A FORÇA E A GRANA DO TURISMO LGBTQ
por VICTOR SORIANO
Em abril, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, durante um encontro com jornalistas no Palácio do Planalto, que ‘o Brasil não pode ser país do mundo gay. Temos famílias’. Menos de um mês depois, foi publicada no Diário da União uma decisão que retira o investimento em turismo LGBT do Plano Nacional para o setor, cujo potencial representa R$ 419,9 bilhões aos cofres.
Interessados em desvendar o impacto socioeconômico do turismo LGBT no país, buscamos informações para ilustrar o cenário atual desse segmento e seus efeitos colaterais.
Segundo a International Gay & Lesbians Travel Association (IGLTA), esse braço específico do turismo movimenta US$ 54 bilhões anuais em todo o mundo. Já um estudo realizado pelo Fórum de Turismo LGBT em parceria com a Associação Brasileira de Turismo LGBT (ABTLGBT) e a Revista ViaG concluiu que esse mercado observou um crescimento de 11% em 2017, contra apenas 3,5% do setor como um todo.
A Organização Mundial do Turismo (OIT), por sua vez, afirma que cerca de 10% do turismo mundial é realizado pelo público LGBT, além de definir o Brasil como o país da América Latina com maior potencial de desenvolvimento desse segmento. De acordo com o estudo citado acima, o perfil do viajante LGBT é o seguinte: 89% possui ensino superior completo; 87% depende das agências de viagens; e 15% escolhe cruzeiros como entretenimento turístico.
Além disso, o público LGBT viaja pelo menos quatro vezes por ano, enquanto 45% visita anualmente países do exterior. Atualmente, a média nacional de pessoas que viagem para países do exterior nessa mesma regularidade é de 9%.
Foto: Reprodução
O PAÍS DO TURISMO GAY
Segundo Rafael Leick, blogueiro de viagens no Viaja Bi!, esse segmento, assim como o turismo religioso, rural, cultural ou gastronômico, é mais uma das vertentes do que se conhece pelo termo turismo.
“O turismo LGBT+ é só mais um caminho economicamente interessante de atrair turistas, que vão deixar dinheiro no nosso país e fazer propaganda boca-a-boca depois, caso tenham uma boa experiência”, observa o paulistano de 33 anos, acrescentando que o setor também engloba lésbicas, bissexuais e a população trans, não só o estereótipo do homem gay.
De acordo com Leick, esse tipo de público, ao contrário do que observou Bolsonaro, não está necessariamente ligado às atrações sexuais de um país: “É um segmento que tem intersecção com vários outros, pois há diversos tipos de turismo LGBT+. Tem os que se interessam por cultura, os que preferem ecoturismo, os que decidem um destino pelas opções gastronômicas e também os que gostam de festas e vida noturna”.
Com milhares de visualizações no Youtube e passagens por destinos que vão do Canadá à Inglaterra, Leick é o primeiro blogueiro de turismo LGBT do país e aponta que o setor, além de não ser prioridade no Brasil, depende de iniciativas privadas ou públicas como qualquer outro. “Os escritórios querem fazer ações, mas não recebem verba para isso. Se comparar com destinos muito menores lá fora, passamos vergonha. E se é assim com o setor todo, imagine com o segmento LGBT+”, comenta.
Ainda assim, o viajante enxerga um grande potencial não só na atração de turistas para o Brasil, mas na geração de renda que o setor pode oferecer. “Alguns destinos são naturalmente mais abertos à diversidade, como São Paulo. Outros, começaram a ser descobertos principalmente por eventos LGBT+, como Fernando de Noronha ou Praia do Rosa”.
Foto: Divulgação | Prefeitura de São Paulo
O BRASIL NO MAPA LGBT: PRECONCEITO x LUCRO
Apesar de o Brasil ser mundialmente conhecido quase que como um “paraíso LGBT” no turismo, essa reputação tem andado na corda bamba desde que Jair Bolsonaro foi eleito para a presidência, com o apoio de todo o seu discurso preconceituoso. “Falas como ‘o Brasil não pode ser um paraíso gay’ ou a retirada de incentivos ao turismo LGBT+ do Plano Nacional de Turismo são, além de equivocadas, contraproducentes, já que trariam mais receita para o país num momento de crise”, aponta Leick.
Some a isso o fato de que vivemos no país que mais assassina LGBTs em todo o globo e essa renda, tão necessária em tempos de crise para o Brasil, pode estar prestes a ser direcionada para outro lugar. Ainda no ano passado, nós caímos três posições no ranking da Spartacus, que avalia os melhores e mais seguros destinos para pessoas LGBT em todo o mundo, amargando o 68ª lugar, nosso pior desempenho em mais de uma década.
Criada com base em dados da Human Rights Watch, estatísticas da ONU e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, a empresa citou a eleição de Jair Bolsonaro e suas falas discriminatórias contra LGBTs como um dos agravantes para a queda do país na lista. “O que parece não ser claro para as pessoas é que investir em Turismo LGBT+ não é dar dinheiro para que gays saiam sem roupa na rua”, observa Leick. “Estamos falando de treinamento, infraestrutura e outros investimentos em um segmento rentável do turismo, assim como diversos outros.”
