O APOCALIPSE COR-DE-ROSA EM “OS ÚLTIMOS ROMÂNTICOS DO MUNDO”
por JOÃO KER
Com um futuro distópico e cor-de-rosa liderado por um casal gay e um elenco extremamente queer, o curta “Os Últimos Românticos do Mundo” arrebatou a crítica e o público na primeira edição do Pajubá – Festival de Cinema LGBTI+ do Rio de Janeiro. Dirigido pelo pernambucano Henrique Arruda, de 30 anos, o filme levou o Prêmio Híbrida, Melhor Ficção e o Troféu Madame Satã de Atuação (para Sharlene Esse).
Gravado em Recife, Jaboatão dos Guararapes e em Bonito, no interior de Pernambuco, o curta é a primeira produção de Arruda filmada no Estado em que nasceu, depois de outras duas rodadas no Rio Grande do Norte. Formado em jornalismo, o diretor conta que “Últimos Românticos” foi influenciado pelo irmão de 25 anos, Matheus Arruda, e é fruto de um processo colaborativo feito a muitas mãos para criar a atmosfera única do filme.
“A minha cabeça é uma loucura e minhas referências são um caldeirão. Vem muito de videoclipes, imagens prontas… A Xuxa também sempre foi uma referência muito forte pra mim, aquela visão da Super Xuxa contra o Baixo Astral e aquela coisa louca de Thelma e Louise”, explica.
Com essa poção de Ridley Scott, videoclipes dos anos 1980, Xuxa e a estética tecnobrega, Henrique Arruda entregou uma das visões criativas mais empolgantes do cinema independente brasileiro, possível graças a um Edital Funcultura do Audiovisual de Pernambuco. Abaixo, ele conta em entrevista à Híbrida seus próximos projetos para expandir o universo do curta, adianta que pensa em transformar a história em um longa-metragem e comenta dos desafios de fazer cinema no Brasil.
HÍBRIDA: “Os Últimos Românticos do Mundo” parece criar um universo único a partir de mil e uma referências. O que te inspirou durante o processo criativo do filme?
HENRIQUE ARRUDA: Videoclipes de nomes como Cindy Lauper e Bonnie Tyler, acho que “Total Eclipse Of The Heart” tá no meu top 3 dos anos 1980. Era algo que eu queria fazer, em cima dessa versão clichê e pop mesmo, que o cinema norte americano exagera, mas que eu particularmente adoro. Em termos românticos, sempre aponto para milhões de coisas. O episódio “San Junipero”, de “Black Mirror”, que fizeram antes de mim, mas eu quis pegar também. Costumo dizer que Ridley Scott é dono do pai e da mãe do “Românticos”, que seriam “Blade Runner” e “Thelma e Louise”.
Também amo a estética tecnobrega. A Pabllo lançou o Batidão e, meu deus, é a infância de todas as gays nordestinas. A Magexy, por exemplo, é essa drag queen brega, com dois cones de cuscuz, mas ela é futurista.
H: Tem também uma grande influência do camp e do cinema do John Waters. Isso chegou a passar pela sua cabeça?
HA: Claro, a própria Divine, inclusive, ainda quero fazer algo muito mais linkado com a figura dela, que obviamente era a musa do John. Tanto que vai não vai, coloco a Divine como ícone de alguma coisa minha na internet. Sou absurdamente fã dela.
H: Como foi contar com o apoio de um edital pra esse filme?
HA: Foi meu primeiro com edital. Os dois primeiros filmes foram financiados de várias formas, com campanhas no Catarse, festa, variou muito. O “Românticos” eu sempre soube que precisaria de algum edital pra fazer, porque era um projeto mirabolante. Mas é aquilo, quanto mais a gente tem, menos a gente tem na verdade (risos).
A equipe era grande, a gente queria ir pra estrada, então foi faltando. O carro foi sumindo do filme porque não tínhamos grana pra lidar com ele, a proposta inicial era muito mais road movie. Contornamos muita coisa com a criatividade incrível da equipe. Como trabalho muito com arte, minha pegada era essa. Tive longas conversas e trocas de ideias com a Carlota Pereira, diretora de arte. Esse peito que sai fogo na Magexy parecia impossível!
H: Como foi criar essa estética tão abrangente e com limitações no orçamento, mas uma equipe tão aberta ao diálogo?
HA: Foi lindo, uma experiência incrível. Quando eu cheguei no set já era outra dinâmica. Mas minha escola é guerrilha, então já estou acostumado em transformar dois reais em dois mil (risos).
Fui muito feliz na equipe de arte, a gente virou irmã depois do filme. Carlota é uma lenda por aqui, já fez vários trabalhos incríveis como “Tatuagem”, do Hilton [Lacerda]. A gente foi se aproximando muito, porque as duas são loucas. E foi ela quem trouxe Carlota Pereira, [Maria] Esther [Albuquerque], que ficou com o figurino. Desde sempre, a gente queria viajar e fazer um filme cor de rosa, então nosso olho sempre ia pra essa cor. Queríamos a paleta de um futuro meio desgastado, um 2050 muito retrô pela própria narrativa, pelos mais velhos. Como estamos contando a história desse casal mais velho, o futuro é na verdade um passado.
H: Quais foram os principais desafios nesse quesito?
HA: Me lembro que a gente construiu do zero o motel que eles vão, e o coração de luzes também era um ícone muito presente. O cenário do motel é incrível, Carlota construiu tudo de madeira e a gente filmou tudo no mesmo prédio, o Edifício Pernambuco, só mudávamos de andar para as cenas internas.
O camarim a gente colocou na cobertura do prédio, o motel foi no andar da pré-produção, e a boate foi em outro andar abandonado, onde puxamos luz e fizemos instalações elétricas. O objetivo era transformar o barato numa estética futurista, meio kitsch e camp, construindo a partir disso. Essa pegada tem sido recorrente no que eu tenho feito, e também fala muito sobre esse “futuro de papel laminado”. Trabalhamos com materiais muito baratos e assumimos essa estética. A peruca de Magexy é feita de “chicote”, de papel laminado.
H: E como você chegou ao elenco certo para esse projeto?
HA: Fiz uma chamada uns cinco meses antes de filmar, quando descobri o Cadu [Carlos Eduardo Ferraz], que faz o Pedro/Magexy. Ele acabou se tornando um amigo e ajudou na pesquisa para achar Miguel [Mateus Maia]. Eles trabalhavam juntos no mesmo espetáculo. Eu até chorei na hora do teste.
Foi um processo de imersão mesmo. Todos estavam desde o comecinho ensaiando, criando, com muita construção de todos juntos. Os meninos improvisaram coisas e falas que entraram no filme, é um elenco que eu tenho muito carinho.
H: Você já tem ideia de qual vai ser o próximo curta ou longa?
HA: Ainda tá muito foda pensar em set por causa da pandemia, estamos viveno um rolé muito louco de quase dois anos. Mas As Lunáticas [banda de drag queens que aparece em “Românticos”] vão originar um novo filme. Nós amamos tanto que, assim que acabou, fui escrever o curta delas. Devemos gravar no ano que vem. Já tá aprovado e teríamos começado antes se não fosse a pandemia. Originou um outro universo, mas não está relacionado ao roteiro original. É a história da banda, meio que num “Arrudaverso”.
Paralelo a isso, ainda estou começando a trabalhar no longa-metragem dos “Românticos”. Ainda me sinto pequeno em algumas coisas, sempre me pego adiando isso, mas a circulação do curta foi tão linda que estou pensando nisso e indo em busca de financiamento direto.