O presidente da Uganda, Yoweri Museveni, reclamou na última quarta-feira (9) da decisão do Banco Mundial de interromper os financiamentos bilionários direcionados ao país africano. A instituição anunciou um dia antes, afirmando que ela foi motivada pela aprovação da lei que criminaliza a existência de pessoas LGBTQIA+ em território ugandês.

Como a Híbrida contou aqui, o presidente da Uganda sancionou em maio a Lei Anti-Homossexualidade, que criminaliza a existência de pessoas LGBTQIA+ no país africano. A sentença prevista para qualquer indivíduo considerado “culpado” de pertencer à comunidade ou “praticar atos vergonhosos” pode chegar a 20 anos de prisão ou até à pena de morte.

Em comunicado, o Banco Mundial afirmou que a lei contradiz seus valores e, por isso, novos financiamentos para a Uganda estão suspensos até que a instituição possa testar medidas para prevenir a discriminação em projetos que financia. Atualmente, o Banco Mundial tem uma carteira existente de US$ 5,2 bilhões no país, embora esses projetos não sejam afetados pela medida.

O Ministério da Saúde de Uganda, que está entre os beneficiários do Banco Mundial, emitiu uma circular após o anúncio, reiterando que não se deve negar serviços médicos a ninguém. A pasta também orientou que os profissionais de saúde “não devem discriminar, estigmatizar qualquer indivíduo que procure atendimento médico por qualquer motivo, gênero, religião, tribo, status econômico ou social, ou orientação sexual”.

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Em pronunciamento oficial, Museveni disse que a Uganda está tentando reduzir os empréstimos de qualquer maneira e não cederá à pressão de instituições estrangeiras. “É, portanto, lamentável que o Banco Mundial e outros atores ousem querer nos coagir a abandonar nossa fé, cultura, princípios e soberania, usando dinheiro. Eles realmente subestimam todos os africanos”, disse.

O presidente ugandês prometeu ainda que vai encontrar fontes alternativas de crédito e disse esperar que o Banco Mundial reconsidere sua decisão. Ainda assim, uma autoridade do Ministério das Finanças disse à Reuters que o país precisará revisar todo o seu orçamento para absorver o impacto potencial da suspensão de novos financiamentos.

A sanção, entretanto, não é o único efeito colateral sentido pela Uganda desde a aprovação da Lei Anti-Homossexualidade. Em uma consequência imediata, o visto para os Estados Unidos da presidente do Parlamento ugandês, Anita Among, foi cancelado assim que a lei foi sancionada. Com a aprovação da lei, o presidente americano Joe Biden, afirmou ainda que a “trágica violação” de direitos humanos poderia transformar “em todos os aspectos o envolvimento dos EUA com Uganda”.

Uganda e direitos LGBTQIA+

A perseguição contra pessoas LGBTQIA+ não é novidade na Uganda, que proíbe e criminaliza as relações homoafetivas desde que seu Código Penal foi criado, em 1950. Ainda em 2019, o parlamento ugandês tentou aprovar a “Mate os Gays”, lei que propunha condenar qualquer pessoa “culpada de homossexualidade” à morte.

“Nossa atual legislação penal é limitada. Ela apenas criminaliza o ato”, disse o então ministro de Ética e Integridade, Simon Lokodo. Em maio, uma das parlamentares que aprovou a nova lei defendeu ainda que ela incluísse um artigo prevendo que gays fossem castrados.

O sentimento é compartilhado e promovido pelo presidente Yoweri Museveni, que já fez publicamente uma série de declarações absurdas, para dizer o mínimo, contra a comunidade LGBTQIA+. Ele chegou a dizer que gays são “depravados” em rede nacional e acusou o Ocidente de querer “impor seus valores” ao país africano.

A nova legislação, entretanto, foi um retrocesso perigoso por institucionalizar a perseguição contra a comunidade e aumentar o tipo de pena e a abrangência do que é considerado como um comportamento, pessoa ou prática LGBTQIA+. Não à toa, ela foi considerada uma das mais rigorosas contra essa população em todo o mundo.

O texto condena a propaganda, encorajamento, promoção, relações afetivas e até hospedagem de pessoas LGBTQIA+ no país. Também prevê punição para quem “testemunhar um casamento homoafetivo”, “se tocar com intenção homossexual”, “declarar uma identidade LGBTQIA+”, “advogar pelos direitos e igualdade LGBTQIA+” ou “falhar em denunciar comportamento homoafetivo à polícia”. Crianças que “se deixarem atrair pela homossexualidade” também podem ser presas por até 3 anos.