TOBIAS CARVALHO: “RELAÇÕES SÃO O MAIOR DESAFIO DE TODO MUNDO, A VIDA TODA”
por CLAUDIA TAJES
Gaúcho nascido em 1995, Tobias um dia percebeu que não precisava esperar os cabelos embranquecerem para ser escritor. Pelo contrário. Foi em sua primeira oficina de escrita criativa que as ideias e a sensibilidade do menino formado em Relações Internacionais pela UFRGS viraram os contos de As coisas, lançado pela Editora Record e vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2018.
Em “As coisas”, um dos nomes dos órgãos sexuais masculinos no livro, Tobias Carvalho fala das relações de jovens gays que vivem em sua cidade, Porto Alegre, a partir de um personagem que alicerça todo o livro – e é quase impossível o leitor não cair na velha armadilha de identificar o autor com sua criação. Embora situado no universo dos aplicativos de pegação e de um sexo sem maiores compromissos – ainda que com a dose de envolvimento possível em uma trepada -, Tobias acha espaço em sua obra para a solidão e a melancolia da melhor literatura de qualquer tempo. Jean Genet aprovaria.
Em seu segundo livro de contos, Visão noturna (Editora Todavia, 2021), os personagens de Tobias entram e saem de sonhos, quase sempre sendo tragados por eles, em mais uma amostra do talento original do autor. O livro foi vencedor nas categorias Contos e Livro do Ano do Prêmio Açorianos de 2023. Agora, em agosto, chega às livrarias Quarto aberto, romance em que ele retoma a temática LGBTQIA+.
“Na verdade, ‘Quarto aberto’ foi minha tentativa de escrever uma história de amor clássica, mas num cenário quase que exageradamente contemporâneo. No fim das contas, os aplicativos são mais uma forma de a gente querer se conectar, certo? Até a relação casual é uma forma de estar perto do outro, preencher o vazio desse vácuo em que a gente vive, num mundo cada vez mais barulhento e caótico.”
“Quarto aberto”, que já está em pré-venda no site da Companhia das Letras (aqui), é mais um capítulo do interesse de Tobias pelo humano. “Mudam os formatos, as plataformas, mas os sentimentos são os mesmos já há alguns séculos. E é sobre isso que a gente quer ler, eu acho. Histórias sobre relações complicadas entre pessoas, que são talvez o principal desafio de todo mundo, durante toda a vida.”
A seguir, uma conversa com Tobias Carvalho especialmente para os leitores da Híbrida.
HÍBRIDA: Quem foi o menino Tobias?
TOBIAS CARVALHO: Eu era um guri meio brabo, confuso com os próprios sentimentos, como acontece bastante com crianças LGBTQIA +. Essa parte da vida é meio solitária, né? As outras crianças podem ser más quando querem. Mas não continua assim pra sempre. Depois da adolescência, melhora bastante. Talvez por eu ter crescido num momento histórico em que a aceitação se acelerou num ritmo louco, vi essa melhora com mais clareza.
H: Quando você percebeu que escrever era o que queria fazer da vida?
TC: Eu lembro de querer ser escritor assim que comecei a me encantar pelos livros, ali pelos nove anos de idade. Mas por muito tempo achei que só ia realizar esse sonho bem velho, aposentado, depois de ter uma profissão séria, não relacionada com a escrita. Só ali com 20 anos, depois de fazer uma oficina de criação literária por um tempo, decidi que não precisava esperar tanto tempo.
H: Escrever sobre a experiência gay ajudou você a se afirmar como a pessoa que é?
TC: De certa forma, sim. Pra mim já era uma questão tranquila, mas começar a publicar botou tudo em outra perspectiva. Meu avô, por exemplo, não sabia que eu era gay até meu primeiro livro sair. Foi uma maneira fácil, útil, de tirar isso do meio do caminho. Na época, tinha gente que dizia que a maneira como eu escrevia sobre sexo era corajosa, mas eu só queria que fosse sincera. Porque o sexo é um elemento importante nos relacionamentos. Eu queria retratar isso de uma forma verdadeira, sem muito pudor.
H: O leitor costuma identificar o autor com seus personagens. Quanto do Tobias tem em As coisas?
TC: Dizem que todos os personagens são facetas do autor, possibilidades diferentes de reagir às situações. Acho que tentei botar bastante da minha visão de mundo no As coisas. Mesmo que não fossem situações que aconteceram comigo, mesmo que eu não concordasse com o personagem, eu queria trabalhar com aquela estética, trazer pro livro algo que me parecesse verdadeiro e que ainda não tinha aparecido tanto na literatura contemporânea.
H: No seu segundo livro, você muda de foco, por assim dizer. Como nasceu Visão noturna – para além da ideia de escrever sobre uma temática diferente?
TC: Depois do As coisas, decidi que dessa vez eu queria fugir da temática LGBTQIA+. Achei importante que o segundo livro deixasse claro que eu não precisava de uma temática pra escrever. E aí decidi experimentar mais, entrar no terreno do insólito, variar o perfil dos personagens. Visão noturna tem quatro histórias: um homem que se apaixona por uma mulher dentro de um sonho; uma menina que sofre queimaduras sérias num aniversário e muda a dinâmica entre a aniversariante e a mãe; uma jornalista que investiga uma seita esquisita no Pantanal; e um escritor que tem sonhos eróticos recorrentes com os bullies da infância. Já que me perguntavam bastante sobre a autobiograficidade do As coisas, quis inserir nessa última história um personagem que parecesse comigo — só pra rechear a história com surrealismo, jogando ela pra um desfecho impossível, fantástico.
H: E então você chegou ao seu primeiro romance, Quarto aberto, que sai agora em agosto. Pode falar sobre ele para os nossos leitores?
TC: Quarto aberto é narrado pelo Artur, um guri de 22 anos que mora com o namorado em Porto Alegre e tem com ele um relacionamento aberto — apesar de que nada foi exatamente combinado, não teve uma conversa clara. Artur então passa a se envolver com um casal de guris; eles têm mais grana, parecem mais confiantes, representam uma novidade que o Artur quer experimentar. Ele vai então se emaranhando nessas relações, tentando equilibrar os pratos e percebendo como é difícil. Talvez porque toda relação é um desafio: botar pessoas com bagagens diferentes pra conviver. Escancarar os traços da personalidade que a gente só nota quando está num relacionamento. Ah, também: o Artur é drag queen. Alguns outros conceitos com os quais os gays estão familiarizados também aparecem: poppers, jockstraps. Coisas assim.
CLAUDIA TAJES
Claudia Tajes é escritora, roteirista e colunista. Atualmente trabalha e mora no Rio de Janeiro. Junto com Theo, seu filho, forma uma dupla que faz filmes e entrevistas por aí.