por JOÃO KER
“Eu vou fazer três anos de carreira, mas hoje que estou entendendo tudo”, comenta Thiago Pantaleão, de 25 anos, sobre sua ascensão meteórica como uma das principais revelações e apostas do pop brasileiro.
Menos de um ano após lançar seu disco de estreia, Fim do Mundo, o artista de Paracambi, na região metropolitana do Rio, conseguiu emplacar uma música entre as mais virais do País, se apresentou no Prêmio Multishow, nos principais trios elétricos do carnaval deste ano, emplacou hits nas principais rádios do País e acumulou 2,5 milhões de seguidores nas redes sociais, dentre os quais mais de 420 mil são ouvintes mensais do seu trabalho no Spotify.
Thiago Pantaleão veste calça LED. Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
“Só queria chamar atenção de uma galera que se identificasse comigo, sabe?”, diz Thiago sobre o que, hoje, ele considera uma mistura de comunidade e família construída com o apoio dos seus fãs. Seus videoclipes já acumulam mais de 12 milhões de visualizações só no Youtube. Antes mesmo de ganhar uma versão deluxe, o álbum também já tinha alcançado mais de 22 milhões de plays entre todas as plataformas de áudio e vídeo.
Nas últimas semanas, Thiago se apresentou pela primeira vez na Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, a maior do mundo, onde dividiu com Majur o trio elétrico da L’Oréal com o Mercado Livre. Poucos dias depois, ele foi um dos apresentadores da programação especial do TVZ, no Multishow, para o mês de junho.
No programa, o artista mostrou um conjunto de desenvoltura, bom humor, espontaneidade e rebolado cariocas enquanto recebia convidados Mateus Carrilho e Gloria Groove, com quem dividiu os vocais em uma versão quase acapella de “É isso aí”, a versão brasileira lançada em dueto de Ana Carolina e Seu Jorge para “The Blower’s Daughter” (originalmente por Damien Rice) há quase duas décadas.
“A música teve esse papel importante de autoconhecimento, liberdade, de entender que era só uma questão de lugares onde eu queria estar”
Thiago Pantaleão veste tanga LED. Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
Foi exatamente para provar sua versatilidade vocal e artística que ele decidiu lançar uma versão deluxe de Fim do Mundo, com quatro novas faixas, incluindo remixes de funk e releituras acústicas. “Queria mostrar mais recurso vocal e me colocar em outro posicionamento artístico, de que eu canto e tem uma outra levada que posso e quero seguir também.”
As influências do R&B marcadas na forma de cantar as baladas “Tudo em seu lugar” ou “Konoha”, ele conta, vieram de casa, onde ouvia com os pais os hoje extintos DVDs piratas com seleções de 200, 300 músicas pop que estavam em alta na época ou já eram atemporais àquela altura. Assim, ele foi introduzido ao suprassumo vocal de artistas como Mariah Carey, Destiny’s Child, Beyoncé, Christina Aguilera, Whitney Houston, Michael e Janet Jackson.
“Pensei ‘isso aqui que é arte, é vida'”, lembra. “Comecei a ver que existia um mundo lá fora. A música teve esse papel importante de autoconhecimento, liberdade, de entender que era só uma questão de lugares onde eu queria estar e podia conquistar mais.”
Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
DESEJO E ACOLHIMENTO
O primeiro contato de Thiago Pantaleão com a música foi através das igrejas onde os pais eram líderes de louvor em Paracambi e outros municípios próximos no “interior” da Baixada Fluminense. Para quem não está familiarizado, a cidade pertence à Região Metropolitana da capital fluminense, mas pertence ao Vale do Café (daí o clima rural de “interior”) e está a mais de 80 quilômetros do centro, o que dá algumas horas de transporte público, a depender do trânsito carioca e do método escolhido.
“Minhas memórias musicais e no geral foram dentro de casa e na igreja, era basicamente isso que eu vivia”, conta. “Inclusive aprendi muito e acho que tenho muita noção de vida, no geral, por causa desse conflito.”
Para uma “criança sensível”, fã de princesas da Disney e outras coisas “femininas”, a falta de referências LGBTQIA+ próximas e a pressão de ter os primeiros desejos sexuais por outros rapazes enquanto frequentava uma igreja conservadora começaram a pesar. “Vi que isso era considerado ‘errado’ desde pequenininho, pelas pregações, por tudo que eu escutava e vivia.”
Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
“Tive muitas experiências de conflito, em que precisei sair daquele momento para entender com uma visão maior o que estava realmente acontecendo. No início, foi difícil”, admite. “Durante anos, questionei a minha sexualidade e quem eu sou. Isso mexeu muito com a minha autoestima também. Tinha mais uma sensação de estar deslocado e não pertencer, sabe?”
Para uma criança ou adolescente LGBTQIA+ criado em uma família religiosa no início dos anos 2000, não parecia haver saída possível para evitar a culpa, a rejeição e o isolamento social que não envolvesse reprimir seu desejo e tentar encaixar sua personalidade nos dogmas da igreja. “Foi puxado, porque quando percebi que eu era aquilo, não conseguia tirar isso de mim. Eu orei para parar, chorava de joelhos. Chegou a um ponto de ficar muito pesado e eu não suportar mais a vida. Não aguentava mais estar decepcionando algo que me fazia tão bem. Era fazer e me arrepender”, lembra Thiago.
Apesar de ainda manter um lado religioso “do seu jeito”, foi por “não conseguir mais controlar” seus impulsos que contou à mãe, Bianca, que “sentia atração pelos caras” aos 16 anos. “No primeiro momento, ela ficou meio assustada, mas já me acolheu de cara.” Logo, a relação dos dois mudou para melhor.
“Minha mãe tem um papel importante na minha desconstrução. Porque as marcas de não ser aceito podem ficar com você, talvez, pela vida toda”, explica o filho. “A gente era do interior e ela não tinha referência nenhuma na vida do que fazer, porque lá não existiam LGBTs assumidos. Mas foi o coração de mãe mesmo. Ela só disse que tinha medo do que ia acontecer da porta pra fora. E aí começou a ser nós dois contra o mundo.”
Até o pai, Ivan, que descobriu a sexualidade do filho por acaso, ao se deparar com uma foto dele beijando o namoradinho na proteção de tela do celular, se acostumou rápido com a ideia de ter um filho gay e começou a falar: “Tem Elton John, tem Freddy Mercury, bora pra cima”. “E aí a gente se aproximou ainda mais”, diz Thiago.
Thiago Pantaleão veste capa LED. Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
PRA CIMA
Com o acolhimento da família e a liberdade de viver os desejos que reprimia “desde quando via os moleques jogando bola de shortinho”, Thiago ainda precisava encontrar uma “comunidade” para chamar de sua. A personalidade avessa às baladas era um empecilho, mas também como todo bom jovem dos anos 2000, ele logo descobriu que essa liberdade poderia estar a alguns cliques de distância.
“O primeiro beijo homoafetivo que eu vi foi na internet, buscando conteúdos na madrugada”, lembra rindo. “Aquilo me impactou muito e comecei a entender do que eu gostava – ao mesmo tempo em que existia o conflito de que isso era considerado errado e pecado.”
Das mensagens no Facebook e matches do Tinder às salas de bate-papo do Grand Chase e outros jogos de RPG online, Thiago foi aos poucos encontrado no virtual a comunidade LGBTQIA+ que sentia falta na vida real. Não à toa, foi assim que ele começou a desenvolver sua autoestima e se sentir bonito, à medida em que postava vídeos com o resultado da academia.
Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
“Comecei a malhar, postar vídeo dançando sem camisa e notei que a galera me achava bonito. Porque até então ninguém da minha cidade achava, e isso me deixava puto, triste da vida, com crise de autoestima”, lembra, confessando também que sempre gostou “de chamar muita atenção”. “Daí comecei a receber muitos elogios e entendi que era bonito na internet.”
“Na época, eu ainda namorava meninas, mas vivia o dilema de querer muito namorar com um moleque”, diz. “Durante um tempo, isso ficou muito dentro de mim, eu com muita vontade. Quando fiquei (com um menino), já me assumi. No interior, isso era direto gay, não tinha meio-termo.”
“Vivi um tempão ficando com rapazes e, hoje, é o que eu mais sinto atração, por praticidade e por preferir mesmo”, diz.
– Mas então você não descarta pegar meninas?
– É… É mais provável (sentir atração) por um homem, mas tem (vezes em que isso acontece). Eu me apaixonei por uma menina pela última vez quando tinha 16, 17 anos. Mas atração eu sinto também, só que bem menos do que por homem. Não tem como, homem é muito bom.
– É, não tenho como discordar disso.
– Risos
VIRAL
Foi na internet também que Thiago Pantaleão deu os primeiros passos na carreira de artista. Aos poucos, os vídeos de malhação foram dando espaço para outros em que o jovem, agora com 20 anos, interpretava suas primeiras canções autorais que compunha no Type Beat quando abandonou o trabalho em um cursinho de inglês. Até que, na sétima publicação, ele conseguiu chamar a atenção de ninguém menos que Marília Mendonça.
“Ela compartilhou meu vídeo no Twitter, o que deu uma repercussão absurda”, conta Thiago, ainda meio incrédulo com a sorte de receber o aval de uma das maiores e mais unânimes artistas dos últimos anos. “Logo em seguida, a Maísa e outros artistas compartilharam também. O nome da música era ‘Tipo Iza’ e acabou chegando nela. Fiquei desnorteado.”
Dali em diante não demorou muito para que Thiago começasse a viver o sonho de trabalhar profissionalmente com a música. Em poucos meses ele assinou com o escritório da Liga Entretenimento e, no segundo ano de carreira, lançou seu primeiro disco, Fim do Mundo, pela Slap, selo da Som Livre, altura essa em que já tinha emplacado uma música (“Te deixo crazy”, com o fenômenos Danny Bond) entre as mais virais no Spotify do Brasil.
“Comecei a viver quando comecei a fazer música, no estúdio, e a me descobrir junto com o processo de ser artista”, confessa Thiago. “Até então, eu era muito garoto interiorano. Não fazia nada, não sabia o que era viajar. E assim nasceu o álbum.”
Assim e com a ajuda de alguns dos principais produtores do pop nacional, como Pablo Bispo, Ruxell, Lukinhas e Day Limns, mesmo time responsável por algumas das canetadas que impulsionaram sucessos de Anitta, IZA, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Anitta e Rebecca. O resultado é uma colagem de ritmos com misturas de funk carioca, baixos, guitarras e sintetizadores que soa familiar e difícil de desgrudar da mente.
Mas é a ousadia das letras que acaba marcando a principal virada de chave proposta por Thiago no pop brasileiro. Por mais que já tenhamos nos acostumados a ver e ouvir mulheres empoderadas como Anitta, Luísa, Pabllo, Gloria e IZA cantando sobre os próprios desejos e fantasias sexuais sem pudor, uma figura masculina, declaradamente gay e sem os artifícios da arte drag ainda é raridade no cenário atual, principalmente no mainstream.
Foto: Gabriel Marques. Beleza: Gui Chapina. Styling: Gabriel Saraiva.
Assim, Thiago aparece nos clipes de shortinho, rebolando com o abdômen definido à mostra enquanto canta que “de dia é dama e de noite vagabundo”, “lambe tudo” na Lamborghini e está “com a calcinha enfiada no…”. Tem até espaço para uma fantasia meio hentai de um possível romance entre Naruto e Sasuke, em “Konoha”. O choque dessa persona, ele diz, é premeditado.
“Não me preocupo muito sobre como isso vai reverberar negativamente. Fico pensando como atinge a pessoa que precisa e agregar na vida dela. Não vejo caô nenhum de me expressar. Porque eu sempre consumi funk, por exemplo, e desde pequeno era o cara falando do corpo da mulher e das experiências sexuais”, diz. “Nunca vi um cara falando da experiência dele com outro homem no funk. E é algo natural.”
Ele também reforça que o personagem apresentado no palco não é necessariamente quem ele é o tempo inteiro. “Como comecei a viver tudo muito rápido, queria muito ter esse grito de liberdade. De falar o que sou, o que eu quero. Às vezes, nem sempre o que eu fiz, mas coisas que tenho vontade de fazer e personas que criei”, explica.
Ficção ou realidade, os nudes que posta em seu OnlyFans ou até mesmo no Twitter acabam chamando a atenção dos fãs de uma forma, hum, especial? “Acontece muito de a galera chegar dando mole e mandando nude. Mas eu tento ser carinhoso.”
– Se alguém que estiver lendo a entrevista quiser ficar com você… O que a pessoa precisa ter pra te conquistar?
– Ser engraçado. A pessoa tendo bom humor, eu já fico assim… Se gostar de anime, X-Men e coisas do meio geek, aí já era. E jogar também. Não precisa ser tudo ao mesmo tempo, pode ser uma coisa ou outra.
– E o que você não curte?
– Pessoa chata, que reclama o tempo todo. Não consigo lidar com pessoas negativas. Uma coisa é ter traumas e questões, outra coisa é ser chato e negativo. E a pessoa que não acha graça das coisas, mais “seriona”. Não é muito a minha vibe.
“FALEM BEM OU FALEM MAL, MAS FALEM DE MIM”
Como tudo e todos que fazem sucesso, Thiago Pantaleão conquistou admiradores, mas também movimentou críticos ferrenhos à sua pessoa e ao seu trabalho. Ou, como ele mesmo define, os haters. Nas redes sociais, eles criticam a forma de dançar, os figurinos, a viadagem, o alcance vocal e o corpo do artista e do ser humano por trás da tela. Grande parte desses comentários de reprovação, inclusive, vem de pessoas da própria comunidade LGBTQIA+.
“A gente tem criado o hábito de compartilhar muito ódio com os artistas. Ataques de ódio em forma de opinião. Isso virou um movimento cada vez mais comum. E aí mistura muito com o racismo, a questão de ser brasileiro…”, avalia. “Porque aqui, pelo menos no pop, temos muito o costume de endeusar artistas internacionais, mas, quando chega um nacional, não tem tanto valor assim.”
Criado na internet, ele logo aprendeu que o engajamento, da forma que fosse, podia ser positivo para a sua carreira e passou a abstrair os ataques online da mente. “Isso vem muito da vontade de ser e não conseguir, do desejo reprimido. No início, eu não tinha muita noção porque cheguei de paraquedas no bagulho. Mas entendi que não é pessoal. Não é comigo, mas com a pessoa que está depositando o ódio dela ali”, explica. “Essa não é muito a minha vibe e a minha energia, então procuro não me afetar porque não faz sentido pra mim.”
“Também tento tirar proveito disso. Se a pessoa quer chamar a atenção, eu acabo dando atenção pra ela, até de um jeito debochado”, ri. “A galera fica no meio-termo, entre gosta ou não gosta? É artista ou não é? A música é boa ou ruim? Aí tem gente em cima do muro, a galera que me defende – e é por isso que eu faço o que faço, porque virou uma família – e quem me critica pra caraca. Daí eu lembro de um vídeo da Jojo (Toddynho), que ela fala: ‘Quem te critica, vai pagar o leite?'”.
Nas redes, não é difícil encontrar trocas de Thiago ironizando o ódio que recebe, ao mesmo tempo em que exalta os incentivos da “família” que construiu. Aos críticos cegos, ou melhor, aos haters, é bom lembrar que a última cria de uma quebrada carioca com esse nível de sagacidade em lidar com o público, desafiar a crítica, aproveitar o engajamento do ódio, explorar seu sex appeal e apostar no funk acabou parando num disco da Madonna, no palco do VMA e no topo da parada global da Billboard.
E, se depender da ambição e dedicação de Thiago, ele também chega lá: “Estou trabalhando muito para crescer artisticamente, mostrar mais do que posso fazer, mais músicas tristes, mais músicas felizes pra mexer a raba, e mostrar a minha experiência. Quero muito continuar fazendo o que estou fazendo e atingir mais pessoas”, deseja.
“Vai ter alguma pessoa que vai ler o comentário negativo, escutar minha música e gostar. Então, falem bem ou falem mal, mas falem de mim.”
JOÃO KER_repórter, texto e produção
Mineiro de nascença e carioca de alma, João é formado em jornalismo pela UFRJ e já passou por empresas como Canal Futura, Jornal do Brasil, Sony, Yahoo e The Intercept, antes de lançar a Híbrida. É também repórter do jornal O Estado de S. Paulo.
GABRIEL SARAIVA_stylist
Formando em relações internacionais e trabalhando com moda a mais de 2 anos. Faço styling e produção para todo tipo de trabalho que envolva criação e desenvolvimento de imagem.
PEDRO CASTILHO_edição criativa
Apesar de publicitário por formação e trabalhar como gerente de operações em um estúdio criativo, sou apaixonado por moda e pelo processo de criação de imagens. Então meu hobby é criar histórias e pensar em imagens e que contém essas narrativas. Sou do interior do Paraná, já morei no Rio de Janeiro, e todo meu repertório foi sendo construído através das referências e subjetividades dos lugares que passei.
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Fotógrafo baseado em São Paulo, nasceu em Fortaleza, onde estudou Cinema e Audiovisual. Nascer na margem do Brasil despertou sua curiosidade pelo mundo, novas tecnologias e modos de vida. Esse background faz com que suas imagens sejam uma ponte entre o mundo real e visuais
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GUI CHAPINA_beleza
Formado em Publicidade pela Universidade Belas Artes de São Paulo, ja ganhou prêmios de melhor maquiagem no cinema nacional. Versátil e criativo, Gui trabalha com caracterização, efeitos especiais e perucaria para moda, publicidade e teatro, além de dar vida à Bixa Fina, sua Drag Queen, o que traz referências aos seus trabalhos.