Um projeto de lei que visa proibir qualquer tipo de diversidade sexual e de gênero para crianças no Estado de São Paulo voltou a tramitar na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e pode ser votado na próxima quinta-feira, 22. O texto foi protocolado pela deputada estadual Marta Costa (PSD) no ano passado e, no último dia 13, a parlamentar pediu que o PL 504/2020 tramite em regime de urgência “diante da relevância da matéria”.
De acordo com o projeto, fica vedada qualquer peça publicitária no Estado de São Paulo “que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionado a crianças”. A justificativa apresentada por Marta é de que essas propagandas “trariam real desconforto emocional a inúmeras famílias”. Ela também alega que a intenção é impedir o incentivo a “práticas danosas”.
Vale ressaltar que uma lei similar à proposta na Alesp vigora desde 2013 na Rússia, proibindo qualquer tipo de propaganda sobre pessoas LGBTI+ no país, sob a mesma desculpa de influenciar crianças e adolescentes. Desde que foi aprovada, ela tem sido usada para a prisão e perseguição de ativistas e membros da comunidade em toda a região, incentivando inclusive a caça aberta a essa população.
Ainda em agosto do ano passado, a deputada Janaína Paschoal (PSL) ampliou o escopo do projeto para que ele estenda a proibição a “movimentos sobre diversidade sexual relacionado a crianças e adolescentes”. Ela também pede na emenda que terapias hormonais sejam proibidas em menores de 18 anos, nas redes pública ou privada do Estado, assim como as cirurgias de redesignação sexual para menores de 21 anos.
“Tendo em vista o fim de proteger crianças e adolescentes, resta muito importante garantir por lei que fatores externos não afetarão o desenvolvimento natural de sua sexualidade”, justifica a deputada. Janaína ainda pede que o texto original do projeto cite “orientação sexual” e não “preferência”, ao mesmo tempo em que cita como agravante a série The Baby-Sitters Club, da Netflix, que conta com uma personagem identificada como trans na infância. “Esta Parlamentar entende que a difusão indiscriminada de tais programas entre crianças e adolescentes pode contribuir para diagnósticos precipitados de casos de disforia de gênero.”
Caso seja aprovado, o projeto de lei dá o prazo de 30 dias para que todas as agências de publicidade e veículos de comunicação se adaptem à nova regra.
Censura
Em nota oficial, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP) repudia o projeto de lei e afirma que a disposição sobre temas de comunicação social compete à União, não aos Estados. “É importante destacar que a publicidade reflete a sociedade em que está inserida, e a vedação proposta pelo PL caracteriza-se por censura de conteúdo, abrindo um precedente perigosíssimo para a liberdade de expressão e aos direitos de pessoas LGBTQIA+”, diz o comunicado.
A Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB São Paulo também se manifestou contrária ao projeto, afirmando que o texto é “inconstitucional e discriminatório”. “O PL 504/2020 trata as pessoas LGBTQIA+ como um mal a ser escondido. Desejam nos proibir de entrar na sala da ‘família brasileira’. O texto do projeto de lei nos atribui o lugar de ‘má influência’ às crianças, que não estariam preparadas para lidar com ‘esse mal'”, afirma.
Um ofício protocolado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e anexado ao projeto de lei afirma ainda que o texto “é absolutamente inaceitável” por se basear “na ideia de que crianças não podem acessar nenhuma informação sobre gênero e sexualidade”. “Além disso, sob desculpa da defesa de uma infância única – aquela que não é LGBTI+, tal projeto representa um atentado à liberdade de expressão e um ataque direto a ações de proteção da infância de crianças e adolescentes LGBTI+ que existem e precisam encontrar uma sociedade em que possam ser livres sem o risco de serem violadas e violentadas pela LGBTIfobia.”
Em documento parecido e também anexado ao projeto, o Mães Pela Diversidade faz coro ao repúdio e pede que o texto, classificado como “nefasto e cruel”, não seja submetido à votação: “Este projeto desumaniza nossos filhos e vai contra tudo aquilo que lutamos e ainda desrespeita a constituição e também as Leis Estaduais”.
Nas redes sociais, movimentos e organizações de defesa dos direitos LGBTI+ começaram uma campanha ativa contra o projeto, através das hashtags #NãoAoPL504 #LGBTnãoÉMáInfluência e #RespeitaHumanidadeLGBT.