Na coluna de agosto com os principais lançamentos musicais de artistas nacionais e internacionais LGBTQIA+, Fabiano Moreira* comenta uma leva de novidades que inclui os álbuns de Liniker, Gabeu com Reddy Allor, Roberta de Razão, Sofi Tukker, Iza Sabino e Moon Kenzo; os EPs de Dessa Brandão e Afronta; além dos singles de Charli xcx com Billie Eilish, Fiakra e Maria Beraldo com Zélia Duncan.

Abaixo, confira a seleção. E não deixe de seguir a nossa playlist para não perder os próximos lançamentos.

Liniker“Caju”

Caju é o título do segundo álbum da incensada cantora e compositora paulista Liniker, 29 anos, e também o alter ego que ela apresenta ao público. Caju chegou celebrado pelo público e traz a artista bem segura de seu talento e habilidade, bonito de ver. Todo mundo já quer o bonezinho de “Caju”, né? No país que mais mata travestis, Liniker é uma grande estrela. Embalada por ritmos como pop, samba, jazz, house, pagode, arrocha, disco e reggae, ela tem participações especiais de Melly, Lulu Santos, BaianaSystem, Anavitória, Pabllo Vittar, Amaro Freitas e Priscila Senna. A produção musical é assinada por Liniker, Fejuca e Gustavo Ruiz, mesmo trio responsável pelo antecessor Indigo Borboleta Anil (2021), que lhe rendeu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. A faixa “Caju” tem coprodução do talentoso Iuri Rio Branco, que construiu o mito Marina Sena e está trabalhando em seu álbum de estreia como artista solo. “Veludo Marrom” tem coral e a Orquestra Brasil Jazz Sinfônica. O álbum foi gravado de forma analógica e não tá nem aí para a tiktokização da música em faixas curtas, com faixas que chegam a ter 7 minutos, como “Veludo marrom”, “Ao teu lado” e “Me ajude a salvar os domingos”. Só pra quem pode. “O processo de gravar o disco na fita cria uma textura muito especial. Se você prestar atenção, dá para ouvir o chiado dela rodando”, detalha Liniker. 

Gabeu e Reddy Allor – “Cavalo de Troia

Quem acompanha a Sexta Sei sabe que eu sou um grande entusiasta do pocnejo e fã dos talentos vocais e da ousadia de Gabeu, filho do Solimões. Ser artista é isso, né, estar à frente e mostrar novas possibilidades. Ele se juntou a outro talento vocal, a drag queen Reddy Allor, uma das vencedoras do reality show Queen Stars Brasil, da HBO Max, para lançar o álbum Cavalo de Troia. O volume mescla ritmos mais tradicionais, como a moda de viola, com sonoridades mais contemporâneas, como pop, brega e piseiro, fiel à essência sertaneja de ambos os artistas. O disco tem participações de Gaby Amarantos, Alice Marcone e Romero Ferro e conta a história de dois artistas LGBTQIAP+ saindo do interior e partindo em uma jornada para conquistar a cidade grande (Troia). “Todo o conceito de guerra atrelado à estratégia ‘Cavalo de Troia’ surgiu para representar a luta que nós enfrentamos todos os dias, seja como pessoas LGBTQIAP+ ou como artistas que partem em busca de um sonho”, comenta Reddy. Amei.

Roberta de Razão – “Mais forte que trovão”

Agosto me marcou demais, pois foi o mês quando conheci, meio atrasado, o amor de sapatão da capixaba Roberta de Razão, persona artística de Lorena Bonna da Costa, 36 anos, de Vila Velha. Foi o amigo virtual Gustavo Koch quem recomendou seu álbum de estreia, Mais forte que o trovão. No volume, minha mais nova amiga virtual de infância mistura as suas veias românticas e cafonas ao mais original e bruto punk rock. Eu, que adoro fazer reportagens sobre o amor entre mulheres e contra o sistema misógino, bati um papo com ela pra Sexta Sei, no qual falamos também da presença das sapatôes na cena punk rock e da militância body positive que a leva a ostentar, com orgulho, uma bela barriga de chope.No meio do punk, existe uma comunidade muito forte das minas sapas, riot e queer até pela brutalidade do som”, me contou.

Sofi Tukker“BREAD”

BREAD é um acrônimo de “Be Really Energetic and Dance” e também o terceiro e melhor álbum do duo de dance music Sofi Tukker, um disco quase que totalmente criado no Brasil, com grande parte das letras em português e participações do nosso MC Bola, que recria “Ela é top” em “Goddess in disguise”; Kah-Lo e Channel Tres, que estão na faixa “Cafuné”, inspirada no nosso poeta Chacal, este presente também em “Jacaré”, que fala sobre amor lésbico de maneira divertida. Esse álbum é uma declaração de amor do Brasil, país que encantou a cantora, violonista e compositora Sophie Hawley-Weld e que vem aparecendo na obra da dupla desde 2015, quando estrearam com “Drinkee” e foram nominados ao Grammy. O encanto pela nossa língua começou há mais de dez anos, quando Sophie ouviu João Gilberto pela primeira vez e decidiu que só ia cantar assim, na mesma língua. “Fiquei tão cativada por sua voz, seu estilo de cantar e a maneira como a língua soava na música, isso simplesmente me iluminou”, me contou a acessível e simpática Sophie, em delicioso papo para a Sexta Sei, sobre a inspiração no Brasil, que aparece já na capa do álbum. “Sinto orgulho pelo País por causa do papel que ele desempenha em nossa música. O Brasil é como um integrante da banda”, conclui Tucker Halpern.

Iza Sabino – “Grande

Integrante do Fenda, grupo de rap feminino que eu amo, e parceira do padrinho FBC, no álbum Best Duo, a talentosa Iza Sabino mostra toda a sua maturidade artística em Grande, seu quinto álbum de estúdio. Entender e valorizar sua grandiosidade como mulher preta e lésbica foi o que a inspirou a dar as canetadas do volume, que passeia por temas como autoamor, responsabilidade afetiva e cura. O trabalho tem a colaboração de artistas como Djonga, em “O final é o mesmo”; Luedji Luna e Paige (que também integra a Fenda), em “O final é o mesmo”; MC Luanna, em “Me balança toda”; e Kamila CDD, em “Nunca entendi o sucesso”, que questiona a invisibilidade da mulher preta na cena rap. O álbum é o registro fonográfico da evolução de Iza Sabino, que tá grandona.

Moon Kenzo – “Amarga

Volta e meia, o algoritmo me leva aonde eu devo ir, como ao álbum Amarga, da mulher trans cearense Moon Kenzo, de Sobral, que, insubmissa, não vai pra capital, como diz nos versos de “Capital”. O clipe mostra o quanto o amor ainda é uma linguagem negligenciada a corpos dissidentes. Suas canções embalam uma “poesia navalhada”, como bem definiu o jornalista cearense Carlos Filho. O álbum é fruto de três EPs que o antecedem, Indívia e Sanha, que foi completado, no lançamento do álbum, com Cio. Em dez faixas, o volume passeia pelas sonoridades R&B e Vaporwave. O projeto foi realizado pelo edital Funarte Retomada 2023 — Música. A obra de Kenzo é marcada por luta e ascensão, carregando tensões políticas importantes que abraçam e amplificam sua trajetória. O álbum tem produção de Moon Kenzo e Gegê Teófilo, com participações especiais de Mona Gadelha, Simone Sousa, Angel History, Jocasta Britto, Rami Freitas, Agê e Marcus Au Coelho.

Dessa Brandão“Nosso Taj Mahal”

Eu já tinha citado aqui na Híbrida o pagode de Dessa Brandão no single que dá nome ao seu primeiro EP, Nosso Taj Mahal. Já falei aqui que pagode é plataforma queer no trabalho de artistas como Ludmilla, Samba de Colher e João Rosa, e Dessa vem só confirmar que a gayzada ama mesmo um pagodinho. Deve ser porque fala de amor de um jeito gostoso. A cantora de samba e cavaquinista Dessa Brandão teve direção musical de Fumaça, cria do Bixiga, e arranjos do lendário Jota Moraes nas três faixas que abordam diferentes momentos do amor. A música-título é um samba groovado que fala sobre o amor romântico do cotidiano. “Bem Me Quer Mal Me Quer” trata da conquista e “Só Você” aborda a paixão do começo de um relacionamento.

Afronta – “A princesa de V.V.”

“É todo dia matando macho de um jeito diferente”, dispara a MC capixaba Afronta, de 24 anos, de Vila Velha, “após assassinar patrões” em Encame de pragas”, faixa do seu EP de estreia, o bom A princesa de V.V.. “Moro desde que nasci na cidade de Vila Velha, no Espírito Santo, onde eu sou a princesa. Eu cresci numa favela chamada Morro do Jaburuna e desde muito cedo tive influências musicais do funk e do rap ao meu redor. Me aproximei do movimento hip hop com 18 anos, quando passei por cima do medo e da vergonha e, inspirada por vídeos de batalha da MC paulista Monna Brutal, senti que poderia ter um espaço para contar minha história por meio do rap. Desde o início, eu faço porque me faz bem falar poeticamente sobre a vida, mas, especialmente, me faz bem ver que a música é capaz de quebrar barreiras e fazer as pessoas se respeitarem mais, independentemente de suas diferenças”, caneta. O EP é o resultado de cinco anos de envolvimento com o hip hop. “Usei das minhas influências de rap, funk, house e vogue para contar, por meio de instrumentais muito bem feitos por Dan Abranches e b o u t (na faixa ‘Nêmesis’), a história da Joá, Afronta, a Princesa de Vila Velha. Eu me reconheci trans com 20 anos. O rap foi importante para que eu pudesse me colocar com mais firmeza e coragem no mundo”, conta.

Charli xcx e Billie Eilish – “Guess”

Assim como na música do Comunidade Nin-Jitsu, Charli xcx e Billie Eilish se amarram em perereca e, inclusive, está chovendo calcinhas no vídeo de Guess”, que é o clipe e a música do mês, sem dúvidas. “You wanna guess the color of my underwear / You wanna know what I got goin’ on down there / Is it pretty in pink or all see-through?”, diz a letra, bem safadinha. Essa é a primeira colaboração da dupla e ganhou clipe dirigido por Aidan Zamiri no qual nenhuma calcinha usada foi maltratada. Todos os sutiãs e roupas íntimas usados no audiovisual foram doados para a I Support The Girls (ISTG), que coleta e distribui itens essenciais, incluindo sutiãs, roupas íntimas e produtos de higiene menstrual, permitindo que pessoas em situação de rua e vulnerabilidade possam manter sua dignidade. É isso, a era brat segue maravilhosa.

Maria Beraldo e Zélia Duncan – Matagal

Maria Beraldo segue preparando o terreno para seu segundo álbum, depois do abalo lésbico que foi a estreia com Cavala, há seis anos. Na sequência do primeiro single, o abalo freudiano “I can’t stand my father anymore”, em julho, ela lançou, no dia da Visibilidade Lésbica (29), com Zélia Duncan, a faixa “Matagal”, uma canção de amor tranquilo. Ambas anunciam o novo álbum, Colinho, que chega 18 de outubro pelo selo Risco. Beraldo revela um coração marcado pela homofobia em amores difíceis ou impossíveis. “Matagal” é a conquista de um romance possível, real e feliz. “Essa música marca um momento importante da minha vida, quando vivo um relacionamento muito feliz e verdadeiro e estou em paz com a minha sexualidade, depois de anos de elaboração e de muitas canções melancólicas ou tensas”, conta.

Fiakra – Hekate

Muito sedutor e sensual o single “Hekate”, do cantor, compositor e produtor musical Fiakra, 33 anos, que também é sacerdote da tradição Caminhos das Sombras, Wicca e bruxaria, em Brasília, sua cidade natal. Residindo em São Paulo, ele está há oito anos em um relacionamento homoafetivo, mas considera que sua orientação é algo ainda sendo compreendido. “Hekate é uma deusa conhecida no mundo por ser a senhora de caminhos, encruzilhadas, chaves, magia, parto, feitiçaria, bruxaria, conhecimento, lua, fogo, ervas venenosas, proteção e bênçãos, e seu culto existe desde antes da existência da civilização da Grécia Antiga, na região da atual Turquia. O Dia de Hekate mais conhecido é celebrado no dia 13 de agosto e, por isso, foi o dia escolhido para o lançamento”, explica.

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*Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O GloboTribuna de MinasMix BrasilRG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, escreve na Tribuna de Minas;, no Baixo Centro, fazendo a Sexta Sei; e aqui, na Híbrida.