Kamala Harris é a primeira em muitas coisas. Filha de uma imigrante Indiana com um imigrante jamaicano, ela é a primeira candidata negra, e também de descendência indiana, a concorrer à vice-presidência dos Estados Unidos por um dos dois grandes partidos. É importante ressaltar essa segunda parte: “por um dos dois grandes partidos”, afinal Angela Davis já se candidatado duas vezes a vice pelo Partido Comunista Americano, na década de 1980. Mas Kamala também é muito conhecida, apesar de algumas controvérsias, pela sua luta em defesa da comunidade LGBT+ no país.
A carreira da advogada começou nos anos 1990, quando ela voltou para a Califórnia, onde nasceu, depois de morar por anos no Canadá com sua mãe e se graduar pela Howard University, de Washington D.C., em Direito. Seu primeiro trabalho foi na Procuradoria de Justiça do condado de Alameda e, pouco depois, na Procuradoria de São Francisco.
Vale explicar, antes de qualquer coisa, que nos Estados Unidos os cargos de procurador distrital (District Attorney) e procurador geral (Attorney General) são eletivos. Ou seja, assim como eles votam para presidente, governador, prefeito, deputado, senador e vereador, os eleitores norte-americanos também escolhem nas urnas quem ocupa esses cargos específicos do poder judiciário. Em 2003, Kamala foi eleita procuradora distrital de São Francisco: a primeira mulher negra a ocupar um cargo como este no estado da Califórnia.
O histórico de Kamala Harris em prol da comunidade LGBTQIA+
É em São Francisco que Kamala trata pela primeira vez de pautas da comunidade LGBT+. Em 2004, o prefeito democrata Gavin Newson declarou legal o casamento igualitário na cidade e foi ela quem conduziu diversos deles, mesmo que, depois, eles tenham sido judicialmente anulados. Na mesma época, ela também chegou a estabelecer uma unidade de combate aos crimes de ódio na Procuradoria.
Em 2010, Kamala dá mais um salto como a primeira mulher negra a ser procuradora geral na Califórnia, após vencer um candidato ultra conservador que, entre seus “maiores” feitos, lutava arduamente pela Proposta 8, que revogava o direito ao casamento igualitário no estado. Em sua campanha, ela afirmou que não defenderia a medida nos tribunais, algo que seria atribuição do procurador eleito. Em 2013, a Proposta 8 é finalmente derrotada na justiça e Kamala oficializa a primeira cerimônia de casamento, entre Kris Perry e Sandy Stier, autoras do processo, minutos após o resultado.
Outro avanço importante durante os tempos de Kamala Harris na Procuradoria Geral da Califórnia foi a abolição da “gay and trans panic defenses” (“defesas do pânico gay e trans”, em tradução literal), uma estratégia de defesa para quem cometia crimes de ódio LGBTfóbicos. Nela, os agressores alegam uma “insanidade temporária” que justificaria os ataques como “mecanismo de defesa”, supostamente desencadeada pela ira de presenciar cenas sexuais entre pessoas LGBTs ou de ser cortejado por alguém do mesmo sexo. Em casos de transfobia, o artifício é usado para legitimar agressões e assassinatos quando o autor do crime alega ter descoberto a transgeneridade da vítima durante ou depois de uma relação sexual.
Com Kamala à frente da Procuradoria Geral, a Califórnia se tornou o primeiro estado norte-americano a banir a “defesa do pânico LGBT”, apesar de a prática ainda hoje ser comumente usada em outros distritos como Washington, Minnesota, Pensilvânia e Texas. Mundialmente, ela também é ou já foi recorrente em tribunais pela Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido.
Kamala também teve suas controvérsias com a comunidade LGBT+ ao longo de sua vida política. Ainda na Procuradoria Geral da Califórnia, ela foi criticada por sua defesa do estado quando este negou uma cirurgia de readequação de gênero a uma prisioneira transexual. Na época, Kamala afirmou que, como procuradora-geral, o Departamento de Correções responsável por não autorizar o procedimento era seu cliente e, portanto, ela teria que defender seus interesses.
Ao se tornar senadora pela Califórnia em 2017, Kamala defendeu os direitos da comunidade LGBT+ diversas vezes, principalmente em dois momentos importantes: na votação da proposta de lei que obrigava planos de saúde a garantirem a profilaxia de pré-exposição (PrEP), método de prevenção ao HIV; e na audiência com o jurista Brett Kavanaugh, indicado de Donald Trump à Suprema Corte, na qual ela o questionou sobre o direito ao casamento igualitário no país.
Recentemente, durante sua campanha nas prévias democratas, Kamala chegou a propor a criação da Lei da Igualdade, uma espécie de Lei dos Direitos Civis que garantisse os direitos de LGBT+ em todo o país, independentemente das legislações estaduais. Esta proposta reverteria ações tomadas por Trump durante sua administração, como a proibição de pessoas trans no exército americano.
O anúncio da escolha de Kamala Harris como vice de Joe Biden foi muito comemorado pelo movimento LGBT+ nos Estados Unidos. Alphonso David, presidente da Human Rights Campaign, afirmou que a “senadora não é nada mais do que uma escolha excepcional para vice-presidente”. Rick Chavez Zbur, do Equality California, disse que o centro “está orgulhoso de estar com ela e com o vice-presidente Biden na sua histórica campanha para tomar de volta a Casa Branca e restaurar a alma dos Estados Unidos”.
As eleições presidenciais dos Estados Unidos serão votadas serão em 3 de novembro e, nesta quarta-feira (19), a Híbrida realiza uma live no Instagram às 21h para tirar dúvidas sobre o tema e explicar os efeitos que a candidatura democrata tem para a comunidade LGBTQ dos EUA e seus reflexos no Brasil.
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