No último domingo (25), Eloá Rodrigues foi coroada como a Miss Beleza T Brasil 2020, herdando a faixa vencida no ano passado pela mineira Ariella Moura. Nascida em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, ela dividiu o pódio com Luna Ventura (MG) e Raquel Eshilley (PA), e comemorou a importância do título em entrevista à Híbrida: “A vitória significa uma virada de chave. Trabalhei muito com a minha equipe para poder realizar tudo. Muitas coisas saíram do controle e não foram como a gente planejou inicialmente, mas foi feito de forma espetacular, tanto que o título veio”.
Enquanto Eloá ainda saboreava a vitória, outra concorrente que ficou de fora do pódio gravou um vídeo a apenas alguns metros dela, reclamando do resultado: “Eu merecia ir muito além e não deveria ter perdido para isso“, diz a concorrente para a câmera. A forma como se referiu à Miss Rio de Janeiro como isso logo levantou acusações do tom implicitamente racista da fala, mesmo que mais tarde ela tenha se desculpado e dito que o uso do pronome não foi “para desvalorizar a cor e o gênero”, mas “pelo desenvolvimento dela”.
“A Miss não pode ser só um rosto bonito que atende às expectativas do que é ser bela. Ela precisa ter um diferencial e lutar por aquilo que ela acredita e pela população que ela representa – ou deveria representar”, rebate Eloá, que é presidente do Conselho Municipal LGBTI de Niterói e ainda participa dos grupos Diversidade Niterói e TransDiversidade Niterói. “Há pouco tempo gritavam que ‘vidas negras importam’, mas quando as pessoas negras conseguem ascender e ocupar outros lugares que não foram predestinados ou pensados para a nossa existência, questionam e não querem que estejamos ali.”
Aos 27 anos, ela se preparava desde os 25 para o título, e agora vai defender a coroa na Tailândia, durante a próxima edição do Miss International Queen, onde Ariella ficou em 2º lugar. “Não quero nada menos do que um top 3, para chegar lá e mostrar que é possível uma beleza travesti representar não só o país, mas quem sabe o mundo.”
HÍBRIDA: O que essa vitória no Miss Beleza T Brasil significa pra você?
ELOÁ RODRIGUES: A minha existência, sempre tive noção de quem eu era. Mas por falta de acesso e diálogo, não tinha como me categorizar ou me entender como sempre fui, de fato. Demorei um tempo até entender tudo o que envolvia a minha vivência.
Além da satisfação pessoal, entendo que o título vai muito além da realização de um sonho. É algo muito representativo para a comunidade negra e LGBTI+, porque faz as pessoas marginalizadas desse grupo conseguirem enxergar como é possível estar nesse lugar de destaque e reconhecimento. É muito importante não só pra mim, mas pras pessoas que estão à minha volta e outras que nem tenho noção.
H: Como foi a preparação até o título?
ER: Muito intensa. Tive treino de passarela, fotografia e muita malhação. Apesar de ter me dedicado mais nos últimos dois meses, acredito que essa preparação é contínua e constante.
H: Qual das tarefas/looks você mais curtiu e qual representou o maior desafio?
ER: Me diverti fazendo tudo, porque fiz com muita vontade. Estava focada em dar meu melhor e representar o Rio de Janeiro. No geral, gostei de tudo, dos vídeos à escolha dos looks. Tudo passou por mim. O maior desafio é a pandemia, em si, porque conseguir parceria e fazer as coisas acontecerem foi bem complicado.
H: Quais são seus principais referenciais de beleza, dentro e fora da comunidade T?
ER: Minhas referências são mulheres que, além da estética esperada, são influentes no que fazem e o fazem com perfeição. Erica Malunguinho e Erika Hilton são mulheres trans negras na política e ativistas nas quais me reconheço muito. A própria Luna Ventura, que ficou em 2º lugar, é um ícone de beleza, moda e dita tendências. A Bruna Benevides, que é minha amiga e parceira de luta e ativismo. A Valesca Dominik Ferraz, que foi Miss Beleza T Brasil, em 2015, e me inspirou a entrar nesse mundo. Fora do mundo T, me inspiro muito na Valeska Reis, que é uma rainha do carnaval de São Paulo.
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H: De que forma acha que esse título pode contribuir no seu trabalho como ativista no Conselho LGBTI de Niterói?
ER: O Miss vem potencializar os trabalhos que já desenvolvo e o título já é representativo por si só. Mas a Miss não pode ser só um rosto bonito que atende às expectativas do que é ser bela. Ela precisa ter um diferencial e lutar por aquilo que ela acredita e pela população que ela representa – ou deveria representar. Pra mim, é muito importante ter uma atividade significativa, para as pessoas entenderem que, além da beleza, é preciso alinhar as práticas e as falas para mudar, com a visibilidade que a gente ganha, a realidade de homens e mulheres trans que vivem na marginalidade e não têm acesso aos direitos.
Mais especificamente sobre o Conselho LGBTI, acredito que possa usar desse mecanismo de representatividade para mostrar que também posso ser uma referência de beleza, mas também que atuo fortemente na construção de uma cidade bem melhor para as pessoas LGBTI+.
É muito significativo ter a possibilidade de ser a representação máxima de beleza nesse país
H: Assim como a Monalysa Alcantara, que venceu o Miss Brasil 2017, você também sofreu comentários racistas nas suas redes após a vitória. Como vê a importância da sua vitória para mulheres negras, trans ou não, e o significado do título à luz desses comentários?
ER: Fico espantada, mas não surpresa por essas atitudes. Isso só mostra que a gente ainda vive em uma sociedade racista e transfóbica. Há pouco tempo gritavam que “vidas negras importam”, mas quando as pessoas negras conseguem ascender e ocupar outros lugares que não foram predestinados ou pensados para a nossa existência, questionam e não querem que estejamos ali. Isso diz muito sobre a sociedade que vivemos.
Esse título fala muito que estamos dispostos a primeiro comprar essa luta, mas também que o concurso e os jurados entendem que as pessoas precisam se acostumar e naturalizar a nossa existência nesses espaços. Pra mim, é muito significativo ter a possibilidade de ser a representação máxima de beleza nesse país, porque desmistifica a nossa existência nesses espaços de poder, de beleza, de visibilidade e de importância. É um caminho que não tem mais volta. Vamos continuar fazendo esse debate, e não tem como fazer nenhum tipo de revolução ou transformação sem estarmos nesses espaços.
H: O que podemos esperar da sua participação no Miss International Queen, na Tailândia? Quando você deve ir pra lá?
ER: Ser Miss Brasil se tornou um propósito de vida e eu já sabia que ir para o Miss International Queen seria uma consequência disso. Eu tô com uma expectativa muito boa, porque sei que vou estar com os melhores profissionais para me preparar tanto no corpo quanto psicologicamente, para chegar e representar o Brasil muito bem. Não quero nada menos do que um top 3, para chegar lá e mostrar que é possível uma beleza travesti representar não só o país, mas quem sabe o mundo.