Aos 27 anos, Alice Caymmi está lançando o 3º disco de sua carreira, batizado simplesmente de “Alice”, o que por si só já é uma espécie de manifesto. Depois de vestir a persona de Rainha dos Raios, ela se despede do título e do sobrenome famoso (que também deu nome ao seu début) para se apresentar ao público como ela mesma: “apenas” Alice. E ao longo de nove faixas, o ouvinte é convidado a caminhar ao lado da artista rumo a uma jornada de dúvida, dor e, finalmente, a autodescoberta de uma pessoa forte, decidida e no controle de sua própria arte.
Na sonoridade, Alice mergulha ainda mais nas sua influências pop, sem deixar de lado as letras e vocais viscerais ou os sintetizadores dançantes que trouxe em Rainhas. Mas é que agora, apoiada por Barbara Ohana na produção executiva do disco, sua voz e sua música soam mais como ela mesma do que nunca, como se ela estivesse usando um amplificador na voz e nos sentimentos. Há deboche e regojizo em faixas como “Sozinha” e “Vin”, mas no coração de “Alice” também tem espaço para momentos melancólicos (“Agora”), nostálgicos (“Inocente” e “A Estação”) e empoderados (“Inimigos” e “Eu te avisei”).
Afinal, quatro anos passaram-se desde seu último LP, “Rainha dos Raios”, que rendeu uma turnê nacional e uma nova leva de fãs que aumentaram tanto o alcance de seu trabalho como a expectativa por um novo material. As passagens pelo Rock In Rio, parcerias ao vivo com Gal Costa e Laila Garín, um novo time profissional à sua volta e a eterna mudança de visual colocaram a artista em um diálogo interior consigo mesma que é ouvível em “Alice”.
Apenas pelas parcerias já é possível ver o espectro de emoções que a artista transmite no LP. Ana Carolina empresta seu romantismo para a composição de “Inocente”, carro-chefe de divulgação; Ricon Sapiência traz a ira do rap em “Inimigos”, onde ambos versam sobre as cobras e rasteiras da indústria musical; e Pabllo Vittar, num casamento vocal tão inusitado quanto delicioso, empresta sua força para “Eu te avisei”, um hino de superação pós-término com pegada eletrônica que já tem videoclipe gravado e a fama de “novas regras” do ano.
Para a produção, Alice ainda convocou um time de novos magos do pop nacional como João Brasil, Rodrigo Gorky, Arthur Marques e Pablo Bispo, que ajudaram a moldar o som com ela e com Barbara. O resultado é um registro mais radiofônico que os anteriores, mas também extremamente mais pessoal e autoral.
Abaixo, Alice fala com a Híbrida sobre o processo criativo e pessoal que gerou o novo LP. Leia:
Híbrida: Ano passado, você lançou o single “Louca” e agora abre o “Alice” cantando exatamente que “não está ficando louca”. De onde vem essa dúvida e qual o veredito?
Alice Caymmi: Eu gosto de dupla mensagem. A primeira “louca” foi justamente brincando com essa questão. É lúdico porque fala de amor. E é um negócio tão entregue, tão ingênuo, que chega a ser engraçado.
Já o [louca] do álbum é sério. É sobre essa tentativa de aprisionamento da mulher forte, que acontece de várias maneiras e em vários aspectos. O disco começou pautado nisso, nessa tentativa de libertação em meio à desvalorização das mulheres.
H: E como é essa sensação de estar livre agora?
AC: Livre a gente nunca tá, mas foi fundamental passar por esse processo. Me dar um pouco mais de liberdade e estar com a Barbara nesse álbum foi um processo muito libertador.
H: Como vocês se conheceram?
AC: Um amigo em comum, [o stylist e produtor] Leo Belicha nos apresentou. A Barbara vinha observando as minhas movimentações e era claro pra ela que nós precisávamos nos encontrar e conversar sobre isso. Mas nunca imaginamos que iríamos trabalhar juntas. Foi o Leo quem percebeu as nossas personalidades totalmente parecidas. Ele deu a ideia e nós acatamos.
H: Acha que o fato de ter trabalhado com a Barbara, uma produtora mulher, ajudou a concretizar esse sentimento de liberdade?
AC: Com certeza. Não tô desvalorizando de forma alguma os homens, mas há determinadas coisas que a gente quer falar e expressar que um rapaz não consegue dar conta. Só a Barbara mesmo.
H: E como isso influenciou no processo de gravação?
AC: Eu entrei em estúdio mesmo. Porque no “Rainha” eu participei muito dando ideias e não executando. Nesse disco, passei ainda mais tempo nesse processo e fui junto com a Barbara.
H: O resultado final ficou muito mais pop que seus álbum anteriores. Essa foi uma decisão consciente?
AC: Foi uma intenção, uma linha que eu segui. Essa é uma tendência para a minha vida, porque eu gosto da linhagem do pop. Eu quero comunicar, tô nessa fase da vida. Eu quero e preciso passar determinadas mensagens. A linguagem pop envolve esse tipo de alcance.
H: E o que vem daqui pra frente com essa nova postura?
AC: Agora é a libertação e a certeza da beleza do que eu faço e da minha voz. Da arte como ela é. A música precisa prevalecer, é o mais importante de tudo nessa história toda. O mercado da música tá um pouco de lado.
H: As parcerias do disco são bem diferentes entre si. Como chegou nesse resultado?
AC: A Ana [Carolina] foi muito natural, fluida. Ela é uma pessoa que faz parte da minha vida e é importante pra mim. É uma grande amiga.
A Pabllo [Vittar] também fazia muito parte desse processo, porque eu já a acompanhava lá atrás, desde o início – que é há três segundos, mas é lá atrás. E eu acompanhei esse desenvolvimento porque o [Rodrigo] Gorky [produtor musical] é meu amigo-irmão e ele não só produz como faz de fato as canções. Nós trabalhamos juntos com a Pabllo pra construir essa carreira. Como eu fui espectadora de uma parte disso, fez todo o sentido a participação dela no disco.
Em relação ao Rincon [Sapiência] eu vinha há muito tempo pesquisando alguém do rap e do hip hop para trazer essa energia à música. No encontro que tive com ele quando o conheci, percebi que poderíamos fazer algo muito bom juntas.
H: Esse disco traz mais composições suas do que os anteriores. Isso é um reflexo do tanto que a Alice tinha pra falar e botar pra fora?
AC: Sim, esse é um disco muito mais autoral e muito mais expositivo. Antes, eu tava cansada de falar de mim mesmo, então inventei personagens. Dessa vez, eu não senti falta de nada.
H: Já deu tempo de ter uma faixa preferida ou por enquanto você tá só curtindo o bebê todo?
AC: A preferida do momento é “Vin”. É a que eu gosto de ouvir em casa pra dançar, pra fazer minhas coisas.
H: E quais os próximos passos de divulgação do disco? Já tem planos de entrar em turnê?
AC: Temos o vídeo de “Eu te avisei” gravado, mas não sei quando vamos lançar. E em março já entramos na turnê. Já estamos fazendo essa logística e esperando fechar mais datas. Vou assumir a direção total do espetáculo, com alguns dos meus amigos próximos.
H: Pra finalizar, o que essa nova Alice sabe hoje que a Alice de quatro anos atrás ainda não sabia?
AC: Ela apareceu para e por causa do disco novo. O que essa nova Alice sabe que não sabia antes é a própria potência e a própria beleza interior e artística. Hoje, eu tô muito mais segura artisticamente.