cancelados. Recluso em casa, ele teve que repensar tudo o que estava fazendo na sua vida pessoal e profissional, afinar seu relacionamento com a família e segurar o turbilhão de emoções sendo preto, gay e morador da baixada fluminense em plena pandemia.
Neste momento, entretanto, Marcos vive uma retomada de suas atividades e projetos, trabalhando com medidas de segurança em um ramo que mudou completamente. Suas colaborações mais recentes foram em três clipes da banda As Baias, produções para a Semana de Moda de Paris e o clipe de “Rainha da Favela”, um dos principais hit lançados este ano por Ludmilla.
Confira abaixo nossa conversa com Marcos Weverthon, um dos nomes mais promissores no mercado brasileiro de beleza e que, além de tudo descrito acima, ainda assina a maquiagem de Priscila Tossan para a capa desta edição.
HÍBRIDA: Estamos em um ano bem turbulento e cheio de reviravoltas, como tem sido os últimos meses com isolamento social e mudança total dos hábitos?
MARCOS WEVERTHON: A quarentena foi complicada. Parei de trabalhar, fiquei literalmente parado o tempo todo em casa. Para ajudar na questão de saúde mental, resolvi estudar um pouco e pegar mais referências de trabalho, pedindo a Deus para que isso passasse logo. Com a flexibilização, voltei a atender clientes próximos de casa, fazendo descoloração e química, o que me ajudou. Foi bastante complicado, até mesmo pela questão de ir e vir, porque não tinha transporte para andar no Rio nem sair dele.
H: O universo da beleza faz parte do seu dia a dia, Como a maquiagem contribui na sua vida durante o isolamento?
MW: Durante o isolamento, comecei a fazer lives falando sobre maquiagem, o que ajudou a me distrair um pouco. Me maquiei várias vezes, fiz testes, alguns deles vocês podem ver no meu Instagram. Foi um boom pra mim, em questão de rede social, entender o quanto a internet foi importante nesse momento, como profissional e pessoa. Se tornou importante as pessoas me verem presente e o que eu faço. Isso me ocupou, fez com que eu criasse mais e aprendesse coisas novas.
H: Nos últimos anos, tivemos uma ascensão e melhor entendimento da estética negra pelo mercado de moda e beleza. O que significa para você ser requisitado por entender tão bem sobre a beleza para esse tipo de pele?
MW: A beleza da pele negra foi basicamente o que me inspirou a trabalhar. Sou morador de Belford Roxo, minha família é enorme, com muitas mulheres negras, retintas, que usam aplique, interlace ou às vezes raspam a cabeça. Só que elas fazem isso hoje. Acredito que elas servem de inspiração para mim e eu, de alguma forma, para elas, como exemplo de coragem para elas fazerem coisas que nem mesmo imaginavam, como ter o tipo de cabelo que queriam.
Essa praticidade e versatilidade que a mulher negra tem de se tornar diferente a cada minuto é muito bacana. É uma coisa que não foi valorizado há anos e eu sempre quis dar esse valor a elas, mostrar que são bonitas de uma maneira que não viam, porque ninguém falava ou porque diziam que elas estavam feias daquele jeito. Enquanto homem negro, sempre encontro mulheres com esse machucado de se sentirem feias pelo que outras pessoas falavam ou por não terem dinheiro para se cuidarem. Então, decidi fazer cabelo justamente para melhorar isso, não só para as mulheres como par os homens também, que se sentem outras pessoas.
Sobre esse boom da estética negra – de poder se reconhecer nos lugares, ver e se identificar com aquilo representado, ter pretos nos espaços -, isso é fruto da militância e da ocupação. Vemos muitas imagens por aí e não imaginamos toda a história por trás daquilo. Tocar no cabelo de uma pessoa preta é lidar com o interior da pessoa, com a autoestima dela. Entender as linguagens, fazer uma beleza que vai deixar aquela pessoa bem e confortável consigo mesma é essencial. Todos merecem ser bem tratados.
H: Quais têm sido as suas grandes inspirações no momento?
MW: Costumo brincar que minhas maiores inspirações estão muito perto de mim, que são meus amigos que trabalham na área, que me inspiram a procurar mais e ser grande, a chegar onde eles estão. Eu tenho uma inspiração muito forte na Solange Knowles, irmã da Beyoncé. Caramba, que paixão por essa mulher! Que trabalho incrível ela faz! Quando eu vejo os cabelos que ela usa nos clipes, editoriais e capa de revista, me sinto emocionado. É simplesmente o cabelo da mulher negra usado de várias formas diferentes, coisa que a gente já podia fazer muito antes e não sabia. As maiores inspirações, referências e o motivo pelo qual eu comecei a trabalhar também sempre foram as mulheres negras que estavam do meu lado, minha mãe, minha tia e minha irmã.
H: Observando sua trajetória até aqui, o que você diria para o Marcos do passado?
MW: Se você soubesse que tudo o que está fazendo está no caminho certo, com certeza teria feito tudo muito antes. Então, continue ralando para um dia poder gritar bem alto onde você está!
H: Persistir no que acredita é sempre o melhor caminho, desejo muita sorte na sua caminhada.
MW: Muito obrigado!
TIAGO BASTOS