O nome de Madame Satã foi apagado de uma lista no site da Fundação Cultural Palmares que celebra Personalidade Negras. A decisão foi anunciada nas redes por Sérgio Camargo, presidente da entidade vinculada à Secretária de Cultura, na última quinta-feira (1º).
“A Fundação não presta homenagem a bandidos”, escreveu Camargo nas suas redes sociais, citando os 27 anos aos quais Satã foi condenado por homicídios, agressões, furtos e desacatos. Em outra publicação, ele parece atacar Lázaro Ramos, que interpretou Madame Satã na cinebiografia dirigida por Karim Aïnouz, em 2002.
https://twitter.com/sergiodireita1/status/1312051676275183616
Ambas as publicações de Camargo são acompanhados por uma imagem de Satã retirada do site da Híbrida, mais especificamente da nossa 3ª edição, “Liberdade?”. Lançada em 2018, ano em que a Lei Áurea completou seu 130º aniversário, o tema geral que permeava a edição foi o questionamento de até que ponto somos realmente livres, especialmente a população negra. “Resgatarmos nossa memória na tentativa de mudarmos nosso futuro se torna mais essencial do que nunca”, escrevi à época.
Como também expliquei naquela nota do editor, Madame Satã foi a fonte inspiracional de toda a edição. Ele aparece na reportagem “Madame Satã, presente!”, em que reconto passagens da sua vida com base em biografias, entrevistas antigas e relatos que ouvi em primeira mão de alguns poucos sobreviventes da Lapa que chegaram a conhecê-lo em vida. Ele também é homenageado no editorial estrelado por Aretha Sadick, onde reimaginamos signos do seu guarda-roupa, como o clássico chapéu de malando, a saia vermelha com que se apresentava como Madame do Balacochê nos palcos etc.
João Francisco dos Santos nunca admitiu em público nenhum dos homicídios pelos quais foi condenado, mas já explicou em algumas entrevistas os motivos pelos quais era perseguido pela polícia carioca e consequentemente preso. “[Ele] cuidava para que as putas, as bichas e os moleques da Lapa não sofressem perseguição”, narra Rogério Durst na biografia “Madame Satã: Com o diabo no corpo” (Editora Brasiliense, 1985).
Satã abrigava as prostitutas da época e era preso por cafetinagem, respondia os insultos de “boneca” com agressões físicas, revidava os tapas da polícia com golpes de capoeira. Ainda suspeito, com mais certeza, que se não fosse preto, pobre e travesti, a história teria lhe tratado com mais respeito, talvez ao ponto de que ele conseguisse mudar a sua própria.
“Irônico, extrovertido e, a um só tempo, desconfiado, como prega a cartilha do malandro, Satã se tornou famoso na Lapa devido às brigas em que se metia, muitas delas travadas com policiais, a golpes de capoeira. Somado a esses três marcadores identitários [preto, pobre e homossexual], o fato de ser analfabeto o limitou a subempregos e à vida marginal”, diz a biografia de João que ainda consta no site da Fundação Palmares.
“Essa mania da polícia chegar, bater e começar a fazer covardia, eu levantava e pedia a eles pra não fazer isso. Afinal de contas, se o sujeito estiver errado, eles que prendam, botem na cadeia, processem, tá certo. Agora, bater no meio da rua fica ridículo. Afinal, nós somos seres humanos
– Madame Satã, em entrevista a “O Pasquim”
Um dia antes de apagar o nome de Madame Satã, Sérgio Camargo também retirou Benedita da Silva (PT), candidata à Prefeitura do Rio, da lista. O motivo alegado é a acusação de suposta improbidade administrativa pela qual a deputada é investigada e não foi condenada. Em vídeo, ela afirmou que o ato do “Capitão do Mato” foi “ilegal e abuso de poder”, e que vem sofrendo ataques racistas em suas redes sociais.
Ataques coordenados estão acontecendo desde domingo, com acusações infundadas e conteúdo racista. Mas eles não vão me calar e eu não vou recuar. Sou uma mulher forte e a luta nunca para. ✊🏿 pic.twitter.com/swQbuFX6LZ
— Benedita da Silva (@dasilvabenedita) October 1, 2020
Para conhecer a história de Madame Satã e conferir a nossa 3ª edição, “Liberdade?”, clique na imagem abaixo: