Berço da democracia moderna, a França mostrou mais uma vez seu pioneirismo ao se tornar o primeiro país do mundo a incluir o aborto na Constituição como um direito. A decisão foi aprovada nesta segunda-feira (4) pelo Parlamento francês, em uma votação esmagadora: 780 votos a favor e 72 contra.

A definição do aborto como um direito constitucional foi possível graças a uma proposta do presidente francês Emmanuel Macron, impactado pela decisão da Suprema Corte dos EUA, que revogou a decisão do julgamento Roe V. Wade, em 2022, derrubando a garantia que o país tinha sobre o aborto e entregando o poder de permitir ou não a interrupção de uma gravidez às autoridades estaduais. Desde então, vários territórios dos Estados Unidos seguiram a deixa e proibíram o aborto em um efeito dominó.

A maioria conservadora da Suprema Corte estadunidense também tem levantado o temor de que outros direitos humanos adquiridos por decisões judiciais possam ser igualmente revogados, entre eles o casamento homoafetivo e outras proteções à população LGBTQIA+. A situação pode se agravar ainda mais em um segundo mandato de Donald Trump, como contamos aqui.

“Uma mera menção a Harvey Milk [primeiro prefeito gay da história dos EUA] em um livro de história vem se tornado uma fonte tremenda de controvérsias e protestos”, afirmou professora de Estudos de Gênero e Sexualidade da Universidade do Sul da Califórnia, Karen Tongson, à Híbrida. “Há muita organização na direita para taxar qualquer coisa relacionada à vida LGBTQ, na história ou no conteúdo, como, de certa forma, perversa ou pedófila.”

Desde 1975, o aborto é legalizado na França, fruto do trabalho da então ministra Simone Veil, que ficou mundialmente conhecida como uma ativista pelos direitos das mulheres. Mas agora, esse direito foi incluído na Carta Magna francesa como uma “liberdade garantida”.

“Temos uma dívida moral com as mulheres. Acima de tudo, estamos enviando uma mensagem a todas as mulheres: seu corpo pertence a você”, disse o primeiro-ministro francês Gabriel Attal.

Após a votação em sessão especial no Palácio de Versalhes, milhares de pessoas foram às ruas para celebrar o avanço na luta pelos direitos reprodutivos de pessoas com útero. Em 2022, uma pesquisa do Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) mostrou que 86% da população apoiava o aborto.

Protesto a favor do aborto em Paris 2022 [Foto: Phototeque Rouge/Martin Noda/Hans Lucas]
Protesto a favor do aborto em Paris 2022 [Foto: Phototeque Rouge/Martin Noda/Hans Lucas]
O contexto francês está longe do brasileiro em relação aos direitos reprodutivos. De acordo com o Código Penal, o aborto no Brasil só é permitido quando há risco à vida da gestante, em casos de estupro ou de anencefalia fetal. Mas uma norma de Jair Bolsonaro (PL) determinou que o aborto legal só pode ser realizado até as primeiras 21 semanas e seis dias de gestação.

Na última quarta-feira (28), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retirou essa orientação, o que poderia permitir o aborto legal em qualquer momento. No entanto, menos de 24 horas depois, o Ministério da Saúde recuou da decisão e reestabeleceu a regra aplicada pelo governo Bolsonaro.

Celebração da inclusão do direito ao aborto na Constituição francesa [Foto: Reprodução/Fondation des Femmes]
Celebração da inclusão do direito ao aborto na Constituição francesa [Foto: Reprodução/Fondation des Femmes]
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