Os primeiros fatores de atração para um país como destino para o público LGBT+ é a identificação pessoal e o desejo, já que esses viajantes precisam se preocupar acima de tudo com sua segurança, uma vez que mais de 70 países ainda criminalizam LGBTs pelo fato de existirem. Outras preocupações vêm logo em seguida: um hotel amigável que não irá criar constrangimento na hora do check-in ou até mesmo um guia que não irá fazer piada homofóbica durante o tour.
No ramo da hotelaria, pelo menos, as empresas já têm se atentado para o capital que o investimento na diversidade pode gerar em retorno. A rede AccorHotels, por exemplo, tornou público o seu compromisso com esse valor ao ser pelo terceiro ano consecutivo uma das patrocinadoras oficiais da 23ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.
Mas, para além de ações pontuais, a empresa ainda tem promovido o respeito pelo tratamento igualitário de seus colaboradores, sendo reconhecida pela OAB com o selo Empresa Amiga da Diversidade e pela Prefeitura de São Paulo com o Selo de Direitos Humanos e Diversidade. Pensando não apenas no público LGBT+, a rede se propõe a encarar diversidade como algo que vai desde a inclusão de LGBTs no mercado de trabalho até a capacitação dos funcionários e ações de conscientização contra a LGBTfobia.
“Tanto em nossos hotéis como na sede, promovemos e incentivamos a presença de todos os representantes da sociedade, pois somos uma empresa aberta e diversa e refletimos o nosso público”, afirma Antonietta Varlese, vice-presidente de Comunicação e Responsabilidade Social da Accor América do Sul.
Segundo ela, o modelo de negócios da rede trabalha em conjunto com a comunidade: “Nos empenhamos, ao lado dos representantes do público LGBTI+, em promover a inclusão de todos os gêneros na sociedade e também esclarecer tantas dúvidas, que às vezes são o embrião da discriminação”.
Para isso, a empresa conta com um Comitê LGBTI+ criado para debater os temas relativos à comunidade e formado por representantes voluntários de diversas áreas da Accor, permitindo uma colaboração horizontal com discussões sobre o tema. Antonietta explica que essa integração é parte de todos os hotéis e restaurantes da rede: “Temos o compromisso de fazer com que o público LGBT+ se sinta seguro em nossos estabelecimentos”.
Como Antonietta frisa, segurança é um dos critérios usados pelos turistas LGBTs na hora de escolher um destino. Pensando nisso, a World Rainbow Hotels desenvolveu um critério de seleção para avaliar o quão amigáveis alguns hotéis são para esse público. Dentre os itens avaliados, estão localização, o conhecimento que funcionários têm da cena LGBT na cidade, o envolvimento com a comunidade e o comprometimento com políticas anti-discriminatórias.
“Não é suficiente apenas dizer que um estabelecimento é ‘gay-friendly’”, avisa o site, que acrescenta: “O mercado quer mais! Viajantes LGBTs procuram a segurança de que seus funcionários entendem suas preocupações e como atende-las”. No Brasil, apenas sete hotéis aparecem marcados no mapa do projeto, cinco deles em São Paulo e dois no Rio de Janeiro.
O italiano Michele, de 31 anos, trabalha na Bolívia e chegou ao Brasil para conhecer e explorar outras realidades latino-americanas: “Visitei o Rio de Janeiro, porque queria conhecer as praias; e São Paulo, para participar da Parada LGBT”, conta. Ele afirma que sua presença no país é também marcada por uma escolha política.
“Viajar para o Brasil tem muito a ver com a eleição de Bolsonaro. Senti a necessidade de estar presente na Parada enquanto manifestação, de tomar um partido e de fazer parte desse momento histórico para o país e especialmente pela citação em que ele afirmou não querer que o Brasil fosse um país para turistas gays”, explica.
Os eventos LGBT, especialmente durante junho, são uns dos principais atrativos para esse segmento de turismo no Brasil. Uma pesquisa do Grupo Expedia apontou que, desde 2017, a procura por viagens para São Paulo durante o Mês do Orgulho cresceu 3% por conta da Parada LGBT+ que ocorre na cidade. Também houve, segundo o estudo, aumento de 3% na busca por pacotes de viagem incluindo acomodações e passagens.
A SPTuris estimou que a Parada do Orgulho LGBT+ 2019, que homenageou os 50 anos de Stonewall, aumentaria o número de turistas na cidade para um percentual de 12% a 15%, com um público estimado em 3 milhões de pessoas.
Segundo a Câmara do Comércio e Turismo LGBT, em nota de repúdio à fala de Bolsonaro, a movimentação que o segmento promove não é apenas econômica, mas também social: “É uma atividade lucrativa, que promove o emprego, melhora a imagem do País no exterior e reafirma o compromisso com a defesa dos direitos igualitários”.
VICTOR SORIANO
Victor é graduando do curso de jornalismo da ECO/UFRJ. É analista de inteligência digital e pesquisa corpo e arte. Trabalhou como gerente de branding, repórter e ilustrador de iniciativas como Revista Apuro e Portal Overdose e foi social media da websérie “Drag-se”.