O Brasil registrou 89 mortes de travestis e transexuais no primeiro semestre deste ano, 80 delas por assassinato e as outras nove por suicídio, aponta o novo boletim da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Seguindo o perfil levantado pela entidade nos últimos anos, a maioria das vítimas era negra, do gênero feminino e tinha entre 13 e 35 anos, abaixo da expectativa de vida da população T no País.
Um dos destaques do documento é o assassinto de Keron Ravach, a adolescente trans de 13 anos que foi assassinada ainda no início do ano em Camocim, no interior do Ceará. Ela se tornou a vítima mais jovem da transfeminicídio que se tem registro no Brasil, desde que a Antra começou a contabilizar os assassinatos, em 2017.
Keron é o retrato de uma expectativa de vida cada vez menor para travestis e transexuais brasileiras. Ainda no ano passado, a média de idade das vítimas era de 29 anos, seis anos abaixo da expectativa oficial de 35 e muitas décadas a menos que os mais de 75 anos que a população cisgênera do Brasil vive.
O total de vítimas neste primeiro semestre aponta para uma melhora contra o mesmo período do ano passado, quando foram registrados 100 casos de transfeminicídio no Brasil. Ainda assim, a Antra aponta em seu boletim que dados da Human Rights Campaign registraram apenas 29 ocorrências similares nos Estados Unidos durante o mesmo período.
“Não há o que comemorar. A queda acontece após um 2020 altamente violento, mesmo com a pandemia do novo coronavírus. No ano passado, o país teve uma alta desproporcional dos assassinatos após dois anos consecutivos de queda. Há que se ter cautela em afirmar qualquer tendência em definitivo”, frisa o documento.
Apesar de a maioria dos assassinatos manter-se concentrada em São Paulo, Ceará, Bahia, Minas Gerais, Rio e Paraná, o boletim da Antra aponta com preocupação a onda recente de ataques transfóbicos em Pernambuco ao longo de junho. Em poucas semanas, pelo menos cinco casos foram registrados no Estado, incluindo o de Roberta Silva, 32 anos, travesti em situação de rua que teve 40% do corpo queimado por um adolescente e está internada em estado grave na UTI.
O ataque a Roberta integra um total de 33 tentativas de assassinato registradas pela Antra contra travestis e transexuais no primeiro semestre. “São casos de estupros coletivos, corpos incendiados, vítimas de tentativas de execução, pessoas atiradas de dentro de veículos em movimento, espancamento, sequestros, desaparecimentos etc.”, explica o boletim.
A entidade também mapeou pelo menos 27 violações de direitos humanos contra a população trans, desde as ameaças de morte e perseguições políticas a parlamentares eleitas, como Benny Briolly, Carolina Iara e Érika Hilton, além das práticas de cyberbullying. “É um tipo de comportamento repetido, com intuito de assustar, inferiorizar ou envergonhar as vítimas.”
Como recomendação para a mudança desse cenário, a Antra indica uma série de ações que podem ser tomadas a nível nacional e de forma institucional:
- Criação de protocolos policiais para o enfrentamento à violência LGBTIfóbica, assim como o correto atendimento e abordagem da população por agentes de segurança pública;
- Formação, sensibilização e educação de agentes públicos em todas as áreas, mas especialmente da segurança pública;
- Criação de órgãos de proteção a vítimas de violência e espaços destinados a mulheres trans vitimas de violência doméstica;
- Veiculação de campanhas públicas que incluam a diversidade; coleta e análise de dados sobre violências, tentativas de homicídio, assassinatos e violações de direitos humanos contra a população de travestis e demais pessoas trans;
- Combate à impunidade e à subnotificação de abuso e violência;
- Apoio e incentivo ao trabalho de monitoramento da violência com a celebração de parcerias com as instituições da sociedade civil que atuam na área;
- Garantia de políticas emergenciais específicas para enfrentar os impactos da pandemia de covid-19 na população trans, com atenção às profissionais do sexo, moradores de favela e da periferia, pessoas em situação de rua, egressas do sistema prisional e aquelas privadas de liberdade e sistema socioeducativo;
- Criação e implementação de medidas legais e políticas antidiscriminação, assim como ações afirmativas/medidas positivas no campo da educação e do emprego;
- Implementação de locais de abrigamento para as pessoas LGBTI+ expulsas de casa e/ou em situação de rua;
- Garantia politico-administrativa de programas sociais, projetos, serviços e benefícios de atenção acessíveis às travestis e demais pessoas trans;
- Incluisão no currículo escolar de temas ligados à educação sexual inclusiva e à tolerância à diversidade.