Sir Elton John é o último astro a ganhar uma cinebiografia com “Rocketman”, o musical épico que estreou nos cinemas brasileiros nesta quinta (30). Com produção executiva assinada pelo próprio artista e produção a cargo de seu marido, David Furnish, o filme traz Taron Egerton (“Kingsman”) no papel principal, interpretando o astro em sua vida adulta.
O longa narra a trajetória de Elton John desde suas primeiras aulas de piano como o pequeno e tímido Reggie Dwight (vivido pelo ótimo Matthew Illesley) até sua ascensão meteórica como um dos artistas britânicos de maior sucesso da história. Ao contrário de outras cinebiografias, “Rocketman” foca nos demônios pessoais do artista, narrando suas lutas com a dependência em álcool, drogas e sexo, ao mesmo tempo em que mostra a raiz desses problemas.
Em uma performance que tem tudo para lhe render ao menos uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, Taron aparece em tela com uma caracterização perfeita entre próteses e perucas, que não parecem uma fantasia grotesca de Remi Malek como Freddie Mercury de em “Bohemian Rhapsody“. Acertando nos trejeitos e na personificação vocal de Elton, para a qual dispensou dublagens, Taron encarna o jeito espalhafatoso e muitas vezes arrogante do seu personagem, sem deixar de lhe conferir a empatia que a história pede.
A magnitude da produção durante a maioria dos números musicais é um deleite aos olhos, e não deve nada para qualquer superprodução do século XXI. Desde o primeiro momento, com “Saturday Night’s Alright” marcando a transição de Elton da infância à juventude, o diretor Dexter Fletcher deixa claro que não vai poupar esforços pra traduzir a grandiosidade do cantor às telas.
Como era de se esperar, o número de “Rocket Man”, que dá título ao filme, marca um dos pontos mais épicos da produção, tanto na construção da narrativa quanto nos estímulos visuais. Falando em estímulos visuais, seria impossível retratar a carreira de Elton John sem dar atenção aos mínimos detalhes do figurino.
Aqui, o figurinista Julian Day faz um trabalho primoroso ao reproduzir fidedignamente alguns dos looks mais marcantes e flamboyants do astro, mas também ao tomar a liberdade criativa de reinterpretar alguns códigos de seu armário sem perder o fio da meada. Tudo o que se espera desse quesito é traduzido à tela: as camisas Versace, os óculos cada vez mais delirantes, as jóias à la Liz Taylor, os chapéus pomposos e os shortinhos (!!!), bancados com ótima desenvoltura por Taron.
Mas se a superprodução chega quase ao limite do excesso em números como “Honky Cat” e “Pinball Wizard”, é nos momentos mais delicados e subliminares que a emoção toma conta da tela.Um dos pontos altos nesse sentido é “Your Song”, talvez o maior sucesso de Elton John, que emociona tanto os coadjuvantes de Taron quanto a plateia durante o filme.
Esses momentos em que a vulnerabilidade de Elton John é explorada, como na solitária cena de “Tiny Dancer” ou na confessional “Don’t Let The Sun Go Down On Me”, que se apoia apenas na química entre Taron e Celine Schoenmaker (Renate Blauel), que o público tem um raro vislumbre nos conflitos pessoais do homem por trás do astro.
Os conflitos de Elton John com sua homossexualidade
Se os fãs de Freddie Mercury ficaram frustrados com o quão pouco a sua sexualidade foi explorado em “Bohemian Rhapsody”, os de Elton John não têm do que reclamar, já que os conflitos internos (e externos!) do astro com sua homossexualidade servem como um dos principais fios condutores da narrativa de “Rocketman”.
É sua timidez e falta de experiência ou referências que aparece quando ele tenta beijar o eterno parceiro de composições, Bernie Taupin, que ganha interpretação de destaque por parte de Jamie Bell, responsável por alguns dos melhores momentos de comédia do filme.
É também a sua homossexualidade que parece motivar a ausência do pai e o desprezo da mãe, Sheila, vivida por uma convincente Bryce Dallas Howard, capaz de humanizar a personagem pra além dos seus interesses pessoais e negligências maternas.
Um dos pontos mais explorados do filme também passa pela sexualidade de Elton: sua relação tóxica com o empresário John Reid (Richard Madden), que serve tanto para o primeiro amor consumado do astro, quanto para a personificação da praga de Sheila, que diz ao filho em uma das cenas mais comoventes do longa: “Você nunca será amado de verdade”.
Essa busca pelo amor verdade, que pauta invariavelmente a vida de tantos gays através dos anos e ao redor do mundo, é o que faz Elton descambar em suas orgias (mostradas mais de forma subliminar que explícita pelos números musicais), festas fabulosas, excessos consumistas, copos de uísque e linhas de cocaína. E é também o que motiva seu casamento de fachada com Renate Blauel, episódio pouco explorado no longa.
Por baixo desses assuntos “humanos”, a homossexualidade de Elton John se torna um peso também para a sua carreira artística, quando ele é proibido de assumir o relacionamento com Reid e, logo, é “obrigado” a aturar as traições nada secretas do amante. O abuso emocional e psicológico que ele passa contribuem ainda mais para os seus vícios, e “Rocketman” não foge de explorá-los sem um pingo de pudor.
Isso também diz respeita à já tão comentada cena de sexo entre Taron Egerton e Richard Madden. Em entrevistas, Elton John já declarou que lutou para o episódio ser integrado ao corte final, já que a perda de sua virgindade aos 23 anos é parte importante da ânsia que ele sentia para ser amado. Na tela, o público deve se perguntar o porquê de tanto fuzuê, já que a sequência é mais romântica que erótica e quase não existe nudez dos atores.
Assim, “Rocketman” não deixa de explorar os temas pesados da vida de Elton John, deixando seu casamento atual e a família feliz apenas para os créditos finais, ao mesmo tempo em que suprime algumas passagens icônicas de sua carreira para focar na vida pessoal do astro. Ao mesmo tempo, o filme também funciona como um mea culpa do astro, que ainda tem episódios suficientes para umas duas continuações, caso deseje.
Assista ao trailer de “Rocketman” e ouça a trilha sonora do filme abaixo: