Com apenas 23 anos, a modelo brasileira Valentina Sampaio já conta com a certeza de ter entrado para a história da moda mundial. Nascida em Aquiraz, uma pequena vila de pescadores no litoral do Ceará, a top acaba de se tornar a primeira mulher trans a aparecer na icônica Swimsuit Issue da Sports Illustrated. Publicada desde 1964, a edição é a mais aguardada e celebrada da revista, sendo responsável por catapultar as carreiras de nomes como Tyra Banks, Heidi Klum e Kate Upton.
Este, entretanto, não foi o único lugar em que Valentina quebrou barreiras. Em 2017, ela também se tornou a primeira modelo trans a estampar uma capa de qualquer edição da Vogue, nos 125 anos de história da marca. À época, ela foi fotografada pela dupla Mert Alas & Marcus Piggott para uma edição de capa dupla da Vogue francesa, com editorial de 18 páginas chancelado pela editora Emmanuelle Alt.
Calma, que tem mais. Descoberta em 2015, após participar de uma campanha da L’Oréal para o Dia Internacional da Mulher, Valentina também foi o primeiro nome trans no casting global da empresa, feito que ela repetiu no ano passado, quando integrou o time de supermodels da Victoria’s Secret ao fotografar uma campanha da grife de lingerie.
Com esse currículo, Valentina poderia descansar tranquila e segura de que seu nome já foi mais longe do que o de qualquer outra profissional como ela. Mas esse não é o caso. Jean Paul Gaultier, Balmain e Michael Costello estão entre as marcas para as quais ela já desfilou e, à Híbrida, ela conta que não tem vontade de parar tão cedo: “Quero continuar trabalhando para quem apoia a diversidade”.
Abaixo, leia nossa conversa com Valentina, onde a modelo fala sobre o ativismo pela causa trans e o que as suas conquistas profissionais significam para a comunidade LGBTQ:
HÍBRIDA: Em poucos anos, você conseguiu se tornar a primeira modelo trans na Vogue, numa campanha da Victoria’s Secret e na edição mais importante da Sports Illustrated. Quais você diria que foram seus principais desafios até conseguir esses feitos?
VALENTINA SAMPAIO: O caminho até aqui não foi fácil. O principal desafio é se deparar frequentemente com o preconceito e mesmo assim seguir em frente. Nossa existência é um desafio diário.
Estar nestes lugares representa muito, é uma vitória, um processo de evolução. Se já estivemos marginalizadas algum dia na sociedade, hoje nós estamos conquistando novos espaços. Não precisamos mais viver escondidas. Estamos nas revistas, na Victoria’s Secret e agora na Sports Illustrated. Podemos estar onde quisermos.
De que forma você acredita que essas conquistas podem refletir para a comunidade trans do Brasil?
VS: É uma forma de inclusão, de visibilidade e, assim, de se conquistar respeito. Estar integrada, não somente na moda, mas em todas as partes da sociedade, em qualquer carreira que seja, faz com que nossa existência seja vista e não sejamos invisibilizadas.
Nós, trans, ainda somos julgadas como inferiores, somos marginalizadas. Infelizmente nos dão raras oportunidades, por isso estamos lutando pelos nossos direitos e, sem dúvidas, é uma luta diária.
Procuro usar esta profissão e me colocar de forma didática, afinal a visibilidade é uma maneira de combater o preconceito. É de extrema importância que essa questão seja falada e que sejamos ouvidas, todos os dias. Pois nós existimos, estamos aqui, sempre estivemos e sempre vamos estar.
H: A diretora de casting da SI afirmou que seu ativismo pela comunidade LGBTQ foi decisivo na hora de te escolher para a edição. Como e quando você decidiu se tornar uma ativista pela causa trans?
VS: É uma causa que faz parte da minha essência. Está em mim, desde sempre. É algo presente, intrínseco a mim.
H: Em comunicado divulgado também pela SI, você afirmou que ser trans “geralmente significa encontrar portas fechadas” e ter “opções limitadas de crescer em uma família que te ame e te aceite”, além de falar também sobre as dificuldades de acesso a educação e trabalho. Como acha que podemos reverter esse cenário no país?
VS: Com educação, com amor ao próximo e com informação. Só assim podemos combater o preconceito. Muito se fala sobre [isso], mas ainda há muita desigualdade. Falam sobre nós, mas raramente nos dão espaço.
Sonho que todos tenham as mesmas oportunidades e direitos, que todos tenham voz.
H: Você ainda tem algum sonho específico na carreira que gostaria de realizar, como trabalhar com alguma grife, estilista, desfile, publicação ou campanha específica? Se sim, qual?
VS: Para mim, cada trabalho é uma oportunidade única e especial. Todos eles representam uma vitória. Quero continuar trabalhando para quem apoia a diversidade.
Fico muito grata por cada oportunidade que me deram, por cada um que me vê como ser humano, que me valoriza como profissional.
H: Que associações, instituições, ONGs ou ativistas você indicaria para quem quer conhecer melhor a realidade trans no Brasil e ajudar essa situação?
VS: Existem algumas iniciativas muito especiais, como por exemplo a Casa 1 e a Casa Nem, entre diversas outras. São projetos que acolhem a população LGBTQIA+, que é tão vulnerável, e são importantes porque, já que nos fecham muitas portas na sociedade, é necessário que existam pessoas e iniciativas que nos abram essas portas.