A união entre figuras religiosas e integrantes da comunidade LGBTQIA+ parece improvável atualmente. Tanto que é difícil imaginar de que modo uma personalidade importante da vertente cristã como a evangelista Tammy Faye chegou a ser considerada ícone do movimento por trazer acolhimento num dos momentos históricos mais vulneráveis para essa população.
O História Queer de hoje vai contar um pouco sobre a ascensão, queda e renascimento da notável apresentadora cristã que ganhou notoriedade na década de 1980, nos Estados Unidos, ao abraçar a comunidade LGBTQIA+ durante o ápice da epidemia do HIV/Aids.
Faye nasceu em 7 de março de 1942, na cidade de International Falls, estado de Minnesota. Filha de pastores neopentecostais, ela começou a falar em línguas aos 10 anos e, pela surpresa e impacto da experiência, prometeu dedicar sua vida a Deus.
Durante seu percurso numa universidade da cidade de Minneapolis, conheceu Jim Bakker, com quem veio a se casar em 1961. Nos primeiros anos de matrimônio, os dois percorreram os EUA para espalhar a palavra do cristianismo. Enquanto ele pregava, ela ficava encarregada de cantar músicas para as crianças.
Durante seu auge, o PTL chegou a ser transmitido para mais de 13 milhões de TVs nos EUA. Tammy, além de apresentadora do The Jim and Tammy Show, também produzia outros programas, como o Tammy Faye’s House Party – uma atração de variedades ligada aos tópicos do momento que incluía, dentre outros, entrevistas, apresentações musicais e dicas de como cuidar da própria casa.
Nesse período, Faye já atraía a atenção do público LGBTQIA+ pelo seu charme camp: famosa por utilizar roupas extravagantes, maquiagens pesadas e penteados elaborados, ela falava com o telespectador através de uma genuína emoção – o que a distinguia de demais televangelistas (incluindo o próprio marido), que a acusavam, pejorativamente, de ser demasiado excêntrica.
Mas o grande impacto da apresentadora com o público queer veio em 15 de novembro de 1985, quando convidou o pastor Steve Pieters, que então vivia com HIV, a um dos programas da PTL para discutir seu diagnóstico, fé e sexualidade. Na época, o mundo enfrentava o auge da epidemia da doença, que ainda era associada majoritariamente à população homossexual e referida como “peste gay”.
Mais tarde, Pieters revelou à uma rede associada à CNN que, embora muitas das questões levantadas por Tammy pudessem ser tidas como inapropriadas atualmente, o importante foi o público que elas atingiram: “Muitas pessoas me falaram ao longo dos anos que aquelas perguntas eram estúpidas ou bobas, mas para a audiência dela, aquelas eram as perguntas certas”.
Quase duas décadas depois, Faye contou ao Metro Weekly que sabia do impacto que o episódio teria com o público LGBTQIA+. “Eu fui provavelmente uma das primeiras pessoas a ter um homem gay no meu programa. Então acho que eles se lembram disso. Eles sabem que nós os aceitamos”, disse.
Em 1992, Tammy e Jim, que haviam construído um império na televisão cristã dos EUA, se separaram após uma série de escândalos. No final dos anos 1980, ele fora acusado de assediar sexualmente uma ex-secretária, além de ter sido sentenciado à prisão por fraude e desvio de verbas arrecadadas pelo PTL; enquanto ela, recriminada pelos fiéis conservadores, foi internada em uma clínica de reabilitação por uso indevido de medicamentos.
Após o divórcio, a apresentadora se tornou ainda mais presente em seu apoio à comunidade LGBTQIA+ enquanto mulher evangélica, chegando a frequentar Paradas do Orgulho ao longo das décadas de 1990 e 2000, e se tornando amiga de importantes figuras do meio, como RuPaul, Fenton Bailey e Randy Barbato – este último responsável por dirigir um documentário sobre ela em 2000.
Em 2021, sua história foi readaptada em Hollywood no filme Os Olhos de Tammy Faye, com Jessica Chastain e Andrew Garfield no elenco. Ao aceitar o Oscar de Melhor Atriz, Chastain, que também produziu o longa, reiterou a importância das palavras de compaixão da televangelista. “Estamos tendo de lidar com discriminações legislativas que estão assolando nosso país com o único objetivo de nos separar. Há violência e crimes de ódio… Em tempos como este, penso em Tammy e me sinto inspirada por seus atos radicais de amor”, disse.