Depois de Peru e Panamá registrarem casos de transfobia pela forma como implementaram uma quarentena contra o coronavírus baseada em gênero – homens e mulheres só podem sair de casa em dias alternados -, relatos similares começam a surgir em outros três países da América Latina. Apesar de terem adotado medidas de distanciamento social diferentes, Argentina, Colômbia e Honduras já têm casos de violação dos direitos da população trans durante a pandemia da covid-19.
Em Bogotá, capital colombiana, a prefeita Claudia López adotou desde a segunda-feira (13) a medida “Pico Y Género”, com as mesmas regras de revezamento entre homens e mulheres que foram aplicadas no Peru e no Panamá. Já na quarta (15), dois dias depois de a nova quarentena ter sido implementada, o professor de ioga Joseph relatou ter sido expulso de um supermercado pelo próprio gerente, que não aceitou o rapaz ter saído no dias destinado aos homens.
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Em vídeo publicado pela Red Comunitaria Trans, Joseph narra como foi tratado no gênero feminino pelo segurança do supermercado, que se referiu a ele como “senhorita”, e logo depois foi expulso do local pelo gerente: “Ele me disse, de maneira bem odiosa, que eu precisaria abandonar o estabelecimento porque não era o dia que correspondia à minha saída, por causa do meu sexo”.
Joseph fue expulsado de @d1colombia (calle 56) de una manera violenta por su administrador, en medio de un grupo de clientes hombres cisgénero que también le pidieron que saliera de la tienda. No le vendieron y lo sacaron del establecimiento. #MisDerechosNoEstanEnCuarentena pic.twitter.com/pkSOhGs62Y
— Red Comunitaria Trans (@redcomunitariat) April 15, 2020
Uma petição já com mais de 3.700 assinaturas foi publicada por ativistas e organizações não-governamentais de proteção aos direitos humanos, pedindo à prefeita Cláudia para suspender a regra da quarentena, “que desrespeita os direitos de pessoas trans, não-binárias e com expressão de gênero não-hegemônica”. Até o momento, nada foi feito.
O mesmo desrespeito à identidade de gênero foi gravado na Argentina, quando três travestis foram detidas a caminho do supermercado, no Barrio de Constitución, em Buenos Aires. Apesar de o país não ter restringido a circulação alternada entre homens e mulheres, o presidente Alberto Fernández impôs uma quarentena rigorosa, “obrigatória e preventiva”, em todo o território nacional. Ao mesmo tempo, o Ministério das Mulheres, Gêneros e Diversidade pediu para que a identidade e o nome social da população trans fossem respeitados pelos serviços assistenciais.
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No vídeo publicado pela Organizacion por los Derechos Humanos de las Personas Trans, entretanto, é possível ver um policial se recusando a tratar uma mulher trans pelo feminino, desrespeitando a Lei de Identidade de Gênero aprovada pelo Ministério e repetindo: “É ele. O médico chama assim, então é ele“.
Em Honduras, a ativista trans Gabriela Redondo, diretora do Coletivo Unidad Color Rosa, foi detida por policiais quando estava a caminho do supermercado. Ele alegaram que ela havia desrespeitado o toque de recolher imposto no país, mas ela afirma que a detenção foi arbitrária e motivada por preconceito.
“Eles zombaram do nome de Gabriela, me chamaram com o nome do documento de identidade. A Associação treinou forças policiais sobre os direitos da população trans de Honduras. Eles me fizeram sofrer muita dor, muita vergonha, muita humilhação e muita discriminação apenas para estragar nossas vidas”, declarou à Agência Presents.
A prisão de Gabriela, que foi conduzida à delegacia e não teve direito a um advogado, não parece ser um caso isolado. Outras ONGs e associações de luta pelos direitos humanos das pessoas LGBTQ já avisaram que receberam denúncias parecidas nos últimos dias e pediram que o país aprove uma Lei de Identidade de Gênero que garanta a segurança da população trans.
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Desde que os primeiros casos surgiram, foi entregue uma carta à Corte Interamericana de Direitos humanos (CIDH) com denúncias das violações de tratados internacionais sobre os direitos das pessoas trans. Até o momento, a Corte não se manifestou.