A população LGBTQIA+ enfrenta alguns desafios específicos quando falamos em saúde mental. Hoje, já temos estudos científicos que mostram como os indivíduos da nossa comunidade têm quase duas vezes mais chances de desenvolver depressão, ansiedade e diferentes transtornos mentais do que aqueles que não pertencem a esse grupo. Outras pesquisas também já confirmam uma tendência maior da nossa população para quadros como Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno Depressivo Maior, Dependência Química e Estresse Pós-Traumático.

Quando focamos na população travesti e transsexual, esses números se tornam ainda maiores. Um estudo realizado há três anos pela American Psychological Association indicou que aproximadamente 50% das pessoas transgêneras apresentarão algum transtorno mental grave em sua vida, como ansiedade generalizada e depressão. Além disso, as taxas de suicídio entre jovens trans chegam a ser quatro vezes maiores do que a média geral.

Essa disparidade nos números está intimamente ligada à exclusão social que a população LGBTQIA+ enfrenta em diferentes estágios da vida. A marginalização dessa comunidade começa muitas vezes dentro de casa, com rejeição e abandono familiar sendo uma realidade difícil de se manejar de uma forma saudável. Uma pesquisa vinculada ao Ministério da Saúde, por exemplo, aponta que 40% dos jovens LGBTQIA+ sofrem rejeição ou são expulsos de casa, o que intensifica a vulnerabilidade psicológica e social desses indivíduos.

Efeitos do bullying na saúde mental de jovens LGBTQIA+ 

O bullying também é uma constante para muitos jovens, provocando altas taxas de evasão escolar ou um desempenho insatisfatório e abaixo da média. Uma pesquisa da Todxs descobriu que sete a cada dez alunos LGBTQIA+ no ensino médio têm medo de se assumir por medo de sofrerem discriminação nas escolas, sendo que jovens trans são particularmente afetados por essa violência.

A exposição crônica a situações de humilhação, agressão verbal e até física, além da rejeição pelos pares e outros tipos de violência, agrava as dificuldades de inserção social e acadêmica da população LGBTQIA+. Esse estado, quando mantido por muito tempo, ativa o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), elevando os níveis de cortisol no organismo e promovendo um estado de hiperativação fisiológica contínua.

Na prática, as diferentes violências a que indivíduos LGBTQIA+ são expostos resulta em uma desregulação emocional e comportamental, provocando o aumento de tendências autolesivas e ideação suicida. A longo prazo, isso causa implicações profundas na saúde mental de pessoas da comunidade, gerando quadros de transtornos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.


Ao chegar à fase adulta, as oportunidades de emprego para a população LGBTQIA+ também são limitadas, especialmente para pessoas trans. A última versão do Relatório sobre Direitos Humanos da População Trans no Brasil revelou que 90% da população transexual está no mercado informal de trabalho ou desempregada, devido ao preconceito e à discriminação durante o processo seletivo e no ambiente de trabalho.

A exclusão do mercado formal, a insegurança financeira e a inserção em setores de trabalho precarizados são frequentemente acompanhadas por discriminação e estigmatização social, resultando em maior vulnerabilidade psicossocial. Essa exclusão afeta diretamente o bem-estar psicológico, levando ao isolamento social e agravando também o risco de transtornos mentais. O desemprego e a marginalização econômica estão diretamente associados a um aumento nos índices de ideação suicida e adoecimento mental nesta população.

Outro aspecto de extrema importância ao abordarmos a saúde mental de pessoas LGBTQIA+ é o medo constante de violência e assédio. Essa população enfrenta níveis elevados de violência física e psicológica, com casos frequentes de assédio moral e sexual, criando um cenário de medo e insegurança permanente.

A experiência contínua do medo de sofrer violência e assédio está associada a uma hipervigilância crônica e à ativação persistente do sistema de resposta ao estresse, ativando mais uma vez o eixo HPA. Esse estado de alerta constante também pode resultar em transtornos de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e depressão, além da desregulação autonômica e imunológica devido à exposição prolongada a níveis elevados de cortisol.

Setembro Amarelo: população LGBTQIA+ tem transtornos de saúde mental específicos causados pelo preconceito ao longo da vida
Setembro Amarelo: população LGBTQIA+ tem transtornos de saúde mental específicos causados pelo preconceito ao longo da vida

O medo constante a que esses indivíduos são expostos também gera uma resposta de luta ou fuga disfuncional, comprometendo a capacidade de enfrentamento saudável e aumentando a predisposição para comportamentos autodestrutivos, como automutilação ou abuso de substâncias. Além disso, essa condição também é um fator importante na perpetuação do isolamento social e do retraimento emocional que mencionei antes, agravando o impacto psicossocial e reduzindo de forma geral a qualidade de vida desses indivíduos.

Por fim, mesmo quando pessoas LGBTQIA+ buscam ajuda profissional para tratar os transtornos mencionados acima ou qualquer outra questão de saúde mental, essa população muitas vezes se depara com a discriminação por parte dos próprios profissionais de saúde, o que reduz a confiança no sistema de saúde e a disposição de buscar tratamento adequado.

Se você é uma pessoa LGBTQIA+ e se identificou com alguma das situações acima, saiba que você não está sozinho. Mas é importante também reconhecer o momento de buscar ajuda. Com o tratamento adequado, é possível quebrar esses ciclos de violência e atingir um patamar saudável de bem-estar físico e emocional.

Nota do editor: em homenagem ao Setembro Amarelo, mês dedicado às campanhas de prevenção do suicídio, a Híbrida se uniu à Dra. Anlles Viana para abordar as particularidades dos transtornos e tratamentos de saúde mental para pessoas LGBTQIA+